Entrevista - CLAUDINEI VIEIRA (Literatura) - SP
1) Quem é Claudinei Vieira?
Algumas hipóteses: um cara com uma grande, enorme pretensão, de abarcar o mundo, de engolir o mundo, de tentar entendê-lo ou, ao menos, degluti-lo, ou até inventá-lo. Em outras palavras, um Poeta. Ou simplesmente um cara com enormes pretensões.
Só o tempo dirá.
2) Como se deram as primeiras interações com as letras?
Aos nove anos, mais ou menos, tentei escrever meu primeiro livro. Seria um romance policial, inspirado na minha 'ídola' da época, Agatha Christie. Cheguei a escrever uma página inteira!, com um esquemão da história, com uma certa divisão de capítulos e caracterização de alguns personagens. Depois dessa página, percebi que a coisa não era tão fácil, hehehe.
Também por esse tempo montei umas histórias em quadrinhos. Como não sabia desenhar, eu copiava figuras de revistas com um papel carbono. 'Escrevia' as histórias, montava os quadros, recolhias as figuras necessárias. Tinha umas três ou quatro páginas que mostrava para os meus irmãos menores, e tinha orgulho de cada uma delas. Hoje em dia, tenho muita curiosidade de saber se aquelas histórias tinham algum nexo ou se a coerência narrativa estava somente na minha cabeça. Provavelmente, só eu enxergava uma narrativa ali, mas bem que gostaria de ter certeza.
Montar um fanzine infantil na época do ginásio, elaborar enredos de ficção científica (outra das minhas paixões), escrever aquelas 'histórias em quadrinhos'... Nunca houve um momento em que eu tivesse, racionalmente, decidido a me tornar escritor. Isso sempre me foi natural, sempre foi um impulso, sempre foi uma necessidade. Era um leitor voraz (na verdade, um verdadeiro viciado em leitura) (como até hoje). Escrever os meus próprios trabalhos era somente o passo seguinte, quase inevitável, posso dizer.
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Escrever poesia foi um pouco mais complicado. Sempre as escrevi, mas as considerava muito mais difíceis, inescrutáveis, quase impenetráveis. Nunca ficava realmente contente com o que poemava (ou tinha mais consciência da minha fraqueza, talvez), mas tudo ficou pior quando conheci um sacana, um enorme poeta sacana, chamado Mário Quintana.
Quintana me fascinou de uma tal forma que joguei fora tudo o que havia escrito antes e tentei fazer poesia daquele mesmo jeito: bela, lúdica e 'tão simples', 'tão fácil de ser escrita'... A minha frustração (óbvio...) me deixou completamente desatinado e desconsolado. Foi quando me convenci de que seria um prosador e tão somente prosador e, durante muito tempo, o formato de conto foi o que mais me agradou, até lançar o meu primeiro livro, que foi de contos. (DESCONCERTO, selo Demônio Negro, 2008).
Descobrir a potência e a beleza da poesia (e sua liberdade) em mim, foi todo um longo processo que durou até bem pouco tempo atrás.
3) Excetuando-se Quintana e Agatha Christie, quem mais foi importante para a manutenção e ampliação de seu imaginário literário?
Opa, essa é uma pergunta fácil e, ao mesmo tempo, complicada de se responder. Por dois motivos principais: tenho cá por mim que qualquer leitura que se faça, qualquer ato de se ler, é definidora do seu arcabouço intelectual, de sua visão de mundo, até do seu caráter. Não só literatura 'clássica' ou 'boa literatura' (seja lá qual for a definição que se dê para esse 'boa'). Mas a literatura ruim, a explicitamente escapista, a mal redigida também são úteis para, no mínimo, servir de parâmetro pessoal, para afunilar e reconhecer quais as partes desse mundo literário que lhe cabem, que se encaixam com seu perfil, que atende suas necessidades. Portanto, posso citar, como definidores da minha formação, Dostoievski, Gorki, Tolstoi, Balzac, Alexandre Dumas, Gabriel Garcia Marquez, Ernesto Sabato, o Machadão e Guimarães Rosa, e também com a mesma intensidade, os best-sellers da época, como Sidney Sheldon, Harold Robbins, Arthur Hailey, Adelaide Carraro, a coleção Vagalume, os gibis da Turma da Mônica e do tio Patinhas. Li o Capital de Marx e Vidas Secas de Graciliano e adorava romance policial, ou de espionagem, de banca de jornal. Tudo me foi importante. Tudo foi fundamental.
