ENTREVISTA COM O JORNALISTA E POETA PAULO BOMFIM
ESTA ENTREVISTA FOI FEITA POR MIM (Miriam Panighel Carvalho) À OCASIÃO EM QUE FOI LANÇADA A MINHA REVISTA "TRIBUNA DAS LETRAS" DO PORTAL "CÁ ESTAMOS NÓS"
PAULO LEBEIS BOMFIM nasceu em São Paulo no dia 30 de setembro de 1926. Estudou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco mas não quis terminar o curso jurídico. Preferiu o Jornalismo, profissão a que se dedicou com esmero e muito afinco. É, hoje, Coordenador de Cerimonial e Relações Públicas do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. E foi lá que me recebeu de forma polida e simpática para a entrevista que segue abaixo.
Tribuna das Letras
Como surgiu a sua paixão pelas Letras?
Paulo Bomfim
No seio da família. Recebi influência dos meus pais, avós especialmente de um tio, Carlos Magalhães Lebeis, retratado por Cândido Portinari. O ambiente familiar foi fundamental na minha inclinação para as Letras. Meu pai, médico, era homem bastante culto e minha mãe, além de tocar violão também cantava. Pode-se dizer que desde que nasci já comecei a conviver com saraus a que compareciam escritores e artistas conceituados como: Vicente de Carvalho, Guilherme de Almeida, Mario de Andrade. No âmbito da pintura, Tarsila do Amaral era uma das presenças constantes e, no da música, as pianistas Guiomar Novaes e Magdalena Tagliaferro, entre outros.
Tribuna das Letras
Onde foi a sua estréia como jornalista?
Paulo Bomfim
Comecei no Correio Paulistano em 1945 e a seguir fui para o Diário de São Paulo a convite de Assis Chateaubriand. Lá, passei dez anos escrevendo Luz e Sombra, enquanto redigia Notas Paulistas para o Diário de Notícias do Rio.
Tribuna das Letras
Sendo jornalista, o senhor chegou a apresentar-se no Radio e/ou na Televisão?
Paulo Bomfim
Fui diretor de Relações Públicas da Fundação Casper Líbero e fundador, com Clóvis Graciano, da Galeria Atrium. Na televisão produzi Universidade na TV, ao lado de Heraldo Barbuy e Oswald de Andrade Filho. Fui jornalista do canal 4, no Mappin Movietone e no canal 2, no Crônica da Cidade. Na Rádio Gazeta apresentei o Hora do Livro e Gazeta de Notícia.
Tribuna das Letras
O livro com que o senhor estreou foi Antonio Triste publicado em 1947. Como foi essa estréia?
Paulo Bomfim
Em minha apresentação fui saudado por Guilherme de Almeida como “o novo poeta mais profundamente significativo da nova cidade de São Paulo”. Antonio Triste tem prefácio de Guilherme de Almeida e ilustração de Tarsila do Amaral.
Tribuna das Letras
O brasileiro lê muito pouco. Por que?
Paulo Bomfim
Não existe apenas uma causa que explique a falta de interesse que o nosso povo tem no tocante às Letras. No meu modo de ver, há uma série de fatores que conduzem a isso. Sem dúvida trata-se de um problema de cunho sócio-econômico-cultural.
Tribuna das Letras
Dentre os gêneros literários de sua preferência, o senhor inclui os de auto-ajuda?
Paulo Bomfim
Não tenho gêneros literários preferidos. Gosto da boa literatura. E se encontrar livros de auto-ajuda que tenham qualidade e conteúdo satisfatório, aceito-os. Ainda que com restrições.
Tribuna das Letras
Transfiguração, Sonetos, Tempo Reverso, Sonetos da Vida e da Morte são alguns dos seus livros de sonetos. Por que essa predileção?
Paulo Bomfim
Considero o soneto o traje a rigor do pensamento. Sinto-me perfeitamente à vontade escrevendo-os e lendo-os.
Tribuna das Letras
Quais seus escritores preferidos?
Paulo Bomfim
Guilherme de Almeida (Acalanto de Bartira, Meu, Raça, Messidor, como algumas obras de que mais gosto); Cecília Meirelles; Manuel Bandeira; Vinícius de Moraes (meu particular amigo e excelente sonetista); Florbela Espanca (de quem sou devoto); Jorge de Lima (cito A Invenção de Orfeu); Raul de Leoni; Gerardo Mello Mourão, notável escritor brasileiro que, incompreensível e lamentavelmente, é pouco conhecido pelos brasileiros. Autor de A Invenção do Mar é a mais bela celebração do Vº centenário da descoberta do Brasil e uma verdadeira epopéia da nacionalidade brasileira. Dentre os estrangeiros, gosto de Jorge Luiz Borges, Thomas Mann e Herman Hesse (aliás, vale dizer que um dos meus poemas preferidos - A Casa - foi vertido para o alemão e enviado à Suiça para Hesse, que agradeceu com uma carta e o mandou com seu retrato autografado).
