Entrevista com Alexandre Soares Ribeiro, autor do mangá 10º Símbolo

1) A internet ofereceu ferramentas para que quadrinistas independentes pudessem mostrar o seu trabalho. Para além de uma vitrine, se tornou também um espaço de venda e distribuição das obras. Como você encara a relação entre o espaço virtual e os quadrinhos autorais?

AR – Em primeiro lugar, muito grato pela oportunidade de falar sobre o tema de quadrinhos independentes. Quanto à pergunta, acredito que se por um lado é um excelente momento para inúmeros artistas procurarem o seu público, e é bastante interessante a exposição de obras criativas bem diferentes, por outro lado, o mundo das HQs independentes é bastante complicado, pois a maioria dos artistas não consegue viver apenas de sua arte, mas isso é apenas mais um desafio a ser transposto e considero que isso serve de estimulo para filtrar obras e autores que realmente desejam ter a determinação de persistir. Com isso em mente, mais cedo ou mais tarde, aqueles que forem disciplinados e tiverem um bom conteúdo penso que irão se destacar de forma digna e justa, apesar de todos os obstáculos.

Assim, o espaço virtual torna-se uma grande ferramenta, porém, exige uma certa dedicação e estudo para que autores possam tirar todo o proveito de forma útil para conseguirem o engajamento do público que buscam. É uma tarefa contínua e sempre em evolução, pois o autor tem que pensar em muitas formas de tornar o seu trabalho interessante, devido à grande variedade de outros materiais e possibilidades, mas creio que pode haver espaço para todos aqueles que trabalharem com afinco.

2) O desenho é uma das primeiras formas de comunicação de um ser humano. Você começou a produzir na adolescência. Qual o papel que o hábito do desenho desempenha na sua vida cotidiana?

AR – Na verdade, desde mais tenra idade, o desenho para mim era algo mais do que uma brincadeira. Sempre dedicava mais tempo para o desenho do que uma criança comumente faria. O desenho era mais do que um espaço dedicado a exercício da imaginação como brincadeira, sempre senti que era um momento de criação e reflexão para elaborar mundos e ideias que só existiam e tinham muita importância em minha mente. Na adolescência, isso se ampliou e foi se tornando cada vez mais meu foco. Não só criava personagens, pensava na história de cada um, em seus detalhes, era como dar vida sem limites a algo desconhecido, mas que também deveria soar familiar como meio de comunicação e expressão diante das outras pessoas. O desenho no meu dia a dia é um modo de deixar a minha consciência sempre ativa e lúcida, trabalhando continuamente como um meio de me reconhecer, compreender meu valor como pessoa e procurar meu próprio jeito de me expressar perante o mundo a minha volta.

3) Além de quadrinista, você trabalha no mercado publicitário desenvolvendo vários trabalhos. Nos conte um pouco como é o cenário para os ilustradores nessa área de atuação?

AR – É bastante interessante sua pergunta, pois ela pode ter as mais variadas respostas devido as nuances do próprio mercado e dos clientes que possuem variadas formas de ver o profissional de desenho. Dentro da minha experiência pessoal, já passei por todos os tipos de situações, desde trabalhos onde a minha aptidão com desenho era extremamente valiosa para o cliente, bem como para outros, era um mero meio para atingir um fim específico, um pouco mais que um chamariz interessante, mas que o próprio cliente acabava vendo com um certo descaso. Então, o mercado é bastante complexo, pois até conseguir compreender onde estão e quem são os bons clientes e oportunidades, é necessária uma certa “intuição”, por assim dizer, para compreender tanto as necessidades do mercado, como o tipo de cliente com o qual se está lidando, bem como o tipo de projeto que será proposto. Apesar de na maioria do tempo, o desenho em nosso país não ser algo valorizado como deveria, há sim profissionais e clientes engajados que compreendem o valor tanto artístico, quanto comercial que a arte da ilustração possui, pois existe um o toque singular e imensamente ilimitado que o desenho pode dar a qualquer projeto devido a como cada profissional tem um jeito único de se expressar. Assim, aliado a uma boa técnica, projetos, produtos ou ideias que acabariam passando despercebidos podem realmente se destacar de forma relevante através da ilustração, ajudando não somente a somar valor para o cliente, como também reforçar a importância dos profissionais dessa área como um todo.

