Conto Nublar #026: CONQUISTANDO UM AMIGO, DESFAZENDO A INIMIZADE

Pra começo de conversa, sou a Miaulita (mas podem-me chamar de Lita), filha remanescente de uma ninhada de quatro gatinhos que se foi, juntamente com minha saudosa mãe, Dona Miáulia, vitimados pela ingestão de chumbinho, um veneno para ratos. Tudo por causa de uma vizinha esclerosada que odeia todo tipo de animal de estimação. Também dela foi vitima a Hayle, uma cadela RND, uma vira-lata muito esperta.

Eu era muito arisca e fugia dos donos da casa. Deles queria distância. Com quase um mês de vida, caí do sótão, onde a ninhada se abrigava e para onde não consegui retornar. Sorte minha, pois os meus irmãos morreram todos ao sugarem o leite envenenado de minha mãe. Sem a ela pra cuidar de mim, fiquei muito desnutrida.

Sem forças até pra miar, o dono da casa percebeu-me e me retirou do telhado. Tratou logo de me dar água pura e um pouco de leite de vaca diluído. Foi minha salvação. Fiquei sozinha no mundo. Agora só tinha a Punky, uma cadela pastora alemã que me detestava e queria me ver morta, assim pensava eu. A Punky ficou muito deprimida pela morte da Hayle, a quem considerava sua mãe.

Mesmo com o risco de ser despedaçada por aquelas fortes e afiadas presas, eu fui-me aproximando, como sem querer, mas querendo. Ao primeiro rosnado, saltei de banda e me esquivei e corri para o alto da aceroleira. Fiquei lá em cima até ela se cansar de esperar. Mas não desisti. Percebi que a única saída era conquistar a fera.

Cada dia, eu me aproximava dela e cubava suas reações. Se ela reagia, eu caía fora de seu alcance. Senão, eu ia chegando até ficar bem coladinha ao seu dorso. Mas sou fortemente atraída por todo e qualquer movimento e o rabear da Punky tornou-se-me irresistível. Não dava outra. Pulava sobre sua calda, tentando imobilizá-la. Em compensação, era logo expulsa de sua presença.

Para encurtar a história, hoje somos amigas inseparáveis. Posso dormir confortavelmente sobre suas costas ou entre suas patas e abaixo do queixo, ou entre a conchinha de seu ventre. Precisamos uma da outra, nem que seja só para afastar a solidão. Quando ando sobre os muros ela fica aflita embaixo, talvez com medo que eu venha cair e me machucar. Acho que ela não sabe que um felino sempre cai de pé.

Tão bom se os humanos fossem assim como nós, os animais! Saberiam atravessar e tirar proveito das adversidades. Se se aproximássem de nossos pretensos inimigos, conhecessem suas fraquezas, pontos fortes e fracos, suas necessidades, poderiam somar em vez de subtrair ou se dividirem.

Quando nos juntamos para servir, podemos conquistar o próximo, pois não houve interesse próprio em jogo, mas quando nos aproximamos para obter vantagem, as coisas só tendem a piorar.

Nós, os animais, temos muito o que ensinar aos humanos. Pena que eles não seja sábios o suficiente para perceber isto. O próprio Criador mandou os preguiçosos observar as formigas para que com elas pudessem aprender a sabedoria.

Ninguém precisa de inimigo. Só o tem que o quer.

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 30/05/2011
Reeditado em 10/04/2013
Código do texto: T3002431
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