Tribuna das Letras
E dentre os de sua autoria?
Paulo Bomfim
Armorial é o meu preferido. Foi ilustrado por Clovis Graciano. Nele, como escreveu Cassiano Ricardo, faço uma “volta proustiana ao passado paulista”. Um passado que remonta a meus ancestrais, os bandeirantes.
Tribuna das Letras
Em qual país a poesia é mais valorizada?
Paulo Bomfim
Portugal que, além de valorizar a própria poesia, também o faz com a poética brasileira. Cecília Meirelles, cuja ascendência é açoriana, é mais lembrada e cultuada nos Açores do que no próprio Brasil. A tal ponto que, na Ilha de São Miguel há uma avenida que leva o seu nome.
Tribuna das Letras
Há uma corrente de esquerda que divulga a história pátria de maneira distorcida denegrindo os bandeirantes paulistas, taxando-os de bandidos. Qual a sua opinião a respeito?
Paulo Bomfim
Lamentável. A distorção é um verdadeiro crime de lesa tradição. Os que aviltam a memória dos nossos antepassados, fazem com que as novas gerações desconheçam os feitos e as bravuras dos bandeirantes. E um país sem memória é como uma árvore sem raízes: qualquer vento derruba.
Tribuna das Letras
Poeta, qual a importância de Guilherme de Almeida em sua vida?
Paulo Bomfim
Ele foi meu mestre, meu guru intelectual, meu grande amigo. Tudo o que sei de poesia é a ele que devo.
Tribuna das Letras
Foi de Guilherme de Almeida que o senhor herdou o título de Príncipe dos Poetas?
Paulo Bomfim
O primeiro a ser conhecido com esse título depois de Guilherme de Almeida, foi Menotti Del Picchia. Em seguida, eu. Mas considero meu maior título o de ser poeta de São Paulo.
Tribuna das Letras
Qual é a origem desse imenso amor que o senhor sente por São Paulo?
Paulo Bomfim
È algo que defino como uma espécie de consciência genética. São Paulo está em minhas raízes e em toda a minha vida. Aliás, São Paulo é a minha vida. Aqui os meus pais se conheceram, aqui viveram, aqui nasci e cresci. Enfim, é uma cidade cósmica, universal. Uma demonstração fiel do que a terra tem de melhor, de fascinante e de contraditório.
Tribuna das Letras
Qual é a sua ligação com o Tribunal de Justiça?
Paulo Bomfim
Durante a infância meu pai tinha o hábito de ir comigo visitar o Palácio da Justiça ainda em obras, em fase de acabamento. Foi aqui que tive o meu primeiro emprego público. Era assistente de Aldo de Assis Dias que me convidou para participar do Juizado de Menores.
Tribuna das Letras
O senhor recebeu muitas homenagens durante sua vida profissional. Existe alguma que deixou lembrança especial?
Paulo Bomfim
A da Academia Paulista de Magistrados foi a mais bela das homenagens que recebi: o livro Tributo a Paulo Bomfim, no ano de 2002. Foi prefaciado pelo poeta José Rodrigues de Carvalho Netto. Naquela noite, no Pátio do Colégio, o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, à época presidente do Tribunal, entregou-me o Colar Acadêmico.
Tribuna das Letras
Na sua opinião, o que deve fazer uma pessoa para ter sucesso como escritor?
Paulo Bomfim
O segredo do bom escritor está na leitura. Ler, ler e ler para saber como e o que escrever.
Tribuna das Letras
O senhor poderia descrever as semelhanças e diferenças entre a São Paulo da sua infância e adolescência e a São Paulo atual?
Paulo Bomfim
Era uma cidade completamente diferente da de hoje. Pacata, quase não havia prédios e existiam muitos bondes. Embora já houvesse luz elétrica, a cidade era romanticamente iluminada com lampiões a gás. Tanto é que trago bem vívida na lembrança, a imagem dos lampiões furados à bala, durante a Revolução de 32.
ALGUNS SONETOS
Soneto 1
Venho de longe, trago o pensamento
Banhado em velhos sais e maresias;
Arrasto velas rotas pelo vento
E mastros carregados de agonia.
Provenho desses mares esquecidos
Nos roteiros de há muito abandonados
E trago na retina diluídos
Os misteriosos portos não tocados.
Retenho dentro da alma, preso à quilha
Todo um mar de sargaços e de vozes,
E ainda procuro no horizonte a ilha
Onde sonham morrer os albatrozes...
Venho de longe a contornar a esmo,
O cabo das tormentas de mim mesmo.
Paulo Bomfim
* do livro Transfiguração
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Soneto XIII
Pastor já fui desse rebanho alado
Pastor já fui desse rebanho alado,
Que pelos céus caminha, pensativo,
A ruminar a grama azul do prado
E a desmanchar-se em pensamento vivo.
Pastor já fui de olhar perdido e calmo,
Guardando as reses pelo campo etéreo,
Entoei sobre a campina cada salmo
De um livro que perdi sobre o mistério.