4) Nas décadas de 1960-1970, o Brasil possuía um mercado de publicação de obras em estilo mangá. Eram publicados pela Editora Edrel. Ao longo dos anos, perseguição política e crises econômicas acabaram minando a construção de um mercado de quadrinhos nacionais, no sentido amplo. Como você analisa a interferência dos aspectos econômicos e políticos na produção de quadrinhos?

AR – Dentro dessa questão, o que vejo como ponto mais importante é que em toda a crise, seja ela de cunho social, político ou econômico toda a forma de expressão cultural é a primeira a sofrer, mas também a primeira a se fortalecer na tentativa de sobreviver àquilo que tenta minar o avanço de ideias e a evolução da consciência sobre como a sociedade está lidando com aquele momento específico. Apesar de não termos um mercado realmente próspero completamente estabelecido, fico surpreso com a capacidade e a determinação de artistas e simpatizantes da nona arte em sempre buscarem novos meios de continuar dando um passo adiante. O povo brasileiro é um povo extremamente criativo, devido a sua grande diversidade cultural, e por este mesmo motivo, creio que acabamos nos reinventando a cada dificuldade que encontramos. No mercado americano, por exemplo, ao mesmo tempo em que um artista de HQ pode se tornar altamente reconhecido, o mesmo não tem às vezes tanta liberdade para fazer completamente tudo o que quiser, pois muitas vezes está preso a uma cartilha comercial e a contratos que não permitem certas experimentações. No mercado japonês de mangá, ao mesmo tempo em que um artista pode atingir um grau elevado de reconhecimento, o mesmo também pode ficar extremamente preso a sua obra ou ao seu trabalho, e isso pode gerar um alto nível de tensão, tanto de cunho comercial como pessoal, pois conheço casos em que o mercado editorial japonês é tão pesado, que um artista praticamente não possui dias de folga, apenas algumas horas em determinados dias. Isso torna aquele mercado extremamente denso, culturalmente falando, com uma grande pressão produtiva. Então, no Brasil, apesar de todas as dificuldades, a nossa diversidade e informalidade nos propícia inventar meios diferentes de trabalhar com quadrinhos como em nenhum outro lugar. Podemos abordar quase qualquer tema da forma que quisermos, dentro de um bom senso é claro. Sinceramente falando, não sou lá muito fã de um mercado altamente formalizado, pois se pelo aspecto mais profissional é interessante uma base de sustento fechada, para outros acaba se perdendo a oportunidade para o espaço de novas ideias e formatos de trabalho. Não há grandes investimentos formais em todo o tipo de ideias e fica-se preso à coisas, como a Turma da Mônica (que é um excelente trabalho, mas que praticamente não tem nenhum concorrente a sua altura. Por este motivo é que gosto tanto do trabalho independente, pois cada artista dependerá do seu nível de competência, empenho e engajamento com seu próprio projeto para se destacar de alguma forma. Então, vejo que mesmo não tendo um mercado mais formal que poderia dar mais estabilidade a inúmeros profissionais de ilustração, talvez ficássemos presos a situações em que a diversidade seria mais restrita. É na dificuldade que vejo como podemos ser criativos e diferentes, possuindo uma pluralidade que não existe tanto em outros lugares do mundo. Então, mesmo quando passamos por crises que interferem na produção de quadrinhos, sinto que temos capacidade de sobra para inventar outros meios de sobrevivência da cultura das HQs em nosso país. O ponto-chave é o engajamento, e toda a forma de arte sempre lutou contra tudo que a pudesse barrar de qualquer forma. Então, mesmo que existam interferências e problemas pelo caminho, a nossa diversidade é a nossa maior força, fazendo com que muitos artistas continuem empenhados em criar novas formas de estabelecer meios de produção e comunicação realmente singulares. Isso ajuda a dar força a nossa diversidade cultural e a busca da resolução dos problemas que os artistas e profissionais envolvidos com HQ no Brasil enfrentam. Nosso mercado sobrevive com muita dificuldade, mas sobrevive como nenhum outro poderia, pois quanto mais diversidade de meios de perseverança, mais chances teremos de que uma semente vingue e menos limitações para sua evolução na busca de formas para continuarmos seguindo em frente.

5) Em 2020, as sucessivas crises políticas e econômicas já deixavam o mercado editorial em alerta. Somado isso a uma pandemia e greve dos Correios, nos parece que as pessoas voltaram a redescobrir o prazer de ler em seu isolamento social. Um quadrinista independente pode se aproveitar desse momento para viabilizar suas publicações e quais ferramentas ele pode usar para difundir a sua obra?

