Diálogo para fazer benefício glorioso à cultura

Vou entrevistar-me a mim mesma, já que não tive quem se quisesse submeter às minhas perguntas, oooohhhhhh!

EU: Como se chama?

Eu: Deixa-te de perguntas tolas e trata-me por tu.

EU: Ah! Claro! Então, pergunto-te se leste o Jornal de Letras de 4 de Julho...

Eu: Claro que li. Se tu leste, eu também li.

(EU: Se me vais estragar a entrevista, acabou-se. Pões-te a andar e eu escrevo um belo ensaio.

Eu: Já percebi... ai, ui, ui ... larga-me as orelhas... as nossas orelhas! Chega-te para lá. Faz as perguntas que eu respondo.)

EU: Como estavas a dizer...

Eu: Para me largares as orelh.... Sim, li o JL. Muito interessante, essa edição, de facto.

EU: O que achas da eleição das 10 obras literárias mais importantes de todos os tempos?

Eu: Já agora, se não te importares de me dizer quais são... rsrsrsrs

EU: Com todo o gosto. Ora, página 15, ensaio de Eugénio Lisboa...deixa ver... isto está tudo no livro de J. Peder Zane, "The Top Ten - Writers Pick Their Favourite Books". 125 escritores anglófonos escolheram as suas obras favoritas e o resultado foi:

1ª. "Ana Karenina" de Tolstoi;

2ª. "Madame Bovary" de Flaubert;

3ª. "Guerra e Paz" de Tolstoi;

4ª. "Lolita" de Nabokov;

5ª. "As Aventuras de Huckleberry Finn" de Mark Twain;

6ª. "Hamlet" de Shakespeare;

7ª. "O Grande Gatsby" de Scott Fitzgerald;

8ª. "Em Busca do Tempo Perdido" de Proust;

9ª. "Os Contos" de Tchekov;

10ª. "Middlemarch" de George Eliot.

Eu: Ena! Somos tão inteligentes. Só não lemos os contos de Tchekov e o Middlemarch.

(EU: Compostura!!!!

Eu: Pronto. Larga-me o nariz!!)

EU: Peço-te um comentário.

Eu: Então, pede...

EU: Comenta, por favor.

Eu: Bem, a lista está compostinha... que mais posso dizer?

EU: Eu acho que, primeiro, é uma parvoíce eleger as 10 obras, como se uma obra literária se compadecesse de tais escolhas. Isto não é um concurso de misses. Segundo, quais foram os critérios? Porque é que não há ali uma obra portuguesa ou brasileira? Terceiro, tantos livros, tanta produção literária absolutamente sublime, e SÓ dez livros? Para haver justiça mínima, teriam de se escolher pelo menos as cem melhores obras literárias de todos os tempos! Depois, pode conceber-se que Kafka esteja fora da lista? E os grandes poemas épicos, a "Odisseia", a "Eneida", a "Elíada" ? É...

Eu: ...avacalhar completamente o panorâma literário...

(EU: Tu é que estás a avacalhar tudo com a tua conversa. Faz um esforço!!

Eu: Não pises os nossos pés! Chega.)

EU: Quanto às obras em si, faz-me alguma espécie ver o Huck Finn na lista, porque não tem nada a ver com os restantes. É um registo diferente. E, atenção, eu adoro Mark Twain, desde logo porque é um escritor com um sentido de humor fabuloso. Muito me ri a ler os livros dele. Mas, repito, é um registo diferente. Os outros livros contam histórias de amor. No fundo, é isso...

Eu: É, é, no fundo...é isso.

EU: Concordo. Destaco, de todos os que li, os que mais me impressionaram. Desde logo, Tolstoi que é um escritor torrencial. As obras dele são extensíssimas, no entanto, não há uma palavra a mais. É um escritor genial. Conta a sua história e traça um retrato da sociedade em que vive. Lembro-me de que chorei quando Ana Karenina se suicida atirando-se para debaixo de um comboio. Mas tive logo a percepção, apesar de ter 18 ou 19 anos, que não o fazia por desespero. Não. Fazia-o para se vingar, para se perpetuar na memória do homem que a deixou. Ela era uma mulher bela e estava a envelhecer. Não tinha ninguém. Não tinha nada. Morrer linda e de forma trágica era a melhor maneira de vencer, de renascer perante toda a adversidade. Uma espécie de "morro, logo existo". Quanto ao "Great Gatsby", só o nome me faz disparar o coração. Outra história trágica de amor. Há também uma considerável dose de humor. Mas sabes o que não consigo esquecer?

