O poeta não morreu...

Poeta Tony Roberson de Mello Rodrigues volta à cena da literatura brasileira após 20 anos de silêncio literário

 

Por Cruz Delfino (*), em 20 jan. 2024.

 

Alfabetizado aos três, ele iniciou sua trajetória literária entre nove e doze anos. Hoje com 43 anos, contabiliza 20 anos de silêncio literário e 34 de histórias para contar - ainda que seus 4 livros já publicados sejam de poesia. Estamos falando de Tony Roberson de Mello Rodrigues, escritor nascido em Paranaguá (PR) e residente em São José (SC) desde seus 14 anos. A entrevista a seguir é extensa, por isso foi dividida em subtópicos.

 

Os primeiros versos

 

Nascido em Paranaguá (PR) e morando em São José desde os 14 anos, o poeta Tony Roberson de Mello Rodrigues nutre desde muito cedo um amor gigante pela leitura e a escrita: alfabetizado pelos pais em casa aos três anos, entre nove e doze anos começou a escrever os primeiros poemas, motivado por uma paixão platônica por uma colega de classe.

 

— Ela tinha a caligrafia diferente, toda trabalhada, então, apaixonado por ela, comecei a copiar a caligrafia dela e, como ela escrevia poesias, eu passei a me interessar por poemas, daquelas trovinhas de amor do tipo “O beijo dado no rosto/ rola, rola, cai no chão./ O beijo dado na boca/ vai parar no coração” – diz o poeta, hoje com 43 anos, 4 livros publicados de forma independente, que ainda guarda o caderno de poesias da pré-adolescência, como podemos ver nesta reprodução:

 

Fonte: Acervo pessoal do poeta.

 

Tony pede que não deem importância aos erros de Português no poema. A caligrafia copiada da colega de classe é possível observar nos títulos dos poemas. No poema “Naqueles tempos” o poeta de hoje chama a atenção para o fato de que o poeta daquela época (então com idade entre 9 e 12 anos) já era saudosista de um tempo ainda mais deslocado no tempo, ali por volta de seus 7 anos, quando a família morava com todos os membros juntos.

 

— O poema fala em ciranda, cinema aos domingos, o quintal etc., mas relendo o poema hoje, lembro que o que senti de saudosismo ao escrevê-lo era em relação a uma vida anterior à separação de meus pais e o afastamento dos dois irmãos menores, em 1990, quando perdemos nossa casa em um incêndio criminoso e, dois meses depois, meus pais se separaram, minha mãe foi do Paraná para Santa Catarina com meus dois irmãos menores e eu e minha irmã Prescila, os dois maiores, ficamos com nosso pai. Só depois de quatro ou cinco anos de lutas nos procurando em Paranaguá é que nossa mãe nos encontrou e, em questão de dias, voltamos a morar com ela e meus irmãos menores em São José (SC), onde eu e minha mãe residimos ainda hoje, como vizinhos de Prescila, seu esposo e seu filho.

 

Leitor voraz da coleção Vaga-Lume

 

Morando em São José e cursando a 8ª série lá no ano de 1995, todos os professores da escola municipal Américo Vespúcio Prates sabiam que o jovem amava escrever, então de vez em quando pediam para ele escrever seus poemas de forma bem bonita em cartolinas e expor no corredor da escola, ou então ele escrevia roteiros improvisados de locução imitando rádio, escondia-se atrás de duas carteiras e se apresentava nas salas para divertir os colegas. Ele também lembra que, nessa escola, em cada recreio, “devorava” um livro da Série Vaga-lume, inclusive o primeiro deles que leu também não esquece:

 

— Foi um chamado “Sozinha no mundo”... e também lembro que adorava os livros do Marcos Rey. Vivi inclusive um episódio tragicômico com esse autor. Certa vez, pesquisei por ele e achei um site, e-mail para contato e uma foto dele bem sorridente, então rapidamente mandei um e-mail dizendo que era superfã dele e que esperava me encontrar com ele em breve. Poucos dias depois, quando descobri que ele havia morrido há algum tempo já, tive que rir do que havia dito no e-mail.

