Conto Nublar #001: APESAR DA APNEIA

Conto Nublar #001: APESAR DA APNEIA

Pronto! De repente caí num sono profundo. Tarde da noite. Logo passei do estágio 1 do sono, para o 2. Não foi difícil atingir o estágio 3; sono profundo e prolongado; em torno de 75% do período total do sono. Mas, quem disse que consegui atingir o estágio 4? Não houve jeito. Sucessivas apneias (43.3 #/h) que duravam em média 1,2 minuto levavam-me a micro despertares (37#/h), talvez uma inconsciente ação cerebral que emitia descargas de adrenalina para que eu voltasse a respirar. As vias aéreas superiores totalmente obstruídas vedavam a passagem na inspiração. Obviamente nada de expiração. Ainda bem que minha boca se abre num ato inconsciente que permite-me respirar, não de forma eficiente, mas respiro, apesar dos roncos, do ressecamento oral e do pigarro ao despertar.

Aquilo levava-me às raias do desespero. Sobrevinham-me pesadelos, geralmente reportando dificuldade de falar, gritar ou correr. Parecia que estava totalmente paralisado. Com esforço sobre-humano consegui acordar emitindo um sonoro suspiro de ânsia. Nisso minha esposa acorda assustada e pergunta-me: “- O que foi”? E eu, super chateado, respondo: “- Ora! Eu aqui morrendo sem fôlego, num pesadelo horrível, morrendo de gritar e você nada de me acudir”. Então ela disse: “- Mas meu bem! Eu sequer ouvir qualquer som ou grito teu”.

Daí caiu-me a ficha, pois, se eu estava a sofrer uma parada respiratória, como emitir qualquer som sem ar para vibrar as pregas vocais? Faz total sentido. Volto a dormir e tudo se repete até cumprir minha obrigação hipnossocial*, um sono cênico, totalmente sem proveito, visto que acordo mau humorado, sentido forte dores de cabeça, corpo dolorido com aquela sensação que o sono ficou a dever-me.

O dia, como sempre, foi um pouco improdutivo. Lapsos de memória levaram-me a esquecer das coisas mais simples às mais complexas. Mudanças bruscas de humor contribuíram para o desgaste interpessoal, tanto no trabalho quando no reduto de meu lar. Devo ter perdido amigos nesse tempo em que fui exposto à apneia e suas conseqüências. Graças a Deus que tenho uma esposa que é verdadeira companheira, amiga que me compreende e me ajuda nesses momentos nada fáceis.

Agora, depois de longos anos de buscas por solução, estou com tratamento adequado. Um CPAP (Continuos Positive Airway Pressure = Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas) ajuda-me a vencer a obstrução das vias aéreas superiores e passo, com sua ajuda, a respirar de forma eficiente e, pela primeira vez, experimento o tão almejado estágio 4 do sono. Minha memória é finalmente processada e armazenada, liberando espaço para novos conhecimentos, tenho insulina suficiente para o meu dia, meu cérebro é suficientemente oxigenado, o hormônio da saciedade é liberado e alcanço a moderação do apetite. A tonicidade volta aos meus músculos com a liberação do acetil colina que me bastam e passo o dia disposto e apto para o trabalho. Parece simples, mas é complicado. E assim vou vivendo, apesar da apneia.

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(*) Hipnossocial – um sono dormido somente pró-forma, para cumprir a rotina de ir para a cama.

Obs.: Relato isto em forma de conto com a intenção de alertar a todos sobe a Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono - SAOS). 2 em cada 4 pessoas, de alguma forma sofre com esse problema.

Esta é uma experiência com a qual convivo diariamente. Passei 58 anos da vida procurando solução e só agora consegui encontrar tratamento adequado. Se os médicos ouvissem melhor as queixas dos pacientes teríamos mais êxito na detecção e tratamento de doenças como essa. Mas, como diriam os inconfidentes mineiros em bom Latim, "sanitas (ou "salus') quæ sera tamem" (paráfrase) = Saúde ainda que tardia.

Se você experimenta o mesmo (ou conhece alguém que tenha esse problema), procure um médico especialista em terapia do sono ou um que lhe oriente onde achar tratamento adequado. A SAOS pode levar o indivíduo a sérios problemas cardíacos, AVC em função da oxigenação ineficiente ou outras doenças degenerativas. Não corra mais esse risco.

Alelos Esmeraldinus
Enviado por Alelos Esmeraldinus em 20/07/2010
Reeditado em 10/04/2013
Código do texto: T2388193
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