AR – Realmente, apesar das complicações sociais geradas pelo isolamento social, existe uma janela de possibilidades diferenciada. Dependendo de como era o posicionamento editorial de uma determinada empresa ou de um autor independente, o momento pode ser propício para alguns e danoso para outros. Explico: aquele mercado editorial que já era mais virtual, e que se voltava para um foco em vendas on-line, ou que tinha ao menos uma boa parcela de sua produção destinada a esse mercado, acabou por ter uma grande vantagem. Atualmente, tenho feito alguns trabalhos free-lancer sobre demanda para uma editora focada em livros infantis e de saúde mental para adultos do Sul do país, que já tinha um bom foco em vendas on-line e com a situação a qual estamos vivenciando, suas vendas dispararam, como nunca antes, trazendo um excelente momento para a ampliação e ainda mais foco na produção para as vendas virtuais. Isso mostra que é necessário compreender as ferramentas disponíveis, estudando e compreendo-as para que possam ser usadas da melhor forma possível, dentro dos objetivos que se busca, seja na abordagem de uma empresa ou um autor independente. Creio que neste sentido, autores independentes já tem uma pequena vantagem, pois muitos já utilizavam as redes sociais para estabelecer o seu espaço. E com essa parada brusca de uma grande parte da população, onde a rotina foi desacelerada ou alterada por completo, o meio virtual que já é tão presente em nossas vidas se tornou a nossa forma mais intensa de interação com as pessoas e com o mundo, abrindo também espaço de tempo para novas buscas virtuais, às quais não se teriam tanta disponibilidade anteriormente. Creio que para os quadrinistas é um momento no mínimo diferente de tudo, pois se houver um trabalho sério e continuo para a divulgação de seu trabalho ou projeto, como as pessoas tiveram mais tempo para ficarem navegando nas redes, as probabilidades de se conseguir engajamento e visibilidade estão bem maiores. Mesmo que diante de tamanha crise social e sanitária tenhamos imensas dificuldades, aqueles que conseguirem se adaptar e aceitar melhor todas as exigências que essa dificuldade restritiva impõe com criatividade e trabalho árduo, conseguirão passar por este momento de uma forma, digamos assim, com uma resiliência mais natural que os demais, pois já estão acostumados com limitações, dificuldades ou seu foco já era diferenciado no que se refere à sua exposição, pois sempre buscavam ativamente novas oportunidades. Apesar de todas as suas complicações e efeitos que provavelmente durarão anos, aqueles que se atualizarem a este momento, conseguirão também um espaço. Aqueles que conseguirem ver as brechas e chances que os demais mais habituados a uma maneira mais pragmática não conseguem, irão se destacar e saberão melhor como agir. As pessoas estão utilizando mais as redes sociais, com mais tempo, então a probabilidade de alcance se ampliou a quem conseguir criar ou já tiver um trabalho sério. Acredito que quem realmente souber inovar terá sua chance para poder se destacar de alguma maneira.

6) Seu traço tem um quê de singular. Tem uma identidade muito bem definida, ao mesmo tempo em que nos remete aos anos 80. Quais influências o ajudaram a elaborar o seu estilo de desenho?