 

O 2º grau técnico na ETFSC e a publicação do 1º livro

 

Tony conta que, após concluir a 8ª série, seu padrasto à época queria que ele prestasse certo exame de segundo grau para entrar na então Escola Técnica Federal de Santa Catarina (ETFSC, hoje IFSC), polo de São José, para o curso de Técnico em Ar-Condicionado. O jovem não estava muito certo se era isso que queria fazer, e quando soube que a maioria de seus amigos prestaria o exame para o polo de Florianópolis, para depois tentar o curso Técnico em Eletrônica, foi pelo mesmo caminho:

 

— Para mim, mais importava manter as amizades recém-conquistadas depois que cheguei em Santa Catarina do que passar no exame para estudar um curso que para mim não dizia nada naquele momento.

 

O poeta nos conta que, pelos caminhos que sua vida tomou, acredita que esta foi a melhor decisão de sua vida, porque, desde que entrou em 1996 na ETFSC de Florianópolis até 1999, quando concluiu o curso Técnico em Eletrônica, ele escreveu para o jornal da ETFSC (comandado na época pelo professor Alcides Vieira), escreveu uma peça de teatro para o grupo teatral Boca de Siri encenar (inclusive o crítico de arte e professor Osmar Pisani, na época, fez parte da encenação dessa pequena peça, que era uma homenagem ao poeta Lindolf Bell), participou de (e ganhou) concursos literários da ETFSC, publicou poemas seus numa antologia da ETFSC, na agenda da ETFSC (quando já era CEFETSC), e lançou em 1998, ano em que Saramago ganhou o Nobel em Literatura, seu primeiro livro, chamado Lágrimas Lapidadas, cuja capa reproduzimos:

 

Fonte: Acervo pessoal do poeta.

 

Desse primeiro livro foram feitos apenas 190 exemplares, e tanto o incentivo para publicação como a correção do livro ocorreram graças à intervenção das professoras de Português da ETFSC, especialmente a professora Noêmia Brandt Brall, a quem o escritor diz dever grande parte do seu querer ser escritor:

 

— A professora Noêmia, todos os outros professores de Português e até alguns professores do curso de Eletrônica, como o Prof. Mussoi, foram fundamentais para eu acreditar em mim, que eu era capaz de muitas coisas.

 

No primeiro livro, o poeta publicou várias poesias, aforismos e algumas crônicas. Reproduzimos aqui um dos poemas compilados:

 

E mais um dia se passou

 

Um avião perturba o silêncio do céu.

Um menestrel declama sua nova toada.

Mamãe se irrita com a janela quebrada.

Um poeta se inspira sobre o papel...

 

Um casal se prepara para a lua de mel.

A vizinha se zanga com a molecada.

A garoa que cai vai virando enxurrada.

Um soldado conversa com seu coronel.

 

Um sorriso, uma praça...

Um canário voou.

Mais um chá foi servido,

Um portão consertado,

Um contrato assinado.

Um aluno passou.

 

É a vida lá fora de forma diversa.

É o dia que acaba ao nascer de outro dia.

É o dia que apressa!

É o dia, sem pressa.

 

O 2º livro e a entrada no Grupo de Poetas Livres

 

Em 1999, com uma colega da ETFSC, Rodrigues lançou o livro “Jovens Poetas da ETFSC” na Bienal do Cone Sul, no Shopping Beiramar, em Florianópolis. Ele conta que não lembra quantos exemplares foram feitos, mas o livreto teve boa aceitação e, ainda nesse ano, entrou para o Grupo de Poetas Livres, de Florianópolis, que possuía o projeto Viajando com Poesia, pelo qual poemas dos poetas do Grupo eram afixados nas vidraças dos ônibus de Florianópolis. Reproduzimos dessa época um de seus poemas publicados no projeto:

 

Fonte: Acervo pessoal do poeta.

 

O Grupo publicava periodicamente uma antologia de contos, crônicas e poesias e, em 2000, Tony participou da segunda antologia com alguns poemas e uma pequena crônica. Reproduzimos aqui a capa da antologia e um dos poemas do autor para essa obra:

 

Fonte: Acervo pessoal do poeta.

 

Fonte: Acervo pessoal do poeta.

 

— Nesse poema eu tentei fazer algo diferente, então fui escrevendo os versos e adaptando a pontuação para que o leitor, ao ler o soneto do primeiro ao último verso, pode inverter a ordem dos versos e ler novamente o soneto que ele continua possuindo sentido. Isso também tem a ver com a pergunta que faço no título do soneto: Há sentido no amor? Achei interessante essa experiência de escrita e ainda não vi nenhum soneto que permita fazer essa inversão como eu fiz. Deve haver algum outro já publicado dessa forma, claro, mas não conheço.

