Olá, como vai, meu bem?
- Olá, como vai, meu bem?
- Vou bem, seguindo o curso da vida sem muita correria. Vivendo mais a realidade e construindo novos sonhos.
- Poderia me falar mais sobre você e sobre essa realidade?
- Ainda não sei falar sobre mim. Estou tentando não me resumir aos meus diplomas nem a ocupação que levo na carteira. Mas o que posso dizer hoje, é que fui uma criança que ainda está em crescimento.
- O que essa criança vem descobrindo de si?
- Eu acho que ela gosta bastante de poesia, mas não daquelas com estrofes e métricas. Não só delas... Mas também ela gosta do som do vento quando balança as árvores, da chuva em dias de sol, pão com manteiga e café. Ela gosta da poesia da troca de olhares no silêncio, do beijo acompanhado de um abraço, do colo acompanhado de cafuné. Acho que ela tem se descoberto amor, apesar de tudo.
- Me fale mais desse amor?
- Ela gosta de ser cuidada. É estranho, porque ela descobriu isso recentemente. Ela gosta de cuidado, embora seja difícil. Gosta do compromisso com a felicidade, dela e dos outros. Gosta da responsabilidade com as palavras e com a escuta. Gosta do respeito às suas emoções e às dos outros. Tenta confiar em si mesma como digna de ser amada.
- Poderíamos dizer que você é amor, então?
- Não sei. Essa criança também tem descoberto muita raiva e não tem sido muito poético. Ela responde o desamor do outro com gritos e também aprendeu a ferir quando é ferida, embora evite por lhe causa muita dor. Ela sente estar sem paciência para... O desamor? Anda machucada e pensando em várias práticas de desamor quando é recebida com ódio ou indiferença. Ela quer ser ouvida, vista, querida, cuidada, como faz com os outros.
- Bem... acho que você é amor então...
- Por que? Tenho pensado em machucar as pessoas.
- Por serem incapazes de amar. Seus gritos acompanham reinvindicações de amor. Sua raiva vem pela falta do amor. Sua dor vem pela esquiva do amor. Seu desejo é por amor, porque é onde se faz completa. E imagino que veja isso nos outros também. Você tenta preencher o mundo com amor, porque no fim é o que falta e notar essa falta é revisitar feridas que buscamos esquecer. O que você aponta nos outros quando diz feri-los?
- A falta do sensível. Minha criança não entende a desconstrução do sensível, embora ela seja socióloga. As máquinas do Estado não deveriam podar tanto nossa humanidade. Talvez eu esteja lhes apontado o quanto são humanos, apesar de tudo. As pessoas são mais que suas rotinas, que suas olheiras, que seu cansaço. Sei que elas podem ser sonhos e isso machuca quando verbalizado.
- Além do amor, você poderia se definir como sonho?
- Não tenho ousado tanto. Sonhar é uma ousadia e minha adulta não se permite tanto.
- O que sua criança costumava sonhar?
- Pra ser sincera? Não lembro se ela também sonhava. Perguntavam o que ela queria ser quando crescesse e ela pensava que já era alguma coisa. Penso que a pedagogia lhe impossibilitou de sonhar ao lhe desconsiderar como pessoa antes da maioridade. Sonhos sempre foram forjados em diplomas, titulações, ocupações. E ninguém lembra que já somos algo sem um currículo.
- E se tivessem perguntado a essa criança qual realidade ela gostaria de viver no futuro. O que ela responderia?
- A do presente. Porque acho que além de amor, eu também sou meu presente. E isso tem sido meu maior sonho.