"Somando seremos mais fortes!": Entrevista com Deoclécio de Oliveira sobre filha especial

1- Qual foi à reação da sua família (parentes) diante da deficiência de sua filha?

Quando Andreza nasceu em 1977 de oito meses, prematura, por motivo de anoxia neonatal em seguida ficou cinco dias na incubadora: após o retorno pra casa parecia dentro da normalidade e seguindo os cuidados de um bebê normal... Após trinta dias surgiu um choro constante achávamos que eram sintomas corriqueiros e levamos ao pediatra ele receitava os medicamentos também corriqueiros e o choro continuava. Após mais de seis meses levando em outro pediatra, examinando ele percebeu que minha filha estava totalmente espástica, pedido outra opinião e com suspeita de paralisia cerebral encaminhou para um neurologista, onde foi confirmado o diagnóstico e a partir daí receitando um medicamento correto ela passou a dormir... Em seguida começamos a notar o não desenvolvimento normal e passamos para a reabilitação multidisciplinar e foi quando deu seu primeiro sorriso. Após três anos teve a primeira convulsão e diagnosticada passou a tentar controlar com vários medicamentos, até que foi acertado o medicamento certo e outro pra dormir...

Eu acredito que a reação da família foi indiferente por não compreender essa situação. Na época não tinha as informações de hoje. Eu acho que os sentimentos foram pelo lado emocional e de piedade.

2- Você e sua esposa se isolaram em algum momento ou pediram ajuda?

Não diria isolar. A correria era tanta que mesmo que quiséssemos nos isolar não poderíamos. Não foi preciso pedir ajuda porque na época eu tinha um bom emprego numa montadora de São Paulo e não tivemos problemas, quanto a maioria das famílias têm.

3-Como você buscou informações sobre a deficiência da Andreza?

A busca de informações sobre a deficiência da minha filha foi quando o departamento social da Empresa reuniu os pais que tinham filhos com deficiência, e a partir dai comecei a ter conhecimento da sua patologia e a trocar experiência com outros pais.

4-Ela faz uso de medicamentos? Você recebe esses medicamentos do governo?

Sim, ela faz uso de medicamentos. Nós apenas compramos os medicamentos pra controle das convulsões e espasticidades, que também são fornecidos pela rede. Os demais de ordem clínica compramos alguns também e outros pela rede.

5-Você é favorável às mudanças do Benefício de Prestação Continuada (BPC)/LOAS? Por quê?

Sou totalmente a favor das mudanças. É notório o desespero das famílias que recebem um salario mínimo, pois esse é insuficiente para as despesas dos filhos e ainda os pais não podem complementar suas rendas com carteira registrada, devido ultrapassar a renda per capita que é exigida pelo BPC. Caso isso aconteça o beneficio é cortado e quem sofre são as mães cuidadoras, pois em sua grande maioria são abandonadas pelos maridos, quando estes descobrem a deficiência do filho. No caso da morte do ente querido, essa mãe fica desprotegida porque automaticamente perde o benefício e tem que recomeçar sua vida, e dependendo da idade não consegue se aposentar. Esse benefício teria que ser para o filho, e o cuidador ser livre para contribuir para o INSS com algum trabalho. Se percebermos quem ganha também é o próprio INSS, pois está recolhendo... Quanto ao BPC também é notório que a Lei de cotas do trabalho não supre a demanda por falta de interesses dos empresários e sempre com as alegações de falta de especialização e não preenchimento de vagas: não é "verdade", o que falta é interesses dos empresários em adaptar os locais de trabalho para receber pessoas com deficiência, e outros fatores. O que vejo são apenas contratações de pessoas com deficiências leves. Muitas vezes esses empresários preferem pagar multas a contratar pessoas com deficiência mais comprometidas, como o caso de paraplégicos, por exemplo. Também é preciso diminuir o tempo de contribuição devido a esses fatores.

6-Como você vê as políticas públicas em relação às crianças com deficiência?