 

Antonieta de Barros: o concurso literário, a pesquisa estatística e o livro biográfico

 

Continuando o passeio pelas memórias da carreira literária, o poeta se lembra da vez em que quis participar de um concurso literário da Fundação Franklin Cascaes, de Florianópolis, em homenagem ao centenário de nascimento da escritora, mulher, negra, política, jornalista e educadora catarinense Antonieta de Barros (1901-1952):

 

Fonte: Acervo pessoal do poeta.

 

Para participar do concurso, o poeta pesquisou primeiramente a vida e obra de Antonieta em jornais, internet, livros, e escreveu cinco poemas extensos em ordem cronológica e de forma que, se a comissão julgadora selecionasse pelo menos 1 poema, o leitor veria ali um começo, meio e fim, mas, se a comissão selecionasse dois ou mais poemas, cada poema contaria uma fase da vida e obra de Antonieta, como este trecho inicial do primeiro poema da sequência, que conta sobre o nascimento de Antonieta:

 

Fonte: Acervo pessoal do poeta.

 

Para surpresa do autor, os cinco poemas inscritos foram selecionados:

 

— Realmente foi uma surpresa muito grande, e mais surpreso fiquei esses dias com uma coincidência curiosa: passados 22 anos desse concurso, em 2023 eu iniciei na UFSC – em parceria com a pesquisadora Verônica Cúrcio – uma pesquisa estatística sobre a obra Farrapos de Ideias, de Antonieta, que agora entrou em domínio público. Ocorre que, para fazer a pesquisa, procurei livros que contassem mais sobre a vida de Antonieta e suas obras literárias (e não literárias), quando encontrei um livro riquíssimo escrito em 2021 e de autoria da pesquisadora Jeruse Romão justamente sobre a vida e obra de Antonieta. Ocorre que, estou eu folheando o livro quando vi o trecho de um de meus poemas, daqueles que eu havia escrito para o concurso de 2001. No livro de Jeruse a autora – que fazia parte da comissão julgadora do concurso à época - diz que, por meio de um trecho do poema em que falo sobre um irmão de Antonieta, ela decidiu pesquisar mais sobre o paradeiro desse irmão da catarinense. Para mim essa série de coincidências foi incrível.

 

A publicação do 3º livro

   

Em 2003, após premiação em vários concursos literários brasileiros, o autor relembra que já estava cursando Letras (Alemão) na UFSC à noite e trabalhando como documentador técnico na área de Telecomunicações. Redigir manuais técnicos explicando como os softwares da empresa funcionavam foi inclusive uma profissão que desenvolveu por seis anos com muita paixão e dedicação, todo ano era premiado pelas ideias que sugeria para produtos e processos da empresa. Ocorre, entretanto, que nessa época estava passando por problemas familiares, financeiros e, para piorar, seu pai havia falecido de forma repentina e o escritor sentiu demais a perda. Nesse momento, colegas do serviço e da universidade o ajudaram a levantar recursos financeiros e a publicar mil exemplares de um terceiro livro, que Tony intitulou de “verso que te quero povo”, cuja capa e contracapa – que ele mesmo criou com uma foto de infância – reproduzimos:

 

Fonte: Acervo pessoal do poeta.

 

Fonte: Acervo pessoal do poeta.

 

2003/2023: 20 anos de silêncio literário e a volta com um 4º livro

 

A partir daí, o poeta não sabe se pela perda do pai, foi como se a torneira da inspiração tivesse secado:

 

— Se antes eu escrevia compulsivamente no meio das aulas, durante o almoço, antes de dormir, ao levantar-me, agora eu forçava a concentração mas não me surgia na ideia uma única linha para borrar a folha em branco. O dom não sumiu na verdade de todo, mas eu diria que uns 99%. O 1% que insistia em se fazer vivo e atuante eu publicava de forma tímida no site Recanto das Letras, onde publico até hoje muitas de minhas composições, mas fora isso nada mais. E assim fiquei em silêncio, por 20 anos.