Com o tempo, fui restringindo minha leitura, naturalmente, e muita coisa já não tenho mais paciência de ler. Mas, mesmo assim, essa minha dinâmica (digamos assim) continua a mesma: reli há pouco um livro que amo ‘Absalão, Absalão’ do máximo escritor William Faulkner e sou fanático por Tolkien e Harry Potter.
Tudo é importante. Tudo é fundamental.
Além do que, como disse em outra resposta, sou viciado em ler. Li muito e vorazmente o tempo todo. Portanto, citar os autores e livros que me foram importantes resultaria em uma lista enorme.
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Poesia é um pouco diferente, pra variar. Li muito menos do que prosa na minha vida e alguns poucos poetas realmente fizeram toda a diferença do mundo para mim: Mário Quintana revirou meu mundo (como já disse) e Carlos Drummond de Andrade é uma obra infindável que nunca canso de revisitar sempre.
Mas o que me instigaram definitivamente a querer ser Poeta e, de alguma forma, alcançar o susto, a surpresa, o pânico da beleza, da força, da imensidão, ao mesmo tempo de uma linguagem simples, direta, com temas diretos, cotidianos e plausíveis ao meu entendimento, foram alguns contemporâneos, principalmente Marcelo Montenegro e Chacal! Estes sim me foram absurdamente importantes para o meu lado de Poesia.
E, mais recentemente, uma poeta mineira extraordinária, Adriane Garcia.
4) O que é arte? Que papel podemos atribui-la no contexto da sociedade atual?
Eu acho que Escobar Franelas está querendo é me derrubar, isso sim...
Bueno, o que é arte? Acho que podemos começar dizendo que é o modo como tentamos confrontar o mundo. Não nos satisfazemos com o mundo direto, reto, plano, grosso. Somos seres de pensamentos e sentimentos que não cabem no mundo como ele se apresenta a nós.
Precisamos humanizá-lo, explicá-lo, entendê-lo, ressignificá-lo.
Precisamos buscar aquela 'coisa' que nunca sabemos o que é até encontrá-lo, pois o mundo não nos traz isso.E como o mundo é infinito e como nunca encontramos essa tal 'coisa', a busca é incessante.
A arte é uma invenção, uma necessidade humana. Uma ânsia humana. Todos possuímos essa ânsia, essa vontade, essa falta. Arrumamos um vaso de flores, ajeitamos a barra da calça, ouvimos música (ou a assobiamos), escrevemos um bilhete (ou e-mail) (ou um WhatsApp) um tanto mais carinhoso. Encontramos uma pedra na rua (ou na praia) (ou no parquinho), e ela pode ser bonita, diferente, pode objeto de estudo científico ou servir como tema para um poema. A pedra continuaria existindo sem o poema, ela não se importaria de ser chamada de bonita ou diferente. A arte faz isso.
Portanto, somos todos, de alguma forma, artistas. Portanto fazemos todos, em algum momento ou vários, arte. Quando não nos satisfazemos com o que nos se apresenta e tentamos ultrapassá-lo, atribuir-lhe condições e belezas que, na prática e ao fundo, provêm de nós mesmos.
Se há alguns de nós que decidem tomar um caminho que lide e foque diretamente nessa questão de sensibilidade e se dedicam a tomar a arte como uma atividade principal (e aí taca a
se tornar escritor, músico, pintor ou florista) e por isso são chamados de 'artistas', isso não tira a verdade de que a arte faz parte intrínseca do ser humano.
Assim, seja em nossa realidade atual (seja qual for o contexto) ou desde a pré-história, desde o primeiro segundo em que o ser humano teve o primeiro pensamento ou o primeiro sentimento, a arte é fundamental para nossa própria existência. Mesmo em um mundo onde a população negra é assassinada e dizimada cotidianamente, diariamente. Onde mulheres são abusadas e impelidas a se considerarem pessoas de segunda categoria perante os homens. Onde a infância é roubada e prostituída. Nesse mundo (e de tantas outras mazelas) onde a primeira preocupação é, obviamente, tentar impedir que essas situações continuem, a Arte é o modo de se expressar, de se indignar, de se revoltar. De revolucionar.
Há vários anos atrás, em um contexto de profunda depressão mundial, logo após um horror que se alastrou pelo planeta inteiro, a Segunda Guerra Mundial, discutiu-se como ou se a Filosofia, ou a Poesia, ainda eram possíveis diante de tantos milhões de mortos e outros tantos, vários e vários outros milhões de feridos e machucados, física e psicologicamente, pela guerra. Ainda era necessária? Ainda era fundamental?