Eu: Estás a falar comigo? Brincadeirinha...rsrsrsrs...Diz lá.

EU: Sabes o que é que o Gatsby fazia para tentar encontrar o seu amor? É que ele amava uma mulher, mas não sabia onde ela morava. Então, dava grandes festas no jardim da sua luxuosa mansão e convidava toda a gente, na esperança de que o seu amor um dia aparecesse. Não é lindo? Abrir os portões do seu jardim com piscina, com flores belíssimas, com árvores, tudo magnífico, a toda a gente e ficar a vigiar cada pessoa que entrasse, esperando encontrar o seu amor?

Eu: Hein? Já acabou?

(EU: Parece impossível! Mostra algum interesse no que te estou a dizer!!

Eu: Mais interesse? Estou comovida... estou a conter as lágrimas...)

EU: Que graciosa que tu és! Mas, se me permites, vou falar de Nabokov. Claro que a "Lolita" trata de um problema nada pacífico: a pedofilia. Porém, um romance cria um universo ficcional e não vamos debater questões de moral ou de doença mental, porque é de Literatura que se trata. Não gostei nada do filme! "Morte em Veneza" de Thomas Mann, também trata esse tema, mas de uma forma completamente diferente. Aqui, temos um amor platónico, inocente, culpado, inelutável. Em "Lolita", temos um "amor" partilhado, consumado, problemático. "Lolita" é um livro erótico. "Morte em Veneza", não. Tanto o filme como o livro são sublimes, inesquecíveis. Agora, Nabokov é um manipulador de palavras exímio. É aí que está a sua arte. Repara nesta passagem em inglês: «Lolita, light of my life, fire of my loins. My sin, my soul. Lo-lee-ta: the tip of the tongue taking a trip of the three steps down the palate to tap, at three, on the teeth. Lo. Lee.Ta.» Ou seja, ele estuda o percurso que faz a língua dentro da boca para pronunciar o nome Lo Li Ta. Ela, que é o seu pecado e a sua alma....

Eu: Zzzzzzzzzzzzzzzzzzzz

(EU: Acorda!!! Acorda!!!

Eu: Eu estava de olhos fechados a sentir a profundidade ...das tuas palavras. A propósito, não achas que estás a armar-te em intelectual?

EU: Isto é um site de LETRAS!!! Onde é que queres que eu me arme em intelectual? Num site de futebol? Abre os olhos. Toma um cafezinho!)

EU: Shakespeare...

Eu: Fernando...

EU: ...Pessoa. Aí está alguém que...

Eu: Meira. Fernando Meira! O futebolista português mais alto - 1,93 - e mais lindo! O Fern...

EU: Se não te importas, vamos à literatura... Como ia dizendo... Gosto mais das peças históricas de Shakespeare, do que do "Hamlet". O Falstaff...

Eu: O Cristiano Ronaldo? Sim, é um bom profissional. Mas é Pop, é sociedade de consumo, é "light"... O Fernando é arte...

(EU: Que vergonha. Somos intelectuais. Não sabemos NADA de futebol. Somos da CULTURA. Pára de falar do Cris...quê? e do ... outro.

Eu: Ai, não me apertes o nosso pescoço!!)

EU: Aquela passagem do "Ricardo III", acho eu, «Let´s sit upon the ground and..."

Eu: (cof, cof) O Fernando Meira é, em termos literários, um poema épico. Um sema, um lema, um semema, um virtuema um classema... Seriam precisos mil versos para descrever cada milímetro da sua pele... outros mil...para a sua boca... os dentes puros, como gotas de água ... mais mil para o seu cabelo escuro e liso e esvoaçante... o...

EU: Pronto. É tudo. Chegámos ao fim da nossa entrevista, tão interessante, com a nossa... entrevistada. Obrigada pelas suas sábias palavras.

Eu: ...uma elegía...uma ode...um hino...um...