Entrevista com Fábio Gesse – editor da Revista Action Hiken
1- Nos conte um pouco sobre a trajetória da Revista Action Hiken?
R- Na metade de 2015, existia uma revista chamada Monthly Shonen Action, que por acaso, possui um nome bem parecido com uma revista japonesa. Era feita totalmente artesanal e semanalmente, com 3 ou 4 séries de capítulos de 10 páginas. Quando eu conheci o projeto, ele tava na sua edição 6 ou 7, mas estava em frangalhos. É extremamente difícil cuidar de um projeto assim, semanal então... Quando o projeto foi descontinuado pelo responsável da época, os próprios autores gostariam de continuar, então um deles, chamado Kleverson Lacerda (Autor de Varinha das Almas), que fazia parte do Estúdio Armon em outros projetos, trouxe o projeto e perguntou se eu gostaria de reestruturar e levar pra frente. Acabei aceitando, então pegamos os autores que já estavam lá (Kleverson, Ingrid Oliveira, Gabriel Silva) e para compor o resto da revista, fizemos um concurso. Daí veio o primeiro grande sucesso da revista, O Som da Coragem, de Eddy e Doryack. O primeiro ano foi difícil de manter, era tudo novo e dava muito trabalho. Logo estrearam mais séries que seriam sucesso, Age of Guardian e Two-Sided. Por volta da edição 7 ou 8, a revista quase deixou de existir, porque alguns artistas desistiram de suas séries. Precisei correr e organizar um novo concurso, porque como era algo novo, quase ninguém botava fé e não arranjava novas séries de jeito nenhum. Com esse segundo concurso vieram Berta The Witch e Whisper World, que não duraram muito também, com seus autores desistindo em poucos meses. A crise novamente chegou e me obrigou a buscar refúgio dentro de minha própria equipe e com isso, duas séries de integrantes do Estúdio Armon começaram, Sing e Talento FC. Logo, numa parceria com o Jayson Santos, outro sucesso se iniciava: Hooligan. Daí em diante, as coisas foram crescendo, novos autores querendo entrar, as edições foram ficando mais recheadas, e por mais que os autores falhassem nas entregas por várias vezes, sempre tínhamos one-shots para suprir, porque recebíamos muitos. Na edição 20 saiu o primeiro crossover entre equipes, onde a série Two-Sided teve um capitulo especial de 50 páginas com Nightfall, que era da revista Yuuji Magazine. Foi divertido fazer e chamou muita atenção. Logo em seguida, outro grande sucesso chamado Demon Hunters se inicia, abrindo fronteiras para autores lusófonos estrangeiros com Diogo Cidades. Tentando inovar, lançamos outro concurso (Como a galera pede concurso, meu Deus... rsrs), só que com a temática shoujo. Por mais que tenhamos recebido uma ou outra obra bem legal, foi um fracasso. Quase não tivemos inscritos o suficiente pra premiar. Enfm... Logo veio a épica edição 24, com os one-shots de Oxente e Valón, obras que mais tarde se tornariam as séries mais populares atualmente. Mas essa edição foi épica por diversos motivos. Um, porque marcou o início da parceria com a Craft Comic Books, que estava nascendo. Conheci o CEO de lá num evento em São Paulo e ele fez versões impressas daquela revista que, por 2 anos, tinha sido só digital. Passamos a oferecer todas as edições em formato impresso e sob demanda, algo que todo mundo sempre pedia (Acho que se teve uma pergunta que ouvi mais do que “como faz pra entrar na Action” foi “tem impressa pra comprar?”). Outro motivo da edição épica, é porque no ano seguinte, ela foi indicada ao Troféu HQ Mix, na categoria Publicação Mix. Não vencemos, mas a indicação valeu o ano. Como nem tudo são flores, nessa mesma edição, marcou o maior stress que já tive com o projeto. A briga com o autor da série Parrotman, que era um sucesso desde a edição 6. O autor iria enviar a obra pra um concurso, e ele exigia que ela não tivesse publicada em lugar algum. E o autor também não concordou em ceder a obra para as versões impressas, ou seja, no final de 2017, tive que reeditar 10 edições da Action para retirar todo e qualquer resquício de Parrotman do projeto. Deu mó trabalho e pensei em desistir ali também... Só que era uma época tão boa, então fui firme e continuei. E ainda bem, porque logo vieram as estreias de Anjo da Guarda e Oxente, que foram muito populares! Começamos a aparecer em vários canais de mídia, e logo as estreias de Valón, Cherry Lips e Fada Mortífera deram um gás pra fazermos esse concurso do final de 2018, que foi um sucesso. Através dele, colocamos os vencedores numa edição extra chamada Action Plus, com obras ótimas! E 2019 começou, com promessa de ser melhor ainda. Isso tudo sem falar dos encadernados das séries que o Estúdio Armon já lançou até agora, como Talento FC, O Som da Coragem, Sing, e os próximos, Demon Hunters, Age of Guardian e Oxente, que devem sair esse ano. Nossa, falei demais, desculpe. rsrs
2- Como funciona o modelo de publicação no periódico?
