VIDA CONJUGAL = VIDA SOB O JUGO?

ENTREVISTA: Márcio Funghi de Salles Barbosa

VIDA CONJUGAL

Com humor e realismo, o psiquiatra Márcio Funghi de Salles Barbosa, nos chama a atenção para fatos, que muitos nem se apercebem e empurram o casamento como um fardo. Sua fala ajuda a meditarmos e encontrar a compreensão otimizada para esta vivência.

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RECANTO: Na verdade, como definir a vida conjugal?

Dr. Márcio: Nos dicionários modernos, diz-se que é a vida do casal, a integração de duas pessoas buscando uma vida em comum. Deveria ser, mas se atentarmos bem para a definição de conjugar, veremos que é a colocação dos tempos de um verbo ou de uma palavra declinável, no latim, dentro de formas imutáveis, rotineira, digna do bom falar, ou seja, dentro das regras. Sabemos que conjugal, é para muitos casais a vida sob o jugo de alguém.

RECANTO: O que leva às pessoas a se unirem numa vida conjugal?

Dr. Márcio: Em primeiro lugar os desejos sexuais, que deveriam ser precedidos do amor, que culminaria num sexo prazeroso. A vida de solteiro é muito boa, temos uma mãe e pai que nos cuidam e orientam, mas na realidade eles não podem suprir os nossos desejos sexuais. Não acho que na vida consigamos alguém que nos ame tanto, como os nossos pais; mesmo quando discordam da gente.

Depois vem o desejo de constituir uma família, afirmarmos a nossa capacidade de sermos respeitáveis cidadãos, brincar com, e ver crescer os filhos e depois os netos. Por fim, ter alguém que cuide de nós em nossa velhice, com amor e ajuda em nossa incapacidade.

RECANTO: Se o amor é a premissa básica do casamento, porque tantos casais vivem brigando, se desgastam tanto?

Dr. Márcio: Tanto o amor como o ódio, são percepções afetivas e situam-se na mesma linha de sentimentos. À medida que o casal crê não estar tendo correspondência no amor, surge uma decepção, que se transforma em mágoa, raiva e finalmente ódio. Até neste ponto, enquanto existir a comunicação truncada, seja por ofensas ou agressões, ainda está se exteriorizando o amor, mesmo ele não sendo retribuído condignamente. Pior que isto, é quando existe a indiferença total, nada mais interessa. Aí só deveria restar a separação, pois se vive com ou sem o outro. Apesar do outro é muito desgastante.

RECANTO: Qual dos dois é mais fácil de manter: amor ou ódio?

Dr. Márcio: Nenhum dos dois é fácil, mas o ódio flui sem dificuldades, embora destrua a pessoa, a torne amarga, sem prazer, com baixa auto-estima e susceptível a doenças, pelo grau de estresse que envolve. O amor exige entrega, cultivo, compreensão, prazer de partilhar, companheirismo e muito molho, para não se cair numa rotina estafante.

RECANTO: Existem pessoas que são muito diferentes e se dão bem. Outras, muito parecidas e brigam sem parar. Por que isto ocorre?

Dr. Márcio: O que determina as uniões, são os feromônios, odores peculiares, que não são perceptíveis conscientemente, mas são produzidos pela mistura heterogênea do ser, com seus gostos, desejos, frustrações, estado de sua auto-imagem, sua segurança ou não, seus medos e todas as qualificações que nos fazem peculiares. Estes feromônios, emitidos pela nossa pele, são captados por células olfativas especiais, situadas num pequeno orifício, perto dos ossos vômer e nasal, formando o órgão vômero-nasal. Ele capta estes odores, envia informações para o cérebro, que são decodificadas e nos mostram quem é quem. Se as informações se encaixam dentro das necessidades da pessoa, ela determina: "É com esse que eu vou!". Nem sempre isto é muito pacífico, pois as pessoas se unem, conforme suas conveniências: um seguro busca outro seguro, um inseguro busca outro, para ser dominado ou para dominar. Um "malucão", nunca vai buscar uma pessoa apática, exceto se quiser fazê-la de platéia, para suas extravagâncias.