AR – Muito interessante como você notou essa nuance, realmente, sou uma cria dessa década, apesar de durante todos os anos 80 ter sido criança e só ter entrado na adolescência nos anos 90, sempre prestei muita atenção na cultura dos desenhos da época, seja através de desenhos animados ou animes, quanto de modo impresso. Sempre fui muito eclético quanto a desenhos, então consumia de tudo um pouco. Creio que as mais variadas formas de desenho possuem o seu valor único e que não podem ser comparados sem profundidade. Não consigo ver um desenho realista sendo altamente superior a um desenho cartoon, apenas com base em um exame sobre qual técnica exige mais tempo, ou horas dedicadas, ou ainda mais perfeccionismo de detalhes. Por exemplo, um ilustrador realista pode perder horas e até dias, semanas ou meses fazendo um único desenho, isso apura sua técnica e ele fica cada vez melhor em reproduzir fielmente aquilo que usa como referência para a sua arte para fazer o mais idêntico possível ao que ele vê. Porém, observemos um ilustrador de cartoon, que cria um jeito único de se expressar, algo nunca visto antes, algo que só aquele artista vê daquela forma. Ele também dedicará horas, dias, semanas, meses e até anos pare refinar cada vez mais o seu traço, a sua técnica e o seu universo de ideias para os personagens e histórias que está criando. Gosto muito de dar o exemplo, para este caso, do cartunista Jim Davis, criador do personagem Garfield. Pegue suas primeiras tiras, sua linguagem tanto em sua abordagem de comunicação, quanto sua técnica de traço foram refinadas e cada vez mais aprimoradas com o tempo. Isso levou décadas para ser ajustado. Houve a dedicação de toda uma vida para que o personagem fosse único em todos os sentidos. Então, o esmero de Jim, vai além de aprimorar a sua técnica de desenho, mas em evoluir todo o universo e a linguagem expressiva desse personagem. É por isso, que minhas influências são tão expandidas, estou sempre observando valores diferentes para as mais diversas técnicas de desenhos ou expressão de ideias através da ilustração. Tenho uma lista bem grande dos principais artistas que gosto. Hoje em dia, vejo muitos desenhos singulares, mas com um jeito de se expressar que foram indo em contraponto a um modo mais polido de desenho, que era característico dos anos 80. Pegue desenhos animados do Tom e Jerry antigos, os cenários eram bem mais trabalhados, cores ricas em detalhamento e uma abordagem mais bela tecnicamente falando. Em comparação, os desenhos atuais destes mesmos personagens têm uma melhora em certas técnicas, porém, a polidez se foi, o esmero com detalhes foi deixado um pouco de lado mediante a facilitação para a sua produção e a busca por baratear custos. Os tempos são outros, claro, mas se por um lado há inúmeros desenhos que só são possíveis de serem produzidos nos dias de hoje, por outro lado muitas técnicas acabaram sofrendo uma baixa em certos aspectos que faziam com que os desenhos mais antigos fossem belíssimos. E isso também serve para animes, veja como eram feitos alguns, como por exemplo o aclamado filme - Akira - de Katsuhiro Otomo, apesar de termos técnicas superiores para a produção de um anime, ele se destaca até os dias de hoje devido ao grande esmero e aguçado requinte de detalhes em sua criação. Então, em resumo, possuo inúmeras influências tanto ocidentais, quanto orientais, desde o cartoon mais louco e despojado, até a arte mais rica em detalhes e mais acadêmica. Por isso, o meu estilo mangá, mesmo podendo ser visível certas referências, há uma gama de nuances, pois primeiramente gostava de desenhar no estilo comics americano. Então, adaptei o estilo ocidental somando detalhes únicos do estilo oriental. É fácil ver que eu desenho mangá, porém, por buscar um detalhamento singular para o meu traço, o meu jeito de criar nesse estilo é bem diferenciado e até incomum. Tento fazer algo que misture coisas clássicas e modernas, mas o meu maior foco, são os detalhes, mas claro, dentro de um contexto com verdadeiros motivos para que aquele mínimo detalhe esteja ali quando o ilustro. Por isso estou sempre em busca do equilibro entre a polidez, a simplicidade com detalhes que façam a diferença de forma profunda. Um exemplo disto, é que todos os meus personagens, apesar da minha identidade bem definida de criação, nenhum é realmente parecido com o outro. Sempre há detalhes que busco dar e que sejam realmente importantes para a caracterização de um personagem em sua distinção mais plena em vista de outro. No estilo mangá é bem comum que personagens variem muito pouco em alguns detalhes, e geralmente, o cabelo é que dá a maior diferença de um para o outro. Há o exemplo disto em alguns ilustradores americanos também variando muito pouco o rosto dos personagens e até seus corpos, porém, eles tentam diferenciar muito mais os personagens. Assim, eu busco dar a cada personagem diferenças realmente únicas. Tenho dezenas de personagens que desejo mostrar em minha série de mangá o 10º Símbolo, e cada um tem detalhes muito singulares, que dão extremas distinções entre eles. É muito corriqueiro que as pessoas vejam similaridade entre o meu traço e o de Dragon Ball Z, porém, os personagens de Akira Toryama variam pouco anatomicamente falando, salvo um ou outro que possuem maior destaque de diferenças. Entretanto, vejo que a esmagadora maioria dos personagens deste grande autor, que é sim uma grande referência para mim, variam muito pouco no formato de rosto, olhos, nariz, boca, orelhas, sobrancelhas, formato da cabeça, mas estas são as bases do desenho de Akira, e não há nada de errado nisso, são seus fundamentos chave. Já nos meus, estou sempre buscando trazer diferenças ao máximo possível, esta é a base para reconhecer o meu traço, bem como o meu modo de expressão. Eu procuro ir numa vertente onde quase nenhum personagem meu terá coisas muito parecidas com os outros. Procuro no mínimo misturar bastante as minhas bases. Posso ter umas sete formas de fazer uma orelha, 10 de fazer os olhos, 5 de fazer a boca, 20 para os formatos de cabeça e rosto, 8 para sobrancelhas, 9 para nariz, 10 estilos de corpos... e por aí vai; tento misturar isso tudo, pegando cada elemento e ir fazendo combinações diferentes para cada personagem com bastante atenção. Não é só o formato do cabelo ou roupas que fará aquele personagem diferente, são todos os seus detalhes mais básicos, como sua própria anatomia em todos os seus pormenores que passam despercebidos em primeiro momento. Claro, isso as vezes não é tão prático na produção de mangás, porém, creio que ajuda no destaque. É como se cada personagem meu fosse uma senha, composta por, digamos, 4 dígitos. Então, se calcularmos esses dígitos, na criação de meus personagens, eu teria um nível de distinção de 10 mil combinações ou distinções possíveis. Assim sendo, isso salienta um volume de acabamentos únicos ao meu universo de ideias, e devo dizer, amo criar sem parar. É isso que busco, sempre aquele detalhe único que fará toda a diferença no meu estilo de traço e de criação.

