Conto Nublar #005: O CAMINHO DAS PEDRAS I

Capítulo 1 - A TIA GERALDA

João era um menino muito precoce e inteligente. A pele branca de doer à luz do sol, cabelos louros, olhos azuis num dia; noutro verdes. Isso era confuso porque nunca se sabia qual a cor dos olhos sem antes observá-los. Era o quinto de uma interminável prole. Seus pais eram muito amorosos e se esforçavam para dar o melhor que podiam aos seus filhos.

Aos três anos já sabia todas as capitais dos estados brasileiros e algumas de outros países. Era o xodó da Tia Geralda. Esta não se cansava de mostrar o talento do sobrinho predileto às suas amigas e amigos que iam passar as férias na casa do avô. E nunca se esquecia de trazer-lhe presentes. Na verdade ela trazia presentes para todos, mas o do João era sempre o mais especial. O pai do João tinha a predileção explícita pelo outro filho de dois anos, o Neto. Não sei porque, mas sempre procurava diminuir o João para que o outro fosse notado, como se ele fosse o mais inteligente e o único filho dele. Não era muito legal o que ele fazia, mas era o jeito de ele valorizar o caçulinha dele. O Neto também era muito inteligente e, de tanto ouvir o João dizer as capitais, findou aprendendo-as. Certo dia, Joãozinho dizia algumas capitais brasileiras, e seu pai interveio querendo dizer que o Neto era mais inteligente, pois também sabia o que o outro sabia, sendo este mais novo. E lá foi ele respondendo corretamente sobre as capitais. Daí o Joãozinho saiu com essa: “Mas você não sabe as capitais e outros países e eu sei! Diga a capital do Paraguai!”. E o Neto imediatamente respondeu? “Uruguai”. Saiu dali vingado, pois desbancou o seu irmão.

Aos cinco anos, seu irmão Antônio, meio cego de nascença, quebrou uma campânula de cristal da bomba de gasolina do caminhão do pai. Por ser um menino de condições especiais, não apanhou, mas o pai deu uma surra nos demais para aprender não fazer o que era errado. Aquilo foi demais para a cabecinha do João. Para completar o pai ainda o pôs de castigo na calçada de fora, em pé, com o rosto na parede e as mão por cima da cabeça. Agora o velho extrapolou a razão. Não bastasse isso, era uma segunda-feira, dia da feira de Missão Velha. E o João ficou muito envergonhado, pois achava que todos os tropeiros que passavam com sua cargas rumo à feira viam o garotinho de castigo. Eles, na verdade, nem o notaram. Pela posição de castigo até parecia que brincava de esconde-esconde.

Foi aí que o João bolou um plano. Ele fugiria de casa, para enraivar o pai e dar motivo para que ele lhe desse uma boa sova, dessa vez merecida. Assim, ele não mais veria seu pai como um injusto e não mais guardaria mágoa por ter sofrido uma pisa imerecida. Olhava lá para dentro e via o seu pai cantando enquanto ajudava sua esposa a catar o arroz e o feijão para o almoço. Isso desapontou mais ainda o Joãozinho e até o encorajou a executar o seu plano de fuga. Criou coragem e saiu correndo em procura da casa da avó. Seu cabelos louros esvoaçavam ao vento, batendo com os pés no bumbum de tanto correr, chegou aos prantos na casa da vovó.

“O que foi, meu netinho?”, pergunta a avó aflita. “Foi meu pai que me bateu seu eu ter feito nada e eu não quero mais saber dele, não! Ele é muito ruim”. Para sua surpresa, sua avó o acolheu e lhe prometeu que ele jamais votaria para a sua casa e que o seu pai não mais o levaria de volta. Aquilo frustrou de vez o seu plano de resgatar o respeito de seu pai, pois este nunca foi buscar-lhe na casa da avó. Agora, além de ser o preferido da Titia, agora era o da vovó também. Por um lado era o que toda criança poderia sonhar. Mas tem o outro lado da moeda que não desejo para ninguém. O Joãozinho era constante vítima do ciúme dos outros primos. Viviam aprontando contra o coitado do João e esse não revidava até que sua medida de paciência se esgotava. Daí eles gritavam: “Vovó! O João está-me batendo!” Não precisa dizer que ele foi o único neto que apanhou dos avós e disso os primos se deliciavam.

O menino queria aprender mais e mais, saber os porquês de tudo. E isso lhe custou muito caro. Os primos sempre procuravam um ponto fraco nele para acabar de vez com o queridinho da vovó. Certo dia ouviu uma tia agradecendo: “Obrigada!”, disse ela. Então perguntou: “Tia! Por que a senhora disse obrigada e não obrigado?” Ela respondeu-lhe: “Porque 'obrigado é para homens e obrigada é para mulher”. 'Aham! Então é isso!” pensou ele. E tratou logo de colocar em prática o que acabara de aprender. Aos homens dizia “Obrigado!” e às mulheres, “Obrigada!” Entendera tudo errado. Numa dessas uma tia lhe corrigiu. “Não, menino! Você entendeu tudo errado! O homem só responde, obrigado e somente a mulher é quem diz obrigada. Entendeu agora? Você tem que dizer obrigado porque você não é uma mulherzinha”. A partir dali ele entendeu, mas uns primos que estavam perto, não sabiam do que se tratava e só pra lhe pirraçar o chamou de mulherzinha. Aquilo foi o pior que podia ter acontecido. O João virou uma arara e, de branco ficou um pimentão. Um certo tio, vendo a cena, em vez de apaziguar, botou mas lenha na fogueira. “Eta que esse menino parece um galo duro!” tudo por causa de sua pele vermelha de raiva. E ainda arranjou outro apelido, vela branca. A principio o Joãozinho se defendia como podia, mas nenhum adulto vinha em socorro dele, senão a sua Tia Geralda. Esta o confortava e orientava em tudo. Chegando próximo a sua puberdade, ela lhe presenteou com uma coleção de livretos de orientação sexual, de autoria de Gil Bonfim, da Editora Vozes. Eram livros bem apropriados para cada idade e muito o ajudou a atravessar o PÂNTANO DA ADOLESCÊNCIA.

(Continua no próximo capítulo ATRAVESSANDO O PÂNTANO)

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Baseado em fatos reais.

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INTERAÇÕES:

09/09/2010 09:25 - Ignez Freitas

Muito bom conto poeta,

parabéns, beijos...

09/09/2010 08:44 - Patrícia Correia

Curiosidade extrema gera sempre problema! Joãozinho é danado, um garoto articulado!

Adorei!

Parabéns!

09/09/2010 08:40 - Cláudio Poeta

Muito bom!

Parabéns, meu amigo!

Abração

09/09/2010 08:11 - Rejane Chica

Ficou lindo teu conto.Aguardo a continuação.

abraços,

chica

09/09/2010 07:32 - Ruy

Bom dia um excelente texto como todos os trabalhos que fez.

Parabéns nesta cidade do Crato com sol e manteiga de garrafa.

E continue a nos brindar com textos desta natureza.

Hoje coloco um texto altamente polêmico.

09/09/2010 07:08 - Mário Roberto Guimarães

Belíssimo conto, Bosco, parabéns.

Um abraço, Mário.

09/09/2010 06:48 - Marco Aurelio Vieira

Estou no aguardo...

09/09/2010 06:45 - Carlitos Boscacci

Excelente texto amigo Bosco.

Parabéns!

Um abraço,

Carlitos.

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 09/09/2010
Reeditado em 10/04/2013
Código do texto: T2486894
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