Edvaldo Santana: indústria, independência, relatos e pensamentos.
(Entrevista publicada no site www.armadilhapoetica.com)
Para quem não conhece, apresento-vos Edvaldo Santana! Natural de São Miguel Paulista/SP, formou o “Matéria Prima” na década de 70, grupo com o qual acompanhou Tom Zé; apresentou-se no programa Silvio Santos, Raul Gil, Fantástico e Record; tocou para 100 mil pessoas na vinda de João Paulo II; em carreira solo, tem parcerias com Paulo Leminski, Arnaldo Antunes e Haroldo de Campos; seus discos trazem participações de Bocato, Duo fel, Arnaldo Antunes, Osvaldinho do Acordeon, Fernando Deluque, Zélia Duncan, Lenine, entre muitos outros.
O quinto CD solo, “Reserva de Alegria”, é lançado em 2006, com patrocínio da Petrobras e distribuição da Tratore. Pela variedade musical, poesia marcante, por sua imensa experiência e vivência artística, convido-lhes a beber um pouco da fonte de Edvaldo Santana.
Marcelo D’Amico: Primeiramente, é um imenso prazer realizar esta entrevista, e confesso quão difícil foi descrever um pouco de sua carreira em apenas dois parágrafos. Pensando nisso e vendo o "Reserva de Alegria", que traz consigo um tom autobiográfico, gostaria de saber se existe uma biografia oficial, ou pelo menos um merecido projeto a respeito?
Edvaldo Santana: É sempre estimulante e um privilégio ter a oportunidade de dialogar com outras pessoas sobre a obra que desenvolvo. Quanto ao projeto biográfico não tenho conhecimento.
Marcelo D’Amico: Neste cenário de música independente, das velhas discussões sobre pirataria e indústria fonográfica, dos Sindicatos de Músicos, OMB, ABRAMUS, etc.: qual seu parecer geral a esse respeito?
Edvaldo Santana: Independência é a busca constante do mundo para o aprimoramento da obra e da pessoa. Tudo que tem apenas interesse mercadológico e vocifera verdade absoluta deixa de enxergar que a arte traz inteligência e sensibilidade. Vivemos um momento em que a produção de um álbum de música é sem dúvida muito mais acessível, nisso o avanço tecnológico é importante, porém continuam cada vez mais escassos os meios para o escoamento desta produção, diferentemente do que acontecia nos anos 60 e 70 onde a música ocupava espaço significativo dentro da formação da juventude e na mídia era possível encontrar um painel das diversas formas de criação da música popular brasileira. Desde 1978 quando o Matéria Prima lançou uma fita cassete em shows no meio universitário, que estou percorrendo um caminho quase sempre na contra mão das corporações, mas atento com os ensinamentos constantes de outros artistas e amigos, proporcionados por essa vida de cantor e de aprendiz. Agora, sobre as nossas entidades representativas elas apenas refletem o desinteresse da classe artística por assuntos referentes aos setores administrativos do seu trabalho.
Marcelo D’Amico: Você já pôde presenciar "manobras" da indústria fonográfica fabricando forçosamente "sucessos nacionais". Não é preciso citar nomes, mas como você enxerga estas "manobras" e o respectivo reflexo nos consumidores em geral?
Edvaldo Santana: Acredito que ninguém fabrique artista: ou você é ou não é. Um empresário faz negócios e ele só vai atrás daquilo que paga seu investimento. No Brasil temos uma música caipira forte que sempre sustentou gravadoras e suas cortes, assim como o samba e o forró que são manifestações culturais que estão na alma do povo, portanto haverá sempre público para essa música. A indústria da música e a mídia caminham juntas, são negócios que não experimentam nada, pegam o bonde andando, potencializam e ganham dinheiro. A arte é criação, tem outra dinâmica, precisa se movimentar, encurtar distâncias, travar conhecimentos, educa e dá moral, e esse seu comportamento libertário não está nos planos de marqueteiros acostumados a propagar o conceito de que “você é o que você tem, não o que você é”. Para mim os publicitários foram determinantes no processo de desvalorização da nossa música, transformando obras geniais em apenas fundo musical pra venderem cosméticos e outras cositas mais.
Marcelo D’Amico: De todos os discos solos, e também dos discos do Matéria Prima, quais o público pode encontrar? Onde e como?
Edvaldo Santana: Se você pesquisar na Internet, ”Edvaldo Santana” entre aspas, você encontra várias músicas de diversos álbuns. Agora os mais recentes, ”Amor de Periferia” e “Reserva de Alegria”, podem ser encontrados em lojas de discos e sites eletrônicos.
Marcelo D’Amico: Esta pergunta é uma curiosidade pessoal. A história que não vi, mas li, sobre o Flávio Cavalcanti quebrar um disco seu ao vivo, é verdadeira? Qual foi a sensação?
Edvaldo Santana: Isto foi 1976 no programa do Alfredo Borba no primeiro LP do “Matéria Prima”, onde o destaque foi a música, ”Maria Gasolina”, que a gente havia composto para as meninas que só saíam com os caras que tinham carro. Era uma cena programada, mas assim mesmo foi constrangedor. Serviu para divulgar e só pra isso.
Marcelo D’Amico: A vida artística não é fácil, mas para músicos-compositores existe a possibilidade de sobreviver fazendo shows. Mas especificamente para os poetas, você que conviveu com alguns dos melhores brasileiros, como sobreviver somente de poesia no Brasil de hoje?
Edvaldo Santana: Se você olhar do lado vai ver que tem muito mais gente sobrevivendo com grandes dificuldades. A vida é um risco e cada um sabe de si. Se motivar para viver é uma conquista que equilibra a dor e a alegria. Das centenas de cantores e compositores com trabalhos maravilhosos com quem convivi, sou um dos poucos que vivo inteiramente dedicado ao trabalho artístico, dou graças a Deus quando tenho trampo pra pagar as contas. O Leminski já dizia, ”Choramingando as minhas mágoas não vou a lugar algum”. Agradeço a oportunidade que estou tendo de poder potencializar as idéias que acredito e aguçar meus sentimentos, porém, “não tenho bola de cristal, nem quero ser o salvador, cada instrumento na banda tem o seu valor”.
Marcelo D’Amico: Quais são os novos projetos para 2008?
Edvaldo Santana: Agora estamos lançando o novo vídeo-clipe da música, ”Abelha e Pardal“, que é um blues do álbum, ”Reserva de Alegria”. A locação foi feita na região das pedras que fica entre Itu e Cabreúva. Quero dar continuidade a difusão da obra me apresentando pelo Brasil afora, encurtando as distâncias entre os conhecimentos, para que eu possa perceber os sinais e seguir aprimorando a estética da obra e os defeitos de ser humano... Talvez o projeto de gravar um álbum ao vivo seja realizado no próximo ano, pois é uma idéia que venho alimentando há algum tempo.
Marcelo D’Amico: Para finalizar, gostaria de agradecer mais uma vez pela entrevista, e pedir-lhe para deixar uma mensagem aos novos compositores que buscam espaço artístico.
Edvaldo Santana: Espero que esse papo tenha servido aos leitores que se interessam em conhecer o trabalho. Mais informações no site www.edvaldosantana.com.br . Quero que todos tenham muita saúde, coragem, humildade e inteligência, virtudes que são companheiras fundamentais em qualquer caminhada para que a gente possa agüentar a loucura dos nossos devaneios e desvios. O respeito por suas origens e pelos contemporâneos é sinal que pra viver é sempre cedo e Quem é que não quer ser feliz?