Conto Nublar #029: NOVA CHANCE PARA ACROMICILDO

“Ó vida! Ó sorte! De que vale viver, se o fim disso tudo é a morte?” Vivia a se lamentar o Acromicildo, um jovem de boa aparência, talentoso e muito inteligente.

Ele era um perfeccionista, tudo fazia com muito esmero, mas o seu defeito era o pessimismo. De tanto se preocupar com as coisas erradas, jamais desfrutava das coisas boas e agradáveis da vida. Deixava de realizar seus projetos (se é que os tinha) diante da mínima possibilidade de não dar certo, mesmo sabendo que poderia interferir para que isso não viesse acontecer.

Assim, passou sua vida, sempre a reclamar, mesmo a contragosto de D. Crominécia, sua esposa dedicada. Não obstante a sua insatisfação com essa situação, sempre tentando despertar sua atenção e trazê-lo para o lado bom da vida, Acromicildo era irredutível. Até parecia a Hardy Ha-ha, do desenho animado: “Ó dia! Ó sorte!”, vivia a se lamentar.

Não parava num emprego e quando ocorria de ser demitido saía com essa: “Eu sabia que isso não daria certo!”. Essa frase era muito desgastada em seus lábios. Era uma boa desculpa para a falta sua de ação.

Pense no mal-estar que é a gente ficar mais que cinco minutos na presença do Acromicildo. É sair totalmente desmotivado, tal a carga de negatividade que ele transmitia. Algo altamente contagiante. Ele era assim, mas tirando todos os defeitos, era uma ótima pessoa. Apesar de todos esses defeitos, ele tinha uma ótima qualidade. Era muito prestativo e não economizava prestatividade. Quem o via assim não conseguia entender como ele conseguia viver essa dualidade. Diziam até que ele sofria do distúrbio da bipolaridade – ou era 100% positivo ou 100% negativo. Era uma espécie de hebdomadário, pois a sua oscilação entre os dois polos durava exatos sete dias em cada polo. Era uma raridade encontrá-lo num ponto de equilíbrio. O certo é que era por demais vexatório.

Quando na polaridade negativa, escolhia uma pessoa, geralmente a mais querida para azucrinar sua paciência. Elegia-a para a difamar o jogar-lhe gratuitas farpas. Na positiva, arrependia-se e comprava-lhe presentes para tentar compensar as agressões da outra fase. Quando retornava à positividade, era uma euforia total. Quem não o conhecesse ficaria muito confuso.

Ele era diabético e nunca se cuidava. Estava sempre a descumprir sua dieta de 1400 Kcal diárias. Só comia o que não podia, principalmente coisas doces e ricas em carboidratos. Numa festa de amigos, mergulhou com tudo numa feijoada hipercalórica, regada de gordura e muito bacon. O negócio foi tal que teve uma elevação brusca de glicemia e entrou em profundo coma diabético. Nesse estado, viu-se na presença do Senhor, tentando entrar no Céu.

“Muito bem, Sr. Acromicildo! Vamos ver como foi a tua vida lá na terra.”, disse o Senhor, puxando uma pasta com o histórico de nossa personagem. Enquanto lia as anotações, meneava a cabeça negativamente.

“Mas o que fizeste da vida, criatura? Como desperdiçaste a única oportunidade que te dei para usufruir de minhas bênçãos lá na terra? Eu muito quis que fosses bem sucedido em tudo. Dei-te inúmeras oportunidade de as pessoas glorificarem o Meu Nome através de ti e que fizeste? Nada! Só maldizer-te a ti e aos outros lamentar-se e nada mais.. Por isso foste muito infeliz. Lamento informar-te, mas vieste para o lugar errado. É para lá que irás!”, falou-lhe apontando para um lugar tenebroso, de muito gemido, gritos e lamentos.

“Mas Senhor! Não existe qualquer chance de eu me redimir? Poderias dar-me uma nova chance?” Diz o infeliz, quase gritando.

“Estás com bastante sorte, pobre homem, pois ainda não morreste.”, respondeu-lhe o Senhor. “Trouxe-te aqui atendendo as orações de tua esposa e filhos, para trazer-te a proposta de uma nova vida, totalmente diferente da que tens vivido até agora e mostrar-te para onde estavas indo, pelo teu modus vivendi. Retornarás totalmente curado, mas para viveres conforme eu tenho instruído. Ama a Mim, em primeiro lugar e ao próximo como a ti mesmo. Nunca maldigas, mas sempre fala, faze e deseja o bem a todas as pessoas, sem distinção. Seja o representante do Meu Amor e Reino na terra enquanto viveres. Honra o teu pai e a tua mãe, para que teus dias sejam abençoados e prolongados sobre a terra. Estás preparado para o retorno?”

“Sim, Senhor! Eternamente grato por esta nova chance. Com a Tua ajuda, farei sempre o meu melhor. Eis a minha palavra!”

Dito isto, despertou do coma. Os médicos se maravilharam do seu novo estado e não entenderam o que havia ocorrido. Ele prontamente contou as médicos que ceticamente não acreditaram em nenhuma de suas palavras, mas admitia que um possível milagre teria acontecido, pois tal era a certeza de sua morte naquela tarde, que até os serviços funerários haviam sido acionados, estando estes de “standby”, aguardando a ordem para prepararem o seu funeral. Em vez disso, o nosso amigo recebeu alta e partiu para uma nova vida, com qualidade.

Seus familiares e amigos ficaram surpresos com a mudança da água para o vinho. Nas primeiras semanas até esperaram que passasse para a polaridade negativa, mas cansaram de esperar. Seo Cildo, como costumavam chamá-lo, permaneceu uma pessoa saudável e bem agradável de se conviver. Cumpria fielmente o prometido de amar a Deus sobre todas as coisa e ao próximo como a si mesmo. Precisou aprender a se amar, para poder valorizar as outras pessoas.

Nunca mais ouviu-se qualquer chacota dele, muito pelo contrário. Era um exemplo de vida a ser seguido.

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Glossário:

Standby – Em alerta, prontidão ou sobre-aviso.

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 08/06/2011
Reeditado em 10/04/2013
Código do texto: T3021111
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