 

Mas verdade seja dita: em 2000 o poeta iniciara, juntamente ao ofício de redator de manuais técnicos, também o de revisor de textos, que foi outra paixão em sua vida, a qual exerce até hoje – Se você precisa, o Tony revisa! –, assim o escritor crê que a profissão de revisor foi o que preencheu sua vida nesses 20 anos de silêncio literário. E, se a perda do pai o calou por 20 anos, a quase perda da mãe parece tê-lo despertado novamente para o fazer poético:

 

— Em 2022, quase perdi minha mãe algumas vezes, o que me abalou muito emocionalmente e fisicamente. Como eu já estava tratando uma bipolaridade (herdada geneticamente do pai) e um Transtorno de Ansiedade Generalizada desde 2007, a possibilidade de perder minha mãe me jogou em depressão e, em novembro, não sei se porque devido a essa carga emocional toda, comecei a ficar muitas noites sem dormir, ou a acordar de madrugada, e a inspiração poética começou a jorrar novamente, foi então que comecei a escrever novamente – e novamente de forma compulsiva – muitos poemas, a maioria sonetos, sobre minha luta contra a depressão, a bipolaridade, a ansiedade, a dor, e em março de 2023 eu já tinha escrito tanta coisa que decidi: pronto, agora tenho material suficiente para um novo livro!

 

Foi assim que nasceu o livro “Poeta em crise”, lançado também de forma independente – a exemplo de todos os seus livros até agora – primeiramente em e-book, pela Amazon, e agora em formato físico na quantidade inicial de 200 exemplares. Aproveitamos aqui para reproduzir sua capa física – a capa da versão em e-book é um pouco diferente:

 

Fonte: Acervo pessoal do poeta.

 

Reproduzimos aqui também o trecho inicial do poema Abertura à Primavera:

 

Fonte: Acervo pessoal do poeta.

 

Sobre a vaquinha online
 

Para fazer os 200 exemplares físicos do livro, o poeta cadastrou uma vaquinha e, mesmo tendo atingido apenas 10% da meta, conta que deu um jeito de custear ele mesmo a impressão, agora a vaquinha continua online, no endereço: https://www.vakinha.com.br/4323787, para conseguir o retorno de pelo menos uma parte do investimento feito.

 

Como adqurir exemplares de "Poeta em crise"

 

O livro contém 105 páginas com 55 belíssimos poemas, em sua maioria mostrando as dores, lutas e superações pelas quais passei. Cada exemplar físico está sendo comercializado por apenas R$35,00 (já incluso o frete dos Correios) e pode ser adquirido fazendo um pix pela chave tonyrevisor@gmail.com e mandando a solicitação por este e-mail ou pelo WhatsApp 48 99629-3305. A versão em e-book está disponível para venda na Amazon a um preço promocional de R$20,00, no link: https://www.amazon.com.br/dp/B0C9P4HF9W.

 

A virada de chave com "Poeta em crise" e os novos desafios

 

Tony diz que, após publicar “Poeta em crise”, em março de 2023, não parou de escrever, apenas optou por divulgar seus poemas apenas no Recanto das Letras, no seu Facebook e no seu Instagram @tonyrevisor. Dessa maneira, recentemente decidiu participar de um concurso literário que aceitava textos não inéditos, desde que só tivessem sido publicados em redes sociais, ou seja, não tivessem sido impressos ainda, aí começou a compilar tudo que havia escrito de março de 2023 para cá e, para seu espanto, a compilação rendeu para futura publicação 1 livro de poemas curtos, 2 livros de poemas longos, 1 livro de prosa e 1 livro bem recheado só de sonetos.

 

Com a corda toda, o autor diz que “Poeta em crise” foi uma virada de chave em sua abordagem literária sobre a vida, pois, passada a pior fase da depressão, o autor enxerga agora novas possibilidades de temas a tratar: humor, erotismo, meio ambiente, política, infância, as possibilidades são muitas, e ele finaliza afirmando que possui alguns sonhos como escritor para realizar em breve: um livro de crônicas, um livro de contos, um romance e, coroando a carreira, livros infantojuvenis de poesia, pois para ele – e usando palavras de um colega das Letras – escrever para crianças e jovens é o “suprassumo” literário.

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(*) Cruz Delfino é o principal pseudônimo utilizado por Tony Roberson de Mello Rodrigues em concursos literários nacionais e internacionais, e simboliza a união dos nomes de dois grandiosos poetas catarinenses: Luís Delfino e Cruz e Souza.