7) Os quadrinistas possuem, basicamente, ao menos três formas para publicar. O modo tradicional, através de submissão por uma editora; a publicação através de concursos; e por fim, a autopublicação, seja impressa ou digital. Comente como você percebe cada uma dessas formas.

AR – Cresci lendo em primeiro momento alguns cartoons, mas principalmente quadrinhos de super-heróis americanos e só posteriormente com 12-13 anos, me aprofundei mais na leitura de mangás. Já lá pelos meus 20 anos, busquei algumas coisas mais alternativas com um destaque diferente. Por isso, consigo perceber bem, e acho que todo mundo consegue perceber, no primeiro caso do mercado através das editoras há uma certa frequência de fórmulas repetidas. Principalmente nos quadrinhos americanos, que poucas vezes buscam criar algo novo de fato (isso nas grandes séries de histórias em quadrinhos), focando uma vez ou outra mais numa renovação ou atualização do que já existe. No oriente, isso não é um grande problema, pois culturalmente, mesmo com toda uma questão de produção comercial, muitos personagens tem uma história mais próxima da nossa realidade, no que diz respeito a sua evolução. Muitos personagens nascem, crescem e morrem de forma definitiva. Ou seja, há um grande espaço para renovação real e para surgimento de algo completamente diferente. Entretanto, ambos os mercados têm suas práticas mais rígidas comerciais, que não permitem tanta experimentação mais abrangente de fato em alguns casos, mas é bem claro que os mangás tem maior vantagem neste sentido, mesmo com toda a pressão que alguns artistas recebem devido à como se dá a cadeia produtiva. Já nos quadrinhos americanos, para surgir coisas realmente diferentes no mercado mais massivo, há de se contar com uma grande criatividade e uma capacidade expressiva bem diferente, que poucos artistas conseguem ter, e como o foco muitas vezes pode ser apenas a venda de fato, o conteúdo pode ser bem mediano, na grande maioria do tempo com quase nada muito diferente, pois muitas das histórias e personagens estão praticamente em um tempo infinito, com uma progressão ilusória sobre a passagem de tempo, mas sempre retornando a um certo estado idêntico das coisas como eram antes, podendo haver uma diferença aqui e outra ali, mas o status quo geralmente volta ao que era para um novo começo não muito longe de sua base.

Quanto a publicação através de concursos, realmente sei muito pouco, pois não sou tão engajado nessa estrutura. Mais creio que tudo pode ser válido no sentido de ter sua obra publicada, toda a oportunidade deve ser utilizada, desde que bem compreendida para isso. Eu gosto sempre de me preparar para as coisas, planejar, ter ideias realmente práticas e de qualidade, para alcançar o objetivo de forma satisfatória, mas claro, quando possível, ultrapassando expectativas, só que com um pé na realidade, por mais idealista que eu seja. Até mesmo porque isso ajuda na disciplina de criação para que não haja desapontamentos ou a criação de expectativas desmedidas. Então, se eu fosse por este caminho dos concursos, eu realmente estudaria bastante sobre isso para poder aproveitar as vantagens e me desviar ao máximo das desvantagens que essa possibilidade pode apresentar.

