A Pandemia Vista Por Dentro
Nosso amigo Richard Foxe, sempre presente em nosso Recanto, mora em uma cidade italiana sitiada, onde não se entra nem se pode sair. A situação é gravíssima pois é um epicentro do Coronavírus.
Ele nos oferece a situação real de um país europeu- a Itália- envolvido por esta Pandemia que está parando o mundo.
Não devemos nos neurotizar nem permitir que o medo tome conta. Basta a consciência e assim, não deixaremos que atitudes desumanas venham, até piores que o próprio vírus.
1.Richard, em primeiro lugar quero agradecer sua boa- vontade. Como você está ?
Richard: Eu que agradeço pela consideração. Efetivamente faz uns dias que não estou me sentindo muito legal e os sintomas indicam se tratar de uma virose. O que não se sabe é se o vírus é "normal" ou o coronavírus, e não há como descobrir, pois os controles estão sendo efetuados exclusivamente quando existe uma forte suspeita, e atuados pelos especialistas da saúde pública. Os laboratórios particulares não atendem a esse tipo de pedido. Por um lado, devido os meus sintomas serem leves e sem febre, seria até bom que fosse o coronavírus, embora ninguém saiba se quem fica doente pode estar imunizado pelo resto da vida.
2.Poderia descrever a rotina em sua cidade?
Richard: A rotina é que tudo está parado, igual ou até pior que durante a Guerra quando havia toque de recolher. Agora só se pode sair de casa para comprar alimentos, remédios, jornais ou combustível, mas nas lojas pequenas só pode entrar um cliente por vez; também quem trabalha pode viajar de carro ou com outro transporte, mas os coletivos estão praticamente vazios e bem poucas pessoas se encontram nas ruas. Parece uma cidade fantasma e o mesmo cenário se repete em todas as cidades italianas. Essa é a única forma de conter a epidemia para fazer com que as estruturas sanitárias não sejam inundadas de pacientes. Se isso acontecesse, não haveria como tratá-los, pois, como expliquei no meu artigo intitulado "Apocalipse na Itália", não existem bastante aparelhos de ventilação pulmonar para todos. Outro aspecto preocupante é que quem tem outras patologias (coração, câncer, AVC, etc.) está sendo atendido somente se estiver muito grave. Isso se deve ao fato que o número de médicos e enfermeiros não é suficiente para dar conta de tudo, sem contar que o lugar mais perigoso da cidade é justamente o hospital.
3. Tenho visto artigos seus sobre o Coronavírus e acompanhado sua busca por respostas, afinal você é por profissão um membro da comunidade científica de pesquisa, na sua opinião o que podemos esperar no tocante ao panorama mundial???
Crê que está pandemia possa aproximar trocas de informação sobre pesquisas em curso sobre eventual vacina de base?
Richard: A Organização Mundial da Saúde declarou o estado de pandemia: isso quer dizer que a maioria dos Países do mundo já foi atingida pelo coronavírus. Seria portanto oportuno que o cidadão brasileiro se precavesse desde já, comprando luvas e máscaras e, logo que o contágio chegar na sua cidade, evitasse os contatos sociais sem esperar que o governo baixe decretos parecidos com os nossos. Como ainda não existe uma vacina no mercado, a única forma para se defender é essa e, afinal, nos séculos passados, quando epidemias bem piores assolaram a Europa, a única forma eficaz para escapar da doença era de ficar trancado em casa até o contágio terminar. Já estão sendo experimentadas 35 diferentes vacinas, mas antes que sejam oportunamente testadas e comercializadas, vai passar no mínimo um ano.
4. Existem padrões de segurança adotados pelos profissionais de saúde que são necessários, claro, mas podem estabelecer um tipo de isolamento emocional que piore o quadro. Como você, que mora em uma cidade interditada, analisa o impacto emocional de uma enfermidade que promove o afastamento como forma de evitar o contágio???
Richard: Os médicos falaram que também o estado emocional das pessoas pode influenciar o decurso da doença e parece que os indivíduos mais ansiosos são justamente aqueles que pegam o vírus com maior facilidade. O afastamento é a única arma que existe e não precisa durar por muito tempo. Hoje, na era de Internet, do telefone e do Whatsapp, é praticamente impossível ficar sem ter contatos sociais cotidianos. Sem contar que dedicar mais tempo à leitura e à meditação pode ser importante para o nosso crescimento cultural e espiritual.
5. Não existe tratamento eficaz, só de alívio dos sintomas em si. Tendo em vista que pessoas mais frágeis orgânicamente são vítimas em potencial, você estabeleceu em um artigo seu que médicos farão escolhas sobre quem irá receber o cuidado intensivo ou não, uma escolha de quem vive ou morre. Existe em curso no seu país alguma forma de evitar que isso aconteça??? Ou seria inevitável pela insuficiência logística de indisponibilidade de meios para atender a demanda crescente de enfermos?
Richard: Os médicos já estão fazendo escolhas entre quem vai viver e quem não. Se, digamos, numa Terapia Intensiva sobrou apenas um aparelho para a ventilação pulmonar e chegam dois pacientes com pneumonia, um de 50 e outro de 85 anos, seria absurdo condenar à morte o mais jovem, não acha? Sei que é uma escolha dolorosa, mas a escassez de material obriga os profissionais a esse tipo de comportamento. Foi justamente por esse motivo que o Governo baixou o decreto mencionado, não na esperança de limitar o número total dos casos, mas no intento de adiar o fenômeno dando mais tempo às estruturas para adquirir equipamentos e contratar mais médicos e enfermeiros. Sei que estão chegando da China várias centenas de ventiladores pulmonares e isso vai fazer a diferença. Quanto às outras nações como Alemanha e França, o trend é o mesmo da Itália, com uma defasagem de 8-10 dias que explica porque lá o número de contagiados é menor do que aqui. Enquanto isso, todos esperam que chegue logo o verão, pois parece que esse vírus não gosta de temperaturas muito frias (na Rússia os casos são poucos), nem de climas tropicais. Se isso for verdadeiro o Brasil, principalmente o Norte-Nordeste, deveria sofrer menos que o resto do mundo.
Agradeço ao amigo querido e admirável pois ainda se preocupa com as pessoas, mesmo estando enfermo. Coisa rara,( diria eu heróica), que demonstra a nobreza de caráter do escritor e poeta chamado Richard Foxe.