Transtorno da Hiperatividade com Déficit de Atenção

ENTREVISTA:: Dr. Márcio Funghi de Salles Barbosa

Transtorno de Hiperatividade com Déficit de Atenção

Preocupado em auxiliar a melhoria do aprendizado escolar em todos os níveis, o Psiquiatra Márcio Funghi de Salles Barbosa tem dedicado-se a fazer pesquisas nas esco-las a que tem sido convidado, notadamente sobre as relações de comportamento e a-prendizado dos alunos. Já realizou pesquisas sobre drogas no meio escolar e até sobre as motivações para o uso de drogas.

Percebendo um número crescente de Diretores e Professores estressados na sua lide diária, faz palestras a pais, mestres e alunos sobre os mais variados temas. Há quatro anos vêm se dedicando a preparar as escolas para um problema crescente: o Transtorno de Hiperatividade com Déficit de Atenção (THDA) e nos concede esta entrevista

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RECANTO: O que vem a ser o Transtorno da Hiperatividade com Déficit de Atenção?

Dr. Marcio: O THDA é um transtorno que ocorre precocemente, iniciando-se na infância ou na adolescência e exibe uma combinação de comportamentos agitados, impulsivos, com difícil controle, dificuldade para o portador obedecer a ordens ou ficar quieto, esque-cendo-se facilmente das recomendações e freqüentemente desatento e com pensamento muito rápido, fornecendo respostas erradas, ao que pensa, será perguntado. Às vezes as crianças portadoras deste transtorno podem ser encaradas como “sonhadoras”, apáticas, preocupadas ou ansiosas. Existem casos relatados na literatura médica de crianças que foram tratadas como “retardadas”, tal o seu alheamento às situações escolares.

RECANTO: Quais as causas deste Transtorno?

Dr. Márcio: Constatamos na psiquiatria que as causas podem ser constitucionais, adquiridas na gravidez e no parto, no período dos primeiros desenvolvimentos (quase sempre em conseqüência de traumas de parto, quedas, infecções do Sistema Nervoso Central, como meningites e encefalites), por problemas de desajustes familiares, por inconformis-mo com a situação sócio-financeira e várias outras causas.

RECANTO: Este transtorno pode desenvolver crianças incapazes de um aprendizado escolar?

Dr. Márcio: Se a escola não souber lidar com elas, elas podem abandonar os estudos, mas geralmente, se não houver problemas decorrentes, como a criminalidade ou o uso de drogas, acabam aprendendo até mais do que a escola pode ensinar.

RECANTO: Como é possível isto acontecer?

Dr. Márcio: muita freqüência estas crianças têm como compensação um nível intelectual muito grande, mas quando desatentas, não conseguem se organizar e por a funcionar esta inteligência.

RECANTO: Qual o maior risco que correm?

Dr. Márcio: Se prosseguem mal compreendidas, acabam sendo “adotadas” por trafican-tes, que ao lhe venderem drogas, sem o perceberem, costumam acalmá-las bastante, isto se deve ao fato de que as drogas, para estas crianças agem ao contrário: acalmam ao invés de agitá-las, o contrário dos calmantes, que as agitam.

RECANTO: Como é possível tratá-las?

Dr. Márcio: Foi por muito tempo indicado o uso de anfetamínicos, que eram os únicos estimulantes que existiam. Contudo esta medida começou a ser desestimulada, ao ocasionar sintomas de dependência física e psíquica nos usuários. Descobriu-se posteriormente que existia um derivado anfetamíico que praticamente não trazia este inconveniente. Hoje com as descobertas dos antidepressivos, estudou-se e comprovamos existir um grupo deles, que produz melhoras fantásticas, sem nenhum risco, seja de dependência (os antidepressivos não causam dependência) ou estimulação psíquica, como faziam os anfetamínicos (remédios hoje usados erroneamente para emagrecer). Em alguns casos onde a tranqüilidade não é obtida, apesar de reajustes das dosagens, usam-se certas substâncias chamadas de neurolépticos em doses mínimas, não prejudiciais.

RECANTO: Quando deve ser iniciado o tratamento?

Dr. Márcio: Até a bem pouco tempo recomendava-se o uso de antidepressivos apenas após os seis anos, como medida de precaução (?), contudo já existem casos que recebem doses pequenas, com poucos meses de vida, pois não dormem, não se alimentam, choram o tempo inteiro e não conseguem ficar sozinhas, levando as mães ao desespero. Muitas vezes elas buscam tratamento, crendo-se incapazes de lidar com os filhos. Vimos famílias rotulando as mães de incompetentes para criar, quando na verdade elas lidam, sem saber, com um filho hiperativo.

O tratamento precoce é muito mais eficaz que o realizado num adolescente rebelde, mui-tas vezes desviado para o caminho das drogas.