Já a autopublicação é onde eu realmente me encontrei, apesar de procurar seguir uma determinada disciplina de criação, tenho um jeito muito peculiar de fazer as coisas. Então, me cobro demais para fazer certas coisas, mas essa cobrança é com base na minha realidade e de como enxergo aquilo que vou produzir, e não através de um grupo de pessoas ou uma organização. Não que seja ruim, ter uma troca de ideias para se aprimorar ou até mesmo uma imposição de alguns limites editoriais, mas é que prezo muito por uma liberdade no meu modo de produzir e criar que não encontrei em nenhum outro caminho. Quando considero um detalhe importante, mesmo que de fato não o use de todo naquele instante, posso achar interessante usar meu tempo para aquilo, pois isso, esse trabalho mental, de criar intensamente, faz parte de mim, pois prefiro criar muito e depois ir apenas lapidando o que considerar essencial, do que já me determinar muito por uma orientação muito presa, onde não posso extrapolar certos conceitos porque certas regras impõem outro caminho de produção. Procuro sempre cumprir prazos, principalmente aqueles que imponho a mim mesmo, porém, não deixo que isso estrague a qualidade do que quero expressar. Por isso, cada vez mais me vejo como um quadrinista independente em todos os sentidos, para poder me expressar de forma integral sobre aquilo que desejo, seja com as minhas qualidades ou defeitos. Evoluindo assim de forma mais natural e menos impositiva, mas claro, me cobro muito mais do que qualquer um me cobraria, quando me determino a produzir algo, só que essa auto cobrança tende a ser muito mais satisfatória no sentido que alcanço meus objetivos com mais autenticidade. Conseguindo revelar essencialmente muito mais sobre mim, meu método de trabalho e forma de criação.

8) Eu considero 10º Símbolo um achado do mangá nacional. Ele está em financiamento coletivo pelo Catarse. Já vimos muitos casos de sucesso no Catarse de obras nacionais, em mercados considerados de nicho, como o RPG. Bem, agora chegou o momento. Nos conte sobre o seu projeto, quais as recompensas e o diferencial da sua obra.

AR – Realmente, foram anos me preparando para este momento, e fico muito feliz com isso, pois também fiquei muito grato de encontrar uma ferramenta como o catarse que auxilia muitos artistas e autores, que assim como eu, sonham em ter sua obra produzida, encontrando um público que sinceramente tiver afinidade pelo projeto. Isso não tem preço. Também é excelente ver o quão criativo, diversificado e único é essa cultura de orçamento coletivo. Antes de criar o meu projeto, passei mais ou menos 2 meses estudando a plataforma, vendo inúmeros projetos bem-sucedidos, mas principalmente, com um nível de qualidade superior até mesmo ao de grandes editoras. Isso não só me surpreendeu, como me motivou a entender que esse também era o meu caminho. E ver uma comunidade como é a plataforma Catarse, um verdadeiro celeiro de criatividade e de infinitas possibilidades, me ajudou a ter um senso de autoconfiança e de empatia maior com autores independentes, pois encontrei muitos projetos e autores extremamente apaixonados por aquilo que fazem. Isso é ótimo, pois é sempre bacana ver pessoas que estão em um caminho parecido com o seu, mas com sua própria história para contar e seu espaço por conquistar.

Quanto ao meu projeto, creio que o meu principal diferencial é que quero abordar ideias bastante originais, mesmo que hajam coisas que possuam similaridade com algo já existente, garanto que a abordagem será realmente única em todos os sentidos. Em meu universo, ou melhor, no mundo pós-apocalíptico que criei, existem 5 espécies de seres humanos diferentes coexistindo. Não sendo isso o bastante, uma força externa sobrepujou todo o planeta, ou seja, são espécies em conflito, tendo que lidar com algo que as dominou, mas veja bem, nesse mundo, nada é o que parece, e o que os leitores acharem muito óbvio, com certeza não será, conforme as edições forem sendo produzidas por mim. O que desejo entregar com essa primeira publicação e começo de universo é algo genuíno, que possa de fato de alguma forma ser familiar, mas que forme conexão com tantas coisas que poderiam não ter nada em comum, mas que darão corpo e um requinte de detalhes originais. Desejo também passar uma mensagem interessante e relevante, de esperança, de união, da forma mais original possível, mesmo que haja entretenimento envolvido, e isso se dará conforme as próximas edições forem se seguindo. Nada, do que irei trazer para essa história, será colocado ao acaso, algumas coisas terão linearidade e outras nem tanto, mas tudo faz sentido no todo e tem sua importância no final. Foram anos dedicados a criar uma coesão para estes personagens e sua história. Então, acho que é chegado o momento de ver até onde até tudo isso pode ir, com o apoio de todos os colaboradores que tiverem interesse no projeto.