R- O modelo é bem parecido com a Shonen Jump, mas é diferente. O primeiro passo para um autor entrar, é enviar um one-shot. Seja resumo da série que quer trabalhar ou não. Se esse one-shot for aprovado pelos editores, o autor será agendado para um mês de publicação. A votação nos dirá se a obra for popular e promissora e caso seja, o autor terá permissão para apresentar um projeto de série. Caso seja aprovado, nós o orientaremos a produzir pelo menos 3 capítulos antes de agendar a estreia, para não acontecer hiatos tão facilmente. A partir da estreia, decidiremos se a série será mensal ou bimestral. A entrega de material acontece todo dia 25 (Capitulo e uma arte colorida para a capa) e a diagramação da revista, entre o dia 25 e o dia 30/31, com lançamento, atualmente, todo dia 1 de cada mês, digital, e a impressa, na semana seguinte lá no site da Craft Comic Books.
3- Quais as maiores dificuldades para se manter uma revista dessa no Brasil?
R- Bom, são vários... rsrs. Citando alguns aqui... A necessidade dos autores precisarem trabalhar em outras coisas para viver. Nisso, eles não conseguem ganhar a vida com os quadrinhos e acabam fazendo nas horas que podem, o que pode acarretar em atrasos, falhas na entrega ou mesmo cancelamentos. Outro é a falta de uma forma eficiente de distribuição. Só conseguimos vender impressos pela internet. E a edição digital, necessita de outras plataformas para chegar até o leitor e nem sempre elas agradam a todos. O preconceito cultural dos leitores que ficam comparando nossos materiais independentes, com mangás feitos profissionalmente no Japão há mais de 60 anos. É uma comparação bem babaca, mas existe muito. Não me lembro de mais nenhuma, acho que o maior desses obstáculos é o primeiro que falei mesmo.
4- Como o público reage a produção da revista de modo geral?
R- Há uns dois anos, posso dizer que 80% falava mal e difamava. Hoje, acho que se recebemos críticas negativas e maldosas de 20% de todo o feedback, é muito. Não querendo ser arrogante, nem nada, mas acho que evoluímos muito nesses 3 anos e consigo ver nesses autores atualmente, algo que pode ser maior ainda. Muitas vezes não depende do leitor gostar ou não... Mas de nós fazermos o leitor se interessar por aquilo e superar seu preconceito cultural. Estamos no caminho certo, acredito.
5- Qual a possibilidade do Estúdio Armon se tornar uma editora no futuro?
R- A possibilidade existe. Nesses 6 anos de existência, nos dedicamos a nossas próprias publicações, no estilo da Editora Crás. Produzindo e lançando o que nós mesmos produzimos. Esse é o foco que eu gosto de manter. A Action é uma publicação do Estúdio Armon, então é como se fossemos uma editora, por isso muita gente já nos chama de editora. Nesse final de 2018 também realizamos um trabalho típico de editora com o T-Hunters. Fechamos uma parceria com o autor Israel Guedes para editarmos a obra e lançarmos impresso. Foi uma espécie de trabalho de editora. Pode vir a acontecer mais vezes, mas não temos estrutura para fazer isso profissionalmente e acho que prefiro continuar por um bom tempo me dedicando aos nossos próprios conteúdos e só às vezes, lançar alguma coisa de alguém de fora da equipe. Nada impede que eu mude de ideia nos próximos anos e passe a seguir os passos da Editora Draco, por exemplo.
6- Houve muitas tentativas de se publicar uma antologia de mangá no Brasil, embora os projetos fossem promissores, muitos fracassaram, porque a Action Hiken se tornou um modelo de sucesso?
R- Não posso dizer com certeza porque não estive por dentro de tudo que aconteceu nos outros projetos. Não sei o que fizeram de errado internamente ou quais foram os estopins para fracassarem. Só tenho o olhar de fora da coisa. Uma coisa que eu faço com a Action (E com o Estúdio Armon como um todo) e que é muito criticado por todo mundo, acredito que seja o principal diferencial que está nos levando adiante. Essa coisa é ter um ritmo lento. Começamos do nada, sem pretensões grandes, só fazendo mesmo. Ouvimos criticas do tipo “seu trabalho é um lixo”, mas continuamos. Enquanto outras revistas se colocaram como projetos épicos e tiveram a primeira edição lançada em distribuição nacional, outras faziam concurso com premiação em dinheiro e nunca pagaram seus vencedores, ou prometiam revolucionar o mercado editorial, nós só continuamos fazendo quadrinhos. Muitos diziam “tal revista saiu impresso, vocês não tem a mesma visibilidade porque não tem impresso” e doía em mim ter que responder “não temos planos pra isso por enquanto”. Hoje, aquela que tinha impresso logo no primeiro mês de existência não existe mais, e nós estamos aqui, demorou, mas o impresso chegou. Temos pouquíssimas curtidas nas redes sociais, o engajamento vai crescendo aos poucos. Num país sem uma cultura de consumo de quadrinhos estruturada, chegar com alarde dizendo que vai revolucionar é um verdadeiro tiro no pé. Nossas conquistas vêm devagar, mas quando vem, são muito valorizadas. Sou do ditado que “devagar se vai ao longe” e nem preciso dizer que não importa quantas vezes se conta aquela velha história, a tartaruga sempre vence a lebre. Em 2015 éramos um lixo que deveria parar, 3 anos depois, fomos indicados ao Troféu HQ Mix. Enfim... Seguir devagar, sem atropelar meu planejamento para o projeto, e insistindo mesmo contra as críticas para evoluir a cada mês, talvez esses sejam os diferenciais.
