Dalton: 59 - A amnésia da verdade
- Dalton..., qual é o maior esquecimento humano?
- Eu diria que é o esquecimento que temos em relação à verdade.
- Hã?! Como assim?!
- Temos vontade de verdade. Corremos atrás dela como um animal faminto. Temos sede de verdade. Temos até ciência da verdade. Procuramos a verdade até nos céus dos deuses. Queremos a verdade o tempo todo e temos fé que ela será encontrada ou revelada.
- Mas isso não é importante? Buscar a verdade; ir ao encontro dela ou mesmo ter a revelação sobre ela?
- É aí onde se encontra o problema da verdade. É dessa perda da memória, da amnésia, do esquecimento que temos em relação à ela.
- Ainda não entendi?!
- Quando falamos da verdade é como se ela fosse um objeto, algo palpável, que pode ser encontrada ou que pode ser revelada seja pela ciência, seja pela metafísica racional e religiosa, ou qualquer outra área do conhecimento humano.
- Então como a verdade deve ser compreendida?
- Como tudo que foi criado pelo ser humano, a verdade também é uma invenção. A verdade é uma convenção, um acordo, uma criação humana como tudo neste mundo da linguagem dos signos.
- Mas se a verdade for entendida como uma invenção ou criação humana não se tornará uma mentira?
- Um avião é uma mentira?
- Claro que não.
- Ele é uma invenção que tem credibilidade?
- Sim.
- Ele é uma invenção humana?
- Claro que é.
- Então porque em relação a verdade não se pode tê-la como uma invenção humana com credibilidade?
- Mas é diferente?!
- Por que seria diferente? A linguagem da engenharia aeronáutica é complexa e está sempre sendo revisada e estabelecendo novos acordos e convenções visando a segurança desta invenção.
- Mas com a verdade pode fazer a mesma coisa?
- Não só pode como é feito. A "verdade" é um signo complexo da linguagem humana que exige acordos e convenções visando o entendimento desta invenção em qualquer área do saber. O interessante é que quando se trata da "engenharia" aeronáutica ou de outras engenharias não esquecemos que são invenções humanas, mas quando se trata da "verdade" em outras áreas do saber humano esquecemos disso. Uma espécie amnésia, um colapso de esquecimento toma conta de nós em relação à ela.
- Mas para a "verdade" religiosa está compreensão de verdade criada ou inventada a partir de acordos e convenções também tem validade?
- Por que não valeria?
- Porque é uma "verdade" baseada na fé!
- E a fé na "verdade" religiosa sempre foi a mesma na história humana?
- Não, já tivemos inúmeras religiões no passado e continuamos a ter no nosso tempo presente.
- Então os acordos e convenções em relação a fé da "verdade" das religiões não vem se modificando na história humana?
- Nossa! É mesmo! Todas as religiões têm o seu argumento de fé na verdade que professam!
- E estes argumentos de fé na verdade, não são os mesmos na própria história das religiões; elas estão sempre criando ou inventando novos acordos e convenções sobre o que vem a ser "verdade" de fé.
- É mesmo! Como você chegou à esta perspectiva de que a "verdade" é um acordo ou uma convenção criada pelo seres humanos no tempo, mas que acaba caindo no crepúsculo do esquecimento?
- Não fui eu. Foi o filósofo Nietzsche. Ele afirmava que a "verdade" seria o último crepúsculo dos ídolos. O martelo de Nietzsche procurou destruir a ideia de uma verdade como essência eterna e universal. Deixou as filosofias, as religiões e as ciências órfão da verdade.
- Entendi.