O fato é que, hoje em dia, passamos por 'segundasguerrasmundiais' a todo momento, todos os dias, quer tenhamos consciência disso ou não. A arte não muda isso. Como nunca mudou. São os seres humanos que mudam. A arte é o instrumento. É o meio. Portanto, seja em qual contexto, ainda é sim fundamental.
5) Como a compreensão do mundo ou da vida pelo viés da poesia pode sintetizar (ou atenuar. Ou qualquer outro verbo) as dores que vivemos aqui, agora; já que temos as 'segundasguerrasmundiais' a todo momento" ?
As sinfonias religiosas de Bach, os grafites em favelas do Rio, em viadutos de São Paulo, em muros ingleses; romances policiais que retratam o cotidiano de violência em cidades e países fora das grandes rotas mais badaladas ou conhecidas, como Marselha ou Zimbabwe na
África ou Lima no Chile, ou Rio de Janeiro; os textos eróticos de Anais Nin, Guernica de Picasso, hip-hop nas periferias das grandes cidades industrializadas ou o punk ou o rock, a poesia revolucionária de Maiakovski, as baladas country de Jonhy Cash, o teatro revolucionário de Brecht, as rodadas de samba de raiz ou choro em bares de São Paulo, os poemas de amor (ou seu sofrimento) de Florbela Espanca, saraus literários...
As formas como a arte pode reagir (ou intervir) na realidade são infinitas, tanto quanto o próprio ser humano. Uma série de protestos artísticos contra o horror da quebra da barragem de Mariana constituiu envolveu um grupo de atores e atrizes que performaram sua
indignação todos cobertos de lama. Eu recém participei de um livro digital chamado Golpe - Antologia Manifesto junto com cerca de 120 autores e artistas variados, entre poetas, prosadores, ilustradores, artistas gráficos sob o tema do golpe do impeachment. Arrumar uma banca de livros e colocar cadeiras para receber o público para um sarau que vai acontecer logo depois é um ato poético tanto quanto cantar ou recitar ou declamar.
A Poesia (tomo a palavra como sinônimo de todas as artes) provém do ser humano e é delimitada (ou limitada) pelo ser humano. No auge da repressão militar no Brasil, o controle e a censura eram sufocantes, pois sabia-se do potencial explosivo de qualquer manifestação
artística, mesmo que não diretamente política (assim como na União Soviética onde a repressão era cientificamente dirigida e chegou a níveis inimagináveis) (ou nos 'democráticos' Estados Unidos, onde a propaganda e o marketing, a indústria cinematográfica e a fonográfica, montam ilusões e quase chegam a prescindir da repressão direta).
A Poesia, portanto, é infindável, torrente imparável, e toma todas as feições e capacidades.
6) Quem você tem lido ultimamente tem um trabalho significativo?
Essa também daria uma lista absurda de grande. O fato é que, na verdade, tem muita gente muito boa escrevendo muito bem. A Poesia pulsa, ferve, nas periferias quanto nos grandes centros. Basta ter boa vontade, curiosidade, se despir de preconceitos. Eu possuo essas qualidades. Gosto de descobrir coisas novas (tanto de autores novos quanto trabalhos novos de autores consagrados). Consideremos também que a internet é um painel infindável de Poesia, onde podemos encontrar de absolutamente tudo. Tanto de um lado formal mais 'tradicional', digamos assim, quanto de experimentalismos formais e linguísticos sofisticados e arrojados.
Sendo assim, eu vou me limitar a citar somente três nomes cujo trabalho considero particularmente empolgante e no qual acredito que a literatura brasileira (em relação à Poesia, bem entendido) vai se alicerçar (está se alicerçando) em qualidade e importância. Adriane Garcia (seu 'Só, Com Peixes', da Confraria do Vento, é um primor absurdo). Ricardo Aleixo já é um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos e seu trabalho não só como escritor mas como performer é inigualável ('Impossível como nunca ter tido um rosto', obra seminal). Marcelo Montenegro é alguém que deve ser lido sempre, sempre e acompanhado igualmente. Com dois livros, 'Orfanato Portátil' e 'Garagem Lírica' e um show-performance-recitação-músico-literária chamado 'Tranqueiras Líricas', se constitui um dos trabalhos mais densos e mais bem acabados e lindos da nossa literatura.
Vou citar também dois poetas de gerações diferentes, Ademir Assunção já com extenso (e intenso) trabalho experimental, crítico e formal, e Ellen Maria Vasconcelos que lançou há pouco seu primeiro livro, Chacharitas & gambuzinos (editora Patuá) com muita força e, acredito, com enorme futuro.
7) O que você ouve, assiste, faz?
O que ouço? Blues, Jazz e MPB, basicamente. Ouço samba