Entrevista com pessoa escolarizada inicialmente antes dos anos 1950

Meu entrevistado nasceu na cidade de Salto, Capital da Província de Salto, Republica Oriental do Uruguai, em 19 de fevereiro de 1934, sua família veio para o Brasil em 1945, logo após a Segunda Guerra Mundial, fixando residência na zona rural do município de São Sepé, Região da Campanha do Estado do Rio Grande do Sul. Contando então com onze anos, sendo o mais velho numa família de quinze irmãos, trabalhava na roça, numa granja de arroz arrendada por seu pai, e sua escolarização começou aos onze anos, na escola na cidade de São Sepé, centro urbano, por ser uma família grande, havia um rodízio, quatro ou cinco irmãos estudavam juntos, ensinavam os mais novos, e aqueles que tinham idade para trabalhar iam pra labuta na terra, pois enquanto uns estudavam outros mantinham a subsistência familiar. A escola distava cinco quilômetros da granja, percurso que faziam a pé todas as manhãs, mas lembra com carinho deste tempo, pois era uma algazarra só, e tinha ainda um componente entre eles para ver quem tirava a melhor nota, e o “regalo”, era invariavelmente alguma guloseima, compota com doce, andar a cavalo, coisas simples que o campo produzia, e para as meninas, um perfume, um corte de tecido. Recorda como melhor tempo da sua vida, pois não havia violência à criminalidade era controlada com mão de ferro.

Havia o ensino da Língua Portuguesa e não se lembra do ensino de Literatura na Escola, A Professora era uma só desde o primeiro ano até o quinto. Dona Josefa. Aprendia o alfabeto, a “junção” das letras para formar palavras, frases, refere que isso foi de grande utilidade na vida, pois pode ensinar os irmãos menores, ajudar o pai nas leituras de contratos de trabalho, documentos fiscais referentes à terra, receitas de remédios, e de documentos que chegavam à casa. Não tinham materiais de leitura em casa, e nem alguém que fosse fluente em leitura, visto seus pais serem analfabetos. À noite reuniam-se em casa e o pai e os tios mais velhos, contavam estórias, lendas, mistérios, aparições de lobisomens e assombrações, enterros de dinheiros.

Quando completava o quinto ano eram dados como formados, recebiam Diploma de Conclusão do Curso,inclusive. Quem quisesse continuar os estudos e “querer ser alguém na vida”, tinha que ir para Porto Alegre, caso dos filhos dos fazendeiros, donos de granja, os mais abastados, e cursavam Direito.

Acredita que hoje é muito melhor o ensino do que na sua época, notou isso quando suas filhas foram para a escola, e agora com sua neta, a facilidade que ela aprende e desenvolve frases e manuseio dos aparelhos. Hoje suas filhas possuem curso Superior, sendo formadas em Administração, Língua Espanhola e Enfermagem.

Precisou muito da leitura para conseguir emprego, trabalhou como vendedor, motorista, onde várias vezes levou vantagem sobre os demais, por saber “ler de carreirinha”. Frequentou a ainda frequenta a Igreja, onde várias é responsável pelas leituras bíblicas, fala disso com orgulho e agradece a Deus, por ter tido a oportunidade de frequentar a Escola.

Na entrevista tivemos ponto de convergência e identificação, em nossas estórias de vida, a dificuldade para frequentar a escola, a pobreza, vários irmãos dormindo juntos, as manhãs frias, geadas cortantes, sóis inclementes, nos caminhos da escola, e a mesma gana na busca ávida pelo saber.

Foi uma tarefa gratificante, um encontro emocionante, em que fiz verdadeira imersão na história do sul do país, falou longamente sobre o período que foi caminhoneiro, por mais de trinta anos, viajando pelos países do Cone Sul da América, Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, e safou-se de situações embaraçosas por ter dupla nacionalidade, graças à leitura que adquiriu na infância e falar o idioma certo na hora certa. Tive a oportunidade de estreitar os laços com meu vizinho, que ainda presta pequenos serviços de serralheria e soldagem, recebeu-me em sua casa e tivemos durante a entrevista a prestimosa atenção de sua esposa, Professora aposentada após quarenta e cinco anos de Magistério.

Bem, é isso. Abraço.

João de Deus Vieira Alves