ENSINANDO POLÍTICA AOS POLÍTICOS

 

O jornalista Marcos Barbosa, fez uma entrevista com sua professora de filosofia à maneira clássica, Lúcia Helena, em curso oferecido pela Nova Acrópole. Após o primeiro nível do Curso, chegou a vez do aluno perguntar. Depois das provas, o discípulo questiona a mestra.

 

 

Marcos Barbosa — Professora Lúcia Helena, eu considero o curso de filosofia à maneira clássica da Nova Acrópole um exemplo a ser seguido por outras escolas e universidades. Mas não entendi por que a NOVA ACRÓPOLE ainda não lançou um curso de política à maneira Clássica.

Lúcia Helena — Nova Acrópole é uma Escola de Filosofia à Maneira Clássica e, se entendermos bem o que significa essa Filosofia, veremos que muitas coisas estão incluídas dentro dela, inclusive a política. Filosofia vem de Philos-sophos, ou seja, amor à Sabedoria, mas amor pelo que ela é, e não pelo status ou retorno financeiro que ela possa dar. Todo homem que, diante da vida, sente uma inquietude, uma necessidade de entender o sentido mais profundo das coisas, esse homem, embora não o saiba, está sendo um filósofo. É a filosofia despertando dentro dele, na forma de uma insatisfação diante das respostas que a sociedade dá para justificar a nossa presença no mundo e a necessidade de um sentido de vida mais profundo e consistente. Se esse homem não se deixa alienar pelo inconsciente coletivo, se não se esquece dessas suas questões e parte em busca de respostas, aí ele se torna um filósofo consciente da sua condição, um amante e buscador da sabedoria. E é evidente que a política, assim como tantas outras artes e ofícios exercidos pelo homem, insere-se dentro dessa Filosofia, sendo que um homem que está comprometido com a busca da sabedoria como sentido de vida tem uma forma toda peculiar de perceber as coisas, com muita coerência e profundidade.

Marcos Barbosa — Como poderíamos definir política à maneira clássica?

Lúcia Helena — A política vem de Polis, cidade, mas também está ligada ao radical poli-, que significa muitos. Nesse sentido, ela consiste exatamente na harmonia em meio à multiplicidade. O homem moderno possui um dogma, que diz que não é possível harmonizar um conjunto onde as unidades são diferentes entre si; assim, em busca dessa suposta “harmonia social”, massifica-se a sociedade, igualando a todos segundo padrões de moda, que vão desde a maneira como as pessoas se vestem até a forma como pensam e sentem e até sobre o que pensam e sentem, embora não haja uma consciência clara disso. O homem moderno, em sua grande maioria, não pensa, mas “é pensado” pelos modismos e valores do coletivo, e há um grande medo da individualidade; costumo dizer que o homem atual prefere ir para o abismo com a massa do que salvar-se sozinho. A Filosofia costuma aprender da observação da natureza; nesse caso, se observarmos, veremos que a natureza produz tudo o que é belo exatamente através da “harmonia por oposição”: combinando diferentes cores, temos uma bela paisagem; combinando diferentes sons, temos uma bela melodia. A beleza depende de que cada nota e cada cor seja o que é para que, combinadas, produzam um resultado harmônico e estético, ou seja, as diferenças não existem como fonte de oposição entre os seres, e sim de complementação. Assim, a postura política da filosofia consiste na busca da individualidade, porque necessitamos internamente dela e porque ela se mostra como o único caminho para a verdadeira harmonia social.

Marcos Barbosa — Platão defende a Aristocracia como forma ideal de governo. Como seria escolhido, na prática, um governante aristocrático à maneira clássica?

Lúcia Helena — Da mesma maneira que escolhemos um grande pintor, um grande compositor clássico ou um cientista brilhante: simplesmente não os escolhemos. Essa escolha é feita pela Natureza, segundo a necessidade profunda de experiência que cada ser humano possui e o nível de consciência que conquistou. Não imaginamos que, ao votarmos em fulano para ser o maior compositor da humanidade, graças apenas a isso, ele sairá compondo peças dignas de um Mozart. A Terra não se tornou plana porque os homens medievais acreditavam que ela fosse assim; as coisas são o que são, independente da opinião humana a respeito. O que a filosofia propõe é o desenvolvimento de um discernimento que permita ao homem perceber o que as coisas realmente são; mas isso presume uma mudança de valores muito profunda, onde o ser valha mais do que o ter, e onde ninguém queira desempenhar um papel que não lhe cabe dentro da sociedade simplesmente pelo status ou retorno financeiro que ele traz, sem levar em conta a sua realização e desenvolvimento como ser humano. Ou seja, a Filosofia trata muito diretamente da questão da conquista de um sentido de vida propriamente humano, que tem como meta a conquista de valores reais e não a posse ilusória de coisas que jamais serão realmente nossas; a partir daí, trabalhando com valores reais, podemos construir um conceito consistente e válido da política, que realmente promova o bem estar e a felicidade humana.