7- Quais seriam os carros-chefes da revista atualmente?
R- Sendo bastante direto, acredito que Oxente, Demon Hunters e Valón são os pilares da revista hoje. São os que mais recebem fanarts, sempre vencem as votações e tem mais destaque da mídia, mas no meu coração, todos são carros-chefes. Somos uma frota. rsrs
8- Qual o balanço geral que o editor pode fazer sem seis anos de publicação?
R- São 6 anos de Estúdio Armon e tive altos e baixos o tempo inteiro. Mas aprendi MUITA coisa nesse tempo, não só sobre o mercado editorial ou sobre produção de quadrinhos, mas sobre a vida. Há 6 anos, eu não conversava bem com as pessoas, não sabia lidar com elas. Hoje, gerenciando uma equipe com pessoas variadas, aprendi a lidar com cada tipo de gente. Aos poucos vou aprendendo a gerir uma empresa, lidar com tramites que eu não fazia ideia que existiam. Não sei bem fazer um balanço geral, mas não sei qual atividade eu faria se não tivesse montado o Estúdio Armon a principio. Acho que eu seria metade do empreendedor que eu seria hoje... Ou ¼ dele. rsrs
9 – Além da Revista Action Hiken, o Estúdio Armon oferece outros produtos, quais seriam?
R- Opa, estava esperando alguém perguntar isso. Rsrs. Como a Action Hiken é a publicação que mais tem destaque (Acredito que seja pela frequência e pelo glamour de ser parecido com a ideia da Shounen Jump), muita gente até acha que o nome do nosso grupo é Action Hiken. É preciso deixar bem claro que a Action é só UM dos projetos de um grupo maior chamado Estúdio Armon. O Estúdio Armon tem vários outros projetos, temos duas séries de tirinhas sendo publicadas no nosso site (Maria Ana e Escovando os Dentes com João), lançamos encadernados das séries da Action ou de outros mangás da equipe, como eu disse na outra pergunta. Já tivemos uma campanha no Catarse para lançar a coletânea de contos de fada em quadrinhos Era Uma Vez, em 2016. Em 2017 lançamos a coletânea de one-shots Aventuras Cotidianas pela Editora Criativo, assim como os SketchBooks Custom de Cristiane Armezina e Eddy Fernanddes. Esse ano lançamos nosso primeiro livro, Penumbra – Contos Sombrios, com a temática de terror. Temos vários quadrinhos sendo lançados para leitura online, no site, no Agakê e outras plataformas (E são quadrinhos que não estão na Action) como Saga Sem Fim, De Repente, Shoujo!!, Utopian, A Lenda Esquecida (Que é exclusiva dos apoiadores do Apoia.se... APOIEM!) e várias outras. Em 2018 também vencemos o BMA da Editora JBC com duas obras (Planaltin Power, do Waldenis Lopes, ficou em 6º e vai estar na Henshin RED, e Estupefato Maldini, de Lucas Gesse, que ficou em 13º e vai estar na Henshin BLUE), que terão suas edições digitais lançadas agora em 2019. Organizamos concursos e collabs quase sempre. E tem o próprio T-Hunters que editamos no final de 2018 e fizemos financiamento pelo Catarse e será enviado aos apoiadores no fim de janeiro. Participamos de eventos, vendendo mangás, prints, adesivos e por aí vai. Ah, e todos os nossos encadernados estão a venda em nossa loja. Para quem acha que somos só a Action, temos bastante coisa fora dela, não? rsrs
10 – Essa pergunta eu sempre faço, quais os planos para o futuro.
R – Essa resposta eu sempre dou, mas não posso dizer muito... rsrs. Tá, vai... Se tudo der certo, esse ano teremos 2 lançamentos coletivos, com vários artistas do Estúdio Armon, outro concurso no fim do ano, talvez participação em um evento grande, novas estreias na Action, talvez no meio do ano. Encadernados de algumas séries bem populares. Mais ou menos isso... Sem dar muitos detalhes e sem projetar muito adiante. Rsrs.
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