Como estes odores não são decodificados conscientemente, muitas pessoas podem pegar o "bonde errado" e isto é muito comum.

RECANTO: Diante desta realidade, como se preparar para o "bonde certo?"

Dr. Márcio: As pessoas são muito fáceis de enganar-se. À medida que os pais deixam, pelo corre-corre da vida, de dizer o óbvio, que serve para preparar os filhos, eles começam a tiranizá-los, querendo coisas, passeios, roupas de grife, cabelos impecavelmente arrumados, rapazes parrudos, bonitos; moças com um corpo agradável, mas na maioria das vezes, com o computador de bordo com poucos programas. Muitos pais reclamam dos filhos, sua criação, chamando-os de tontos, mentirosos, sem caráter. Os filhos são um retrato da família, tenham escolas caras ou não.

É preciso estar atento a cada deixa do outro. Engolir mentiras, fazer sexo sem vontade, mostrar-se falsamente culto ou deixar que o outro se exiba, para não ficar para tio(a), é a pior prática.

Deveríamos assumir uma prática de não irmos deitar com grilos sem resolução. Não há necessidade de brigas ou imposições. Quem sabe o que fala e faz, sabe explicar como é feito, falado.

RECANTO: E para que a vida não caia neste vício, que é a rotina estagnante, o que deve ser ensinado aos jovens?

Dr. Márcio: Que cada pessoa tem uma personalidade. Um é azul, outro amarelo, outro vermelho e assim por diante. Existe uma cor de personalidade para cada pessoa; não existe duplicidade. Quando o amarelo encontra o azul e se unem, não deve surgir o verde, mas se a convivência é sadia, se existe compreensão e vontade de crescer, o azul aprende com o amarelo e fica azul mais puro, enquanto que o amarelo, crescendo, fica amarelo mais puro. Quando um se impõe sobre o outro, surge o verde desbotado, abestalhado, como dizem os nossos irmãos nordestinos.

A situação financeira é muitas vezes limitante das separações e muitas pessoas empurram um casamento, com o qual nada têm em comum.

O casamento, por tudo o que falamos, não é garantia de que existirá amor para sempre. As pessoas têm o direito de deixar de gostar uma das outras. Só que para que ocorra a separação, o acerto da decisão tem que ser muito conversado, com racionalidade, sem chantagens afetivas, sem o lançamento de culpas infindáveis. É preciso que se perceba, que mesmo dentro da razão e maturidade, os filhos, se existirem, terão o seu trauma. Se a situação resultante do desenlace for um eterno desentendimento, os filhos viverão um inferno desajustado, para sempre.

Na separação, é necessário ter em mente, que os filhos precisarão mais ainda dos pais.

Para não chegar a este ponto, só resta um caminho, o do diálogo franco, sem mágoas não resolvidas. Todo casal briga, até acertar seus pontos de equilíbrio. Como todos os animais, é como se estivessem demarcando o seu território. Que esta demarcação não seja feita na ordem hoje reinante: "seu direito termina, onde eu coloco o meu!".

RECANTO: Como vê a quantidade de uniões sem o casamento e ao mesmo tempo, porque continuam havendo tantos casamentos, na sociedade permissiva em que vivemos?

Dr.Márcio: As pesquisas científicas apontam para 3 a 7 anos, o máximo da duração de uma paixão. Dai em diante, se a base construída foi feita sobre respeito, compreensão, admiração às coisas positivas dos dois, passa a haver a camaradagem, os surtos de desejo, o sexo gostoso e a vida continua. Senão...

RECANTO: Como devem ser preparados os filhos, para errarem menos?

Dr. Márcio: Com o exemplo dos pais, ou realizando um encontro deles consigo mesmo, graças a uma psicoterapia bem feita. Milagres, a este respeito, nunca vimos.

Temos que parar de querermos ser o que não somos e a preparar-nos, para ser o que podemos fazer, aperfeiçoando sempre. Parar é enferrujar!

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