Entrevista EF (Tânia Gabrielli-Pohlmann) - ALEMANHA

"ESCOBAR FRANELAS BRINCANDO COM A LUCIDEZ"

© Tânia Gabrielli-Pohlmann (Alemanha, 2003)

Escobar Franelas não perdoa os detalhes que escapam dos olhos cotidianos de Sampa. Sua linguagem é pictórica, ácida, enxuta; estilo que se foi enraizando desde a adolescência e que agora vem à tona sem piedades da mesmice.

Este videomaker paulistano de 34 anos já peregrinou por algumas coletâneas e antologias antes de publicar, em 1998, seu primeiro livro – hardrockcoreNroll (Scortecci Editora). A obra foi dividida em três partes – “alquimia”, “catraia” e “haicaos” (sic), totalizando 77 poemas que escandalizam a expectativa de formas já conhecidas e reverenciadas, surpreendendo caminhos semânticos e sonoros, mesclando sentimentos mais que atrevidos e coerentes.

TGP: Escobar, "hardrockcoreNroll" foi seu début. E você diz ter sido uma tentativa de brincar com a lucidez. Como é que você classifica esta tentativa?

EF: Eu tinha em mente tentar elucidar três situações que se me apresentavam. Uma, a tentativa de trazer a linguagem da rua para o universo poético, o culto da oralidade, essas coisas. Mas sem estereótipos. Usei isso até numa epígrafe, em que fiz uma citação do João Antônio, que considero ótimo contista, numa entrevista com o Darcy Ribeiro. A segunda manifestação crônica em meu trabalho foi a influência clara da música no meu processo de composição (e também das artes plásticas). Por último, outro dado que influenciou muito na concepção de "hardrockcoreNroll" foi a tentativa de nunca repetir fórmulas convencionadas das escolas literárias, principalmente.

FTGP: Você consegue trazer não apenas a linguagem musical ao seu trabalho; a imagem fragmentada e recolhida pela sensibilidade visual de um videomaker é clara nesta sua obra. Fale um pouco a respeito...

EF: O videomaker é um cineasta. Ele trabalha a idéia, a imagem, a linearidade, o sentido, enfim... Seu escopo, contudo, é fundamentado no chão, no mundo real. Acho natural que "hardrockcoreNroll" tenha seguido essa trilha, pois essa foi a minha formação artística, cultural e histórica.

TGP: Você já está com mais um livro pronto, o “pois é a”, também de poesia. Fale a respeito do curso lingüístico deste livro.

EF: “pois é a”, na verdade, continua a minha busca pela ruptura, por novos signos(semânticos ou não), que tento criar, moldar e associar dentro de minha verve poética.

TGP: Mas “pois é a” vai esperar um pouco. Antes parece-me que haverá uma incursão pelo universo ficcional. Quando é que “Jardim das Delícias” vai para o prelo?

EF: O “Jardim das Delícias” é minha primeira incursão pelo mundo da prosa. E a ficção tem sido um desafio. Há muitas idas e vindas no processo e eu não sei precisar quando terá uma forma definitiva. Se é que vai ter... O mais certo é acreditar que realmente “pois é a” tem mais chances de vir à luz, pelo menos neste momento.

TGP: Mas “Jardim das Delícias” é o quê? Um romance, um mosaico?

EF: O mais certo é dizer que são notas esparsas – contos e crônicas aleatórios – que se pretendem dar uma idéia de romance no final. Quer dizer, serão em torno de 22 capítulos (até agora são 19), que poderão ser lidos e entendidos em separado. Ou então, se lidos dentro de um contexto, poderão ser entendidos como uma obra única, com início, meio e fim.

TGP: Uma obra de impacto, parece... Você fala deste projeto com uma convicção contagiante...

EF: Estou lutando pra fazer um bom trabalho, que não traia nem a mim nem aos meus leitores.

TGP: Para você, qual o papel social do artista, em especial do escritor, quando se pensa no índice de analfabetismo de nosso país?

EF: O escritor é sempre um transgressor. O artista, de um modo geral. Eu me cobro no sentido de duvidar sempre. Nesse aspecto, o cidadão contrapõe-se ao dito artista. Os números e as estatísticas são formas redondas e absolutas que eu, como cidadão, não ouso discordar. Agora, o artista... este adjetiva mais, filosofa mais, pormenoriza muito mais...