Já fui pastor fora de certo espaço,
Das loucas dimensões em que me banho,
Não sei se é no futuro em que me abraço
Ou no passado desse meu rebanho!
Pastor já fui, hoje arrebanho a mágoa
Do meu rebanho a desfazer-se em água.
Paulo Bomfim
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Luz e Sombra
in "DIÁRIO DE SÃO PAULO",
11.04.67
E o mar se faz carne, e a carne é uma flor de mármore na lapela da cidade. Dentro da paisagem onírica "O Sonho dos Cavalos Selvagens", de Álvaro Pacheco. O galope glauco dos hipocampos, a face heráldica dos licornes, o galope altivo dos vocábulos de raça. E entre o leito do amor humano e a nostalgia do tempo em que os deuses penetravam a dimensão dos heróis surge este cantar da imensa solidão:
na hora da dor
você está sozinho
na hora do gozo
você está sozinho
na hora da morte
você está sozinho
você está sozinho
em todas as coisas importantes
você está sozinho
em todas as conseqüências
e qualquer que seja o peso
a carga é sua e, de fato
ninguém pode lhe ajudar."
E num grito que vai dos blocos de concreto armado ao sangue de Knossos, o poeta entrega à vida a nobreza de um epitáfio:
no futuro dirão:
esse, pelo menos tentou:
caiu, tentou levantar-se
andou, tentou permanência
amou, tentou o infinito
(viveu, tentou não morrer)
Paulo Bomfim
BIOGRAFIA
Paulo Lébeis Bomfim nasceu no dia 30 de setembro de 1926 em São Paulo (SP). Abandonou o curso de Direito, que havia iniciado por volta de seus 20 anos, preferindo continuar trabalhando como colaborador dos jornais “Diário de São Paulo”, “Correio Paulistano” e “Diário de Notícias”. Seu primeiro livro, “Antônio Triste”, lançado em 1946, com prefácio de Guilherme de Almeida e ilustrações de Tarsila do Amaral, recebeu o Prêmio Olavo Bilac, concedido pela Academia Brasileira de Letras, em 1947.
Atuou como relações públicas da "Fundação Cásper Líbero" e fundador, com Clóvis Graciano, da Galeria Atrium. Produziu "Universidade na TV" juntamente com Heraldo Barbuy e Oswald de Andrade Filho; "Crônica da Cidade" e "Mappin Movietone". Apresentou na Rádio Gazeta, "Hora do Livro" e "Gazeta é Notícia". Entre 1971 e 1973 foi curador da Fundação Padre Anchieta, diretor técnico do Conselho Estadual de Cultura de São Paulo e representante do Brasil nas comemorações do cinqüentenário da Semana de Arte Moderna, em Portugal.
Publicou, em 1951, "Transfiguração". Em 1952, "Relógio de Sol". Lança as primeiras cantigas, musicadas por Dinorah de Carvalho, Camargo Guarnieri, Theodoro Nogueira, Sérgio Vasconcelos, Oswaldo Lacerda e outros.
Publica, em 1954, "Cantiga de Desencontro", "Poema do Silêncio", "Sinfonia Branca" e depois, em 1956, "Armorial", ilustrado por Clóvis Graciano. Em 1958, lança "Quinze Anos de Poesia" e "Poema da Descoberta". Publica a seguir "Sonetos"(1959), "O Colecionador de Minutos", "Ramo de Rumos" (1961), "Antologia Poética" (1962), "Sonetos da Vida e da Morte" (1963). "Tempo Reverso" (1964), "Canções" (1966), "Calendário" (1968), "Poemas Escolhidos" (1974), "Praia de Sonetos" (1981), com ilustrações de Celina Lima Verde, "Sonetos do Caminho" (1983), "Súdito da Noite" (1992), "50 Anos de Poesia" e "Sonetos" pela Universitária Editora de Lisboa. Em 2000 e 2001 publicou os livros de contos e crônicas “Aquele Menino” e “O Caminheiro”. Publicou, em 2004, “Tecido de lembranças” e, em 2006, quando o poeta completou 80 anos de idade, “Janeiros de meu São Paulo” e “O Colecionador de Contos”.
Suas obras foram traduzidas para o alemão, o francês, o inglês, o italiano e o castelhano. No dia 23 de maio de 1963, passou a ocupar a cadeira 35 da Academia Paulista de Letras tendo sido saudado por Ibrahim Nobre. Presidente do Conselho Estadual de Cultura e do Conselho Estadual de Honrarias e Mérito, na década de 70. O poeta é, ao completar 80 anos, o decano daquela Academia.
Em 1982, recebeu o título Personalidade do Ano, concedido pela União Brasileira de Escritores
Em 1993, foi agraciado com o Prêmio pelo Cinqüentenário de Poesia, concedido pela União Brasileira de Escritores.
Recebeu, em 1982, o Troféu Juca Pato de Intelectual do Ano, concedido pela União Brasileira de Escritores.