Em relação às politicas públicas não há avanços; existem algumas leis que só funcionam no papel. O que vejo são grupos de pessoas que dizem que são representantes da pessoa com deficiência, mas apenas se preocupam com acessibilidade arquitetônica, entretanto esse direito é garantido por lei, só falta às autoridades exigirem que a lei seja cumprida e principalmente os órgãos públicos darem o exemplo... Outra questão é a área da saúde, onde as pessoas com deficiência são tratadas dentro do mesmo padrão que uma pessoa sem deficiência, é preciso criar um atendimento diferenciado, como por exemplo, as doenças raras e o Transtorno do Espectro Autista (TEA) que está se tornando uma situação insustentável, principalmente o autista no grau severo, onde requer mais cuidado e um apoio às famílias que se desgastam e estão gritando por socorro...

Em relação aos dentistas que atendem pacientes com necessidades especiais, muitas famílias precisam se deslocar pra grandes cidades para poderem ser atendidas, já que a demanda é maior que o número de especialistas. Entretanto a fila de espera é muito grande. E também não há interesse das prefeituras na contratação desses profissionais especializados ,uma vez que o próprio Ministério da Saúde não incentiva, dando subsídios às faculdades de Odontologia, para formação de mais profissionais aderirem a essa especialização.

7-Você que é um ativista dos direitos das pessoas com deficiência e está sempre em contato com mães de crianças desse segmento, quais são as maiores problemas e dificuldades dessas mães?

Recentemente tenho percebido que as famílias, principalmente as mães que cuidam de seus filhos e não tem o apoio do pai, que uma boa parte abandona seu filho por covardia e por falta de amor, estão passando por grandes dificuldades financeiras e emocionais.

Tenho recebido em minha página no Facebook pedidos de ajuda financeira, e muitas mães apenas querendo desabafar e pedindo orientações. Tenho sentido que algumas mães já pensaram em se suicidar, mas por amor ao filho tem revisto essa ideia. Outra questão é o medo constante do governo cortar o Benefício de Prestação Continuada (BPC)/LOAS, devido a essa revisão que ultimamente o governo tem feito e ameaças de que irão cortar esse benefício. Isso tem criado um “terrorismo psicológico emocional” deixando essas famílias apreensivas e sob um forte estresse.

Muitas mães me dizem que a rede não fornece medicamentos líquidos. E crianças menores e outros que usam sondas gástricas não são indicados os medicamentos em comprimidos, só em líquidos. A maioria das mães, principalmente do nordeste, são obrigadas a comprar. E mães de outras regiões brasileiras também não conseguem em por diversos motivos. O LOAS é insuficiente para cobrir tudo.

8-Quais são as dicas para ser um bom pai ou uma boa mãe para um filho com deficiência?

Penso que para ser um bom pai e uma boa mãe, em primeiro lugar deve amar o filho e aceitar sua deficiência. O restante é continuar em busca de uma qualidade de vida melhor para ele. Em relação aos tratamentos, recomendo que não desista, pois cada conquista por mínima que seja é uma vitória.

Sabemos que a sociedade ainda é perversa, no que diz respeito ao preconceito e a indiferença. Não podemos mudar as pessoas elas nascem assim, ou aprendem com o próprio meio em que vivem, tudo é uma questão de conscientização e educação. Temos hoje as redes sociais e existem muitas pessoas boas que lutam pelo segmento, se unam a eles. Somando seremos mais fortes!

Infelizmente ainda temos um governo insensível, onde boa parte de políticos não ajudam nas cobranças de politicas públicas desse segmento. Acredito que só conseguiremos uma sociedade inclusiva e justa quando houver políticos compromissados com a minoria e surgirem pessoas de integridade moral que respeitem os direitos por igual.

José Deoclécio de Oliveira e Vera Garcia: Criança Especial-Blog http://www.criancaespecial.com.br
Enviado por José Deoclécio de Oliveira em 18/12/2018
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