Opinando e Transformando: Lúcia Helena Galvão (Nova Acrópole Brasil - Escola Internacional de Filosofia)
Nome: Lúcia Helena Galvão
Breve currículo: "Professora de filosofia da organização Nova Acrópole do Brasil. Com 30 anos na instituição, é uma das palestrantes mais antigas e ativas. Nascida no Rio de Janeiro, reside hoje em Brasília, onde ministra aulas sobre os mais variados temas: ética, sociopolítica, simbologia, história da filosofia, entre outros. Poeta, já publicou quatro livros, além de produzir artigos e crônicas frequentemente publicados pela imprensa de todo o país. Profere ainda palestras e conferências, regularmente, para grandes públicos no Brasil e em outros países. Na internet, é um fenômeno nas redes sociais e YouTube, onde possui milhares de seguidores e acumula mais de 10 milhões de visualizações em suas palestras."
Em sua opinião, o que é cultura de paz?
Para mim, paz é harmonia interna e externa; ´para isso, é necessário estar atento ao que desarmoniza. Não há nada mais harmonioso do que a vida, por exemplo; mas qualquer ser vivo, unicelular que seja, está delimitado e, dentro dele, existe ordem e imunidade, uma forma de se defender dos agressores que o possam destruir. Por isso, penso que a paz está estreitamente relacionada à identidade: se temos um identidade mental, emocional e física, podemos nos defender contra aquilo que atenta contra a nossa vida em todos estes planos e manter a harmonia. O oposto da paz não é a guerra, é a passividade: imunidade zero. O oposto da guerra é a defesa harmoniosa e inteligente da vida. Por isso, uma verdadeira cultura, proveniente do latim cultus, mesma raiz de cultivar (cuidar das sementes de valores que residem dentro do homem para que elas brotem e deem frutos), e ainda mais uma cultura de paz, deveria gerar incentivos para que cada um aprendesse a refletir e a buscar dentro de si a sua própria identidade humana, preservando-a. Uma cultura de paz deve ser uma cultura de discernimento e inteligência (de intelegere, escolher dentre: de tudo o que nos sugerem ou impõem, escolher e construir a nossa própria identidade).
Como podemos difundir de forma coerente a paz neste vasto campo de transformação mental, intelectual e filosófica?
Como você bem disse, só temos transformação, mudança de forma. E uma mudança que não obedece a uma necessidade interior, mas a uma imposição exterior: a moda mental de cada tempo. Se tomarmos um romano que andava de biga e um piloto atual de avião a jato, sabemos que evoluiu a máquina, mas quem nos garante que este homem de agora é mais humano, íntegro, mais interessado no bem comum do que aquele romano lá de trás? Se ele, o romano, pudesse nos responder, talvez nos surpreendesse com um humanismo raro em nosso dias. Faça a experiência, pergunte a um romano antigo: o imperador-filósofo Marco Aurélio, em suas "Meditações"!
Para um filósofo à maneira clássica, como eu, interessa não a transformação, mas a transmutação: do chumbo para o ouro, do bicho instintivo para o homem de valores, do brutal e egoísta para o ético, estético, empático e fraterno. A Filosofia interessa-se por este eixo de transmutações, e trabalha para ele. Assim difundimos aquilo que acreditamos ser a cultura da paz.
Como você descreve a cultura de paz e sua influência ao longo da formação da sociedade brasileira/humanidade?
Acho que já falei bastante da cultura de paz, da forma como acredito. E, desta forma que acredito, só vejo como defensores, em um passado recente, alguns expoentes bem raros e valiosos, nomes que nunca são muito bem assimiláveis, pois suas mensagens não são o que é confortável, agradável ou fácil de se implementar, ou seja, são eternos "fora de moda". Eu mesma me considero uma eterna e orgulhosa componente do grupo dos "fora de moda". Tenho um ponto de vista simples demais, até simplista: só o que conduz os homens a pensarem por si próprios, refletirem, serem eles próprios, sem deixarem de ser cada vez mais humanos, pode ter um impacto positivo na história da humanidade.
A cultura, a educação liberta ou aprisiona os indivíduos?
O verdadeiro remédio cura; mas cadê o discernimento para saber qual é o verdadeiro remédio? Cultura de moda não liberta; cultura humanista liberta. Educação que apenas informa, acumulando dados na cabeça dos nossos "pequenos Google" ambulantes, sem saber para que fim ele os utilizará, não liberta. Educação que forma, tomando como exemplos pessoas na história que mereceram o título de "seres humanos" e deixaram o mundo um pouco melhor do que aquele que encontraram, este tipo de educação liberta. Não se deve julgar as coisas pelos rótulos, mas pelo efeito que geram no mundo.
Comente sobre o espaço digital, destacando sua importância na difusão do despertar da humanidade.
Sou contundente neste aspecto: qualquer recurso tecnológico pode ser bom ou mal, dependendo do uso que faço dele. Uma mesma faca que rompe correntes, pode provocar genocídios. Não acredito que a tecnologia digital esteja aprisionando os homens, mas que os homens, sem identidade e sentido de vida, querem fugir das suas vidas insossas e sem sentido, e o fariam até com sinais de fumaça, se não houver outro meio. Meios de comunicação são excelentes quando temos o que comunicar; não posso deixar de sonhar com Platão postando seu "Mito da Caverna" em pequenos capítulos, no Twitter, para todos os lados do planeta.
Portanto, se houver homens falando sobre o despertar da humanidade, os meios digitais serão ótimos. Mas há que formar estes homens. Meu trabalho dentro de Nova Acrópole é exatamente este.
Qual mensagem você deixa para a humanidade?
Uma das mais enigmáticas que já ouvi:"- Quanto mais dentro, mais fora." O que é o ser humano, para você? O que realmente te faz feliz, sem ressacas no dia seguinte? Consegue sentir a dor e a alegria do outro? O que gostaria de ver, ao final da sua vida, quando olhar para trás? O que é o amor?
Se tem respostas próprias para algumas destas perguntas, respostas extraídas de um longo mergulho em si mesmo, tem profundidade para ir para fora e entender a vida, entender e amar aos demais, criar laços verdadeiros e uma sociedade legitimamente humana. Superficial só gera superficial.
É assim que a Filosofia pensa e age para mudar o mundo: não é fácil, não é rápido, nem sempre é agradável e não está na moda. Mas, como todo bom medicamento, é necessário, talvez até imprescindível.