Só para se ter uma idéia do que refiro, conto um caso real. Uma mãe adentra o consultó-rio sozinha, para uma consulta do filho. Diz-nos de chofre: _Doutor meu filho é viciado em maconha. Fuma cerca de 5 a 8 cigarros por dia, principalmente nos domingos. Estou pre-ocupada com ele, mas tem um outro lado estranho, que acho o senhor vai rir do que vou falar... Antes de fumar maconha ele era intragável, briguento, ia mal à escola e não fazia amigos. Hoje, com o vício, está ajuizado, trabalhador e fala com medo em parar com a maconha, mas três a quatro dias de abstinência, volta a ficar difícil. É por causa da abstinência?

Explico a ela que o tratamento poderá ajudá-lo, ao fazer o interrogatório e descobrir que o filho teve parto difícil, com circular de cordão. Em pouco tempo de antidepressivo ingerido, adeus maconha, adeus mau humor, adeus tratamento. Está noivo, cursando o último ano de engenharia, com notas surpreendentes. Milagre da medicação!

RECANTO: E nas escolas, que tipo de problemas apresentam?

Dr. Márcio: Geralmente são inquietos, falantes, provocadores, desafiam os colegas e a professora, adoram brincar em horários impróprios, querem ir a todo instante ao banheiro, aproveitam a escapadela para perturbar outros colegas e classes, jogam bolinhas de pa-pel no quadro, na professoras e nos colegas. Aparentemente não demonstram interesse pelo que está sendo dito, seja por apresentarem déficit de atenção, seja por serem muito inteligentes, sabendo, às vezes, mais que a professora.

Tenho um caso de um menino que aprendeu a ler e escrever sozinho com 4 anos. Aos 8 anos não queria ir para a escola, pois achava muito chato o que o irmão mais velho 5 anos aprendia.

Seu outro irmão primogênito de 28 anos cursava o último ano de arquitetura e vivia reclamando de dificuldades com as matérias do último ano. Meu cliente pegou a lanterna no carro do pai, escondia-se em tenda de cobertores e lia os livros do futuro arquiteto, fazendo blague com as dificuldades alegadas e mostrando a ele, para surpresa dos familiares, como entendera e sabia aplicar o que lia.

O pai, trabalhador de uma multinacional, amigo do superintendente de São Paulo, conseguiu por meio da firma, um emprego nos EE.UU. próximo ao Vale do Silício, onde o filho trabalha realizando jogos e programas de computador com o Bill Gates. Lá ele tem assistência médica e psiquiátrica, sente-se integrado e namora firmemente uma superdotada, ex hiperativa como ele, esperando se casarem um dia. Provavelmente, para infelicidade dos filhos, se "nascerem apenas normais".

RECANTO: O senhor nos disse fora do ar que tem feito palestras e cursos com professores e educadores destes hiperativos. Como os ensina a tratá-los, de forma a não se desesperarem?

Dr. Marcio: Creio que nós só tememos aquilo que não conhecemos ou sabemos lidar. Assim ensino aos educadores como fazer um relatório detalhado aos pais, sem usar ex-pressões que indiquem, mesmo que de raspão, que o aluno é doente. Seus gestos, sua fala, suas demonstrações de dificuldades (principalmente nos que têm a atenção deficiente) ou nos frustrados com uma classe e professora que não o entendem, pois não está distraído, está divagando, às vezes, a idade do universo, tal a sua inteligência.

Proponho testes ligeiros de raciocínio lógico, analiso a capacidade de resolução de pro-blemas, tornando-os cada vez mais complexos, até que ele proponha um que os mestres desconheçam.

Peço para analisarem qual a área em que têm mais dificuldade: ouvir, gostar de música, raciocínio lógico, empatia, desdém por algo (que deve ser relatado). Em suma, tudo que puder ajudar na avaliação dos pais e possível (eis) tratador (es). Não importa o tempo e sim a qualidade do material avaliado.

Depois aconselho discutir o caso com a psicóloga ou psicopedagoga da escola e depois a Diretora convoca aos pais, apontando sempre o lado humano, a competência ou a capa-cidade de recuperação se bem encaminhados.

Ensino a quebrarem o preconceito contra os PSI (cólogos e quiatras) não usamos mais pernas secas de sapo, nem azas assadas de morcego, mas medicamentos que não ma-tam, não aleijam, nem trazem retardo ou dependência.

A propósito: dependência é algo que acontece com drogas nocivas, onde incluo diversos calmantes, que passam a exigir doses cada vez maiores, para produzirem cada vez menos efeitos positivos; só lhes resta o vício.

Os resultados são muito gratificantes e construtores de cidadãos, não de marginais drogados.

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Agradeço se derem oportunidade para que a sociedade receba estas informações, ela que está tão carente de contatos comparativos.

www.drmarcioconsigo.com