Na questão das recompensas em busca de apoio, basicamente preparei 8 materiais, distribuídos em 12 combinações, pensadas com muito carinho visando agregar muito valor e gratidão à todo o suporte dado pelos apoiadores. Os materiais são os seguintes:

- Prévia- digital do prólogo de introdução da história 10º Símbolo (algo para que realmente as pessoas já possam se envolver, enquanto esperam a produção impressa do mangá e as demais recompensas);

- Revista Impressa em formato A5 (14,5 x 21cm);

- Artbook Galeria de Criação de Personagens (20 x 20cm);

- Mochila Saco Sport personalizada 10º Símbolo;

- Camiseta Quality 100% Algodão Personalizada com Estampa Digital;

- Quadro Tamanho A4 (21 x 29,7cm), com vidro acrílico e moldura preta;

- Quadro Tamanho A3 (29,7 x 42cm), com vidro acrílico e moldura preta;

- Quadro Especial em Tamanho A3 (29,7 x 42cm), com vidro acrílico e moldura preta e arte original exclusiva com dedicatória;

9) Quais obras você indicaria o prazer de uma leitura ou para inspirar os nossos quadrinistas?

AR – Bem, acho que posso citar 9 obras do universo de quadrinhos e mangás que realmente valem muito a pena conhecer.

DC Comics - Reino do Amanhã (1996) - Mark Waid e Alex Ross: para mim, essa é uma leitura obrigatória para todo o fã dos tão famosos super-heróis, já tão introduzidos em nossa cultura. É uma história bastante aclamada e famosa, mas o que mais amo nela, é toda a sua riqueza de detalhes, em como os seus autores trabalharam heróis clássicos como Mulher-Maravilha, Superman, Batman, Flash e tantos outros com um tremendo respeito a tudo que veio antes sobre eles, mas sem deixar de trazer algo novo. É uma homenagem extraordinária, fora que acho impressionante o estilo de narrativa e arte do ilustrador Alex Ross.

DC Comics - Superman: Paz na Terra (1998) - Paul Dini e Alex Ross: além de ser o meu personagem favorito de toda a cultura dos quadrinhos, o Superman nessa história em particular mostra seus maiores valores como ser humano, pois foi criado assim, apesar de todos os seus grandes poderes. Na obra é mostrado o que realmente motiva o Superman a ajudar as pessoas, bem como são reveladas limitações muito palpáveis do alcance de sua ajuda, mostrando que até mesmo este grande personagem tem limitações bem parecidas com as nossas. Para mim, é uma das melhores histórias do Superman. Tenho um carinho muito especial por essa edição, pois comprei ela assim que chegou ao Brasil e ainda a tenho ela até hoje, muito bem conservada.

Marvel Comics - Marvels (1994) - Kurt Busiek e Alex Ross: esta história é um deleite incrível, não só pela sua arte, mas também em como o roteiro conseguiu conectar tantos detalhes do universo Marvel, com tantos acontecimentos importantes envolvendo seus principais personagens. É quase que uma história documental, ainda mais por ser colocada através da perspectiva de um personagem que é um fotografo.

Marvel Comics - Hulk e Coisa (1990) - Jim Starlin e Berni Wrightson: o personagem Hulk é meu personagem preferido da Marvel, por toda a carga dramática que o personagem carrega, bem como pelos seus poderes que se conectam na conturbada relação entre Banner e seu alter ego extremamente poderoso. Porém, quanto a essa história, acho ela sensacional, por que tanto Hulk, quanto o personagem Coisa são levados a uma aventura única em suas vidas, bem como completamente hilária. O Hulk é suavizado em seus poderes, mas de uma forma altamente contextualizada, e o personagem faz um contraponto tendo que ser o cérebro da dupla, sendo que o mesmo tem características bem parecidas com a do gigante verde-esmeralda. A arte em particular desta revista é excelente em todos os sentidos, passando com grande expressividade todas as ações e reações dos personagens. Vale muito a pena essa leitura.

Marvel Comics - Hulk: O Último Titã (2002) – Peter David e Dale Keown: nesta história, finalmente Hulk prova o que sempre afirmou “ele é o mais forte que há”... porém, isso tem um custo elevado. Para mim, essa história revela uma das faces mais profundas e dramáticas do Hulk e sua força, com todos os seus pensamentos distorcidos sobre ela, bem como a grande separação que Bruce Banner fez dentro de si mesmo que parece ser irreversível.