Marcos Barbosa — Se Platão e Sócrates ressuscitassem hoje como seria a reação deles diante das ideologias maniqueístas de esquerda e de direita ?

Lúcia Helena — Difícil prever a reação de um sábio desse porte, mas, a partir do conhecimento de suas idéias, eu diria que eles classificariam essas diferenças mais como geográficas do que como essenciais, ou seja, como toda referência geográfica, seriam apenas convenções ilusórias. Imagine o planeta Terra girando no Universo: onde fica a esquerda e a direita, o norte e o sul, oriente e ocidente, acima e abaixo? São meras convenções, que só têm sentido se você toma um ponto como referência, como, por exemplo, o Sol.

Assim, esquerdas e direitas só têm sentido se você toma como referencial o materialismo: ambas preocupam-se com o que o ser humano tem, e não com o que ele é. Pode-se argumentar que as condições materiais prévias é que permitem ao homem ser alguma coisa, e em alguma medida isso possui a sua verdade, mas não de maneira absoluta; há que se ver também a posição contrária: o que o homem é interiormente determina basicamente a maneira como ele vai relacionar-se com o mundo; não se muda as coisas “de fora para dentro”. Já dizia um filósofo que “...só os tolos vêem na matéria as causas da miséria material humana. A miséria material sempre teve e sempre terá suas origens na miséria espiritual”. Ou seja, a promoção de um sentido de vida nobre e altruísta, que desenvolva valores e virtudes elevados, dificilmente gerará miséria e injustiça material. Por outro lado, todas as medidas tomadas meramente no plano material para debelar a miséria, seja por esquerdas ou por direitas, têm resultado num grande fracasso histórico.

Marcos Barbosa — Costumo dizer que em relação à luta entre esquerda e direita, prefiro ficar na posição de franco atirador em cima do muro. Atiro meus argumentos contra aqueles que estiverem causando maior sofrimento ao povo. Mas quando eu não consigo uma posição de equilíbrio “acima do bem e do mal”, fico vulnerável e os inimigos do povo me atingem. Qual seria a avaliação deste comportamento político, num contexto de política clássica ou da aristocracia platônica?

Lúcia Helena — Essa posição “em cima do muro” pode ser interessante se considerada como um posicionamento da consciência num ponto mais elevado, a partir do qual se pode perceber as coisas de maneira mais equilibrada e não contaminada pelos interesses em jogo. Porém, um homem que possui uma verdadeira natureza filosófica e humanista, ou seja, movido por um sentimento verdadeiro de compaixão pela humanidade e pela necessidade de minimizar em algo o seu sofrimento, rapidamente perceberá que essa posição é pouco eficaz. Mais uma vez recorrendo a antigas máximas filosóficas, há uma que diz que “ ...a boa ação é aquela que atende a alguma necessidade, seja no mundo ou em si mesmo”, levando em consideração o que são as necessidades de um homem que busca a justiça e o bem. Lançar projéteis sobre grupos de interesse egoístas e manipuladores não os tornará menos egoístas ou manipuladores, mas apenas fará com que se protejam melhor e até que comecem a praticar “tiro ao alvo” no muro. Não vejo como essa atitude possa ser educativa; provoca medo, mas não extingüe o desejo, e este último sempre encontra outras vias para contornar o medo e chegar a sua satisfação. Educativo, para mim, seria descer do muro e viver como exemplo. Num mundo onde as palavras são tão mal utilizadas, ninguém suporta mais tanto bombardeio de palavras vazias. Mais do que nunca, em nossos dias, o verdadeiro ensinamento dá-se mediante o exemplo. Se tenho um comportamento íntegro e justo até o limite de minhas possibilidades, tendo como meta expandir, a cada dia, esse limite, aqueles que travam contato comigo terão a chance de comparar e perceber que há uma forma diferente de se viver, há outras alternativas para o ser humano que não a de ser “o lobo do próprio homem”. Esse conhecimento de uma nova forma de conduta diante da vida dá aos homens a possibilidade de escolha; já não são escravos de uma opção única, egoísta e predadora, mas conhecem outra alternativa e são livres para escolher. Não existe artilharia mais pesada contra os manipuladores do que formar os seres humanos para reconhecê-los. Ou seja, a saída é educativa e passa pela autoformação daquele que pretende educar, para que não corra o risco de se tornar um manipulador a mais.