Mangá - Battle Angel Alita: Gunnn Hyper Future Vision (1990) - Yukito Kishiro: essa é a clássica obra cyberpunk consagrada do autor/ilustrador Yukito. Uma história rica em detalhes e com personagens realmente incríveis, a começar pela própria protagonista Alita e seu passado obscuro por sua falta de memória. É uma obra incrível tanto no seu enredo futurista para dar fundo às motivações de personagens bons e maus, quanto no seu traço com sua arte altamente detalhada e impecável.

Mangá – Blade - A Lâmina do Imortal (1993-2012) - Hiroaki Samura: no Japão feudal, onde um Samurai renegado chamado Manji resolve seguir seu próprio código de honra, devido a importantes acontecimentos em sua vida, que não só o tornaram imortal, mas que também o fazem parecer como se fossem uma espécie de “Samurai-Punk” com atitudes de uma certa sabedoria bem despojada, que fazem com que você se interesse cada vez mais pela história, como por exemplo, o fato dele se tornar guarda-costas de uma garota, de nome Rin, que busca vingança por seus pais, mas que acaba descobrindo que o caminho para isso é muito mais difícil e complexo do que ela pensa. É um dos meus mangás preferidos disparado.

Mangá – Slam Dunk (1990-1996) – Takehiko Inoue: quando recebi uma propaganda que tinha apenas 6 páginas dessa série de mangá, sinceramente foi o que bastou. Personagens cativantes, uma história muito envolvente e o mais importante, hilária demais. É diversão pura do início ao fim com um enredo de muita qualidade, fazendo você se importar com cada personagem com todas as suas qualidades e defeitos.

Livro – Desvendando os Quadrinhos (2004) - Scott McCloud: esta é uma leitura altamente interessante. O autor dela conseguiu a façanha de explicar toda a cultura que envolve os quadrinhos, tanto ocidentais quanto orientais de forma soberba, através de um livro que também é uma história em quadrinhos em si. Depois que li este livro, evoluí em muitos conceitos como ilustrador e autor de HQs. Creio ser uma obra obrigatória a todos que desejem realmente entender, apreciar melhor e produzir quadrinhos. É um livro eloquente, muito bem trabalhado e altamente criativo em sua abordagem. Recomendo em todos os sentidos.

10) Essa pergunta aqui já é ordem da casa: quais os planos para o futuro?

AR –

Para falar do futuro, preciso falar um pouquinho sobre o passado. Por volta dos meus 16 anos, foi quando criei a primeira versão dessa história, que com o passar do tempo evoluiu comigo. Assim que tive maturidade para criar um enredo e uma série de histórias e personagens para preencher este universo que está apenas começando.

Minha pretensão é criar este primeiro volume, mas posteriormente continuar e estabelecer ao todo uma série com 10 volumes para estabelecer o arco completo da história do Mangá - 10º Símbolo. Ao todo já tenho o enredo de todos os 10 volumes, mas de roteiro, tenho de fato pronto os 6 primeiros volumes e estou trabalhando aos poucos nos demais.

Sendo bem-sucedido nestes 10 volumes, desejo também criar mais 8 histórias, que se intercalam com a história principal, mas não necessariamente seguem completamente sua linearidade, pois seriam histórias para dar mais profundidade a certos personagens, a determinados detalhes e acontecimentos serão citados durante o mesmo período da história principal. Serão histórias paralelas, que ajudariam contextualizar alguns conceitos, que também me dariam mais oportunidade e liberdade para explorar algumas ideias que tenho para dar mais densidade a este universo.

Também desejo produzir uma história, talvez em um volume apenas, contando coisas que se passarão mil anos depois da história principal de o 10º Símbolo.

Outro desejo meu é fazer uma série de 3 a 6 volumes, contando uma história que se passa nesse universo, mas que terá poucas conexões diretas, pois se passaria muitos séculos antes, algo mais contemporâneo a nossa realidade, em um futuro mais próximo à nós, para estes eu já tenho um enredo bem estabelecido.

Bem, o futuro a si mesmo pertence, então, creio que o objetivo principal seja focar no caminho dessa primeira publicação e ver até onde essa jornada pode chegar.

Mais uma vez, muito grato pela oportunidade e pela conversa, bem como a todos os leitores desta matéria!

Abaixo deixe seus links ou páginas que deseje divulgar:

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Caliel Alves
Enviado por Caliel Alves em 05/10/2020
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