Marcos Barbosa — É... a senhora tem razão. Eu vou descer do muro e transitar livremente entre a esquerda e a direita, sem me importar com estes rótulos. Mas... continuando a entrevista, Qual a sua formação acadêmica?

Lúcia Helena — Passei por alguns cursos universitários, mas não posso dizer que tenha recebido aí alguma “formação”, no sentido clássico da palavra, mas apenas informação. Recebi uma formação, que me permitiu, inclusive, direcionar todas essas informações de forma mais coerente e produtiva, dentro da Escola de Filosofia à Maneira Clássica Nova Acrópole, onde, sob um novo nome, apenas se retoma a antiga e sólida tradição da humanidade na busca de um conhecimento que seja vivencial, prático e capaz de qualificar o homem para a vida. As escolas de Filosofia, com os diferentes nomes que receberam ao longo da história, tiveram sempre essa preocupação, onde o formativo prima sobre o informativo, onde o aspecto vivencial prima sobre o meramente intelectual, pois o objetivo do conhecimento é a transmutação do homem em alguém melhor, mais pleno, capaz e realizado como ser humano, coisas que o intelectualismo por si só não é capaz de fazer. Não conheço diplomas universitários que sejam antídotos eficazes contra o medo, a debilidade, a corrupção de valores, a angústia e o vazio interior, que são alguns dos males de que padece o homem. Quem se disporia a emprestar um alto valor a alguém endossado apenas pelos diplomas universitários que essa pessoa possui ? Isso nos dá a segurança de que teremos o que é nosso de volta? E se, ao invés de diplomas universitários, essa pessoa pudesse provar que toda a sua vida foi pautada pela mais absoluta integridade e honestidade? Na prática, a Natureza vê os homens de forma muito semelhante, pelo que são, com base em suas vidas, e não pelos rótulos que utilizam. Se chamássemos um filósofo clássico até nossos dias e pedíssemos a ele que nos apontasse um sábio, será que necessariamente ele se voltaria para um intelectual carregado de diplomas? Essa mera consideração deveria nos servir para que pensássemos um pouco acerca dos nossos sistemas educativos modernos.

Marcos Barbosa — Por que desistiu do curso de filosofia?

Lúcia Helena — Felizmente, eu desisti apenas do curso, e não da Filosofia. Por todas as razões que expus acima, um jovem que busca a filosofia acadêmica cheio de inquietude e necessidade de respostas coerentes para o enigma da vida costuma se desapontar bastante ao se deparar com um sistema intelectual, mnemônico e muito pouco ou nada interessado na prática daquilo que se transmite. Um professor de ética, por exemplo, não se sente obrigado a ser ético nem se preocupa se os seus alunos o são; a ética é tomada como um objeto meramente intelectual, sem qualquer conexão com a vida. Esse tipo de postura, que costuma ser predominante no meio universitário, seria absurda para um filósofo clássico; “Só é útil o conhecimento que nos torna melhores”, diria Sócrates.

Marcos Barbosa — Professora e filósofa Lúcia Helena, se tiver mais alguma consideração importante, ou assunto que não tenha sido perguntado durante a entrevista, esteja à vontade.

Lúcia Helena — Por último, eu gostaria de deixar um convite, que funciona como um desafio irrecusável para aqueles cuja natureza é de filósofos: venham nos conhecer, sem qualquer compromisso; venham assistir a uma palestra de abertura do Curso de Filosofia ou a uma das palestras culturais que promovemos aos sábados, às 20 horas, com entrada franca. É uma oportunidade de conhecerem um pouco melhor a visão da Filosofia diante do homem e do mundo e, sintetizando com suas próprias visões, chegarem a compreender um pouco mais profundamente a vida e crescer como seres humanos em função disso; não há ambição mais própria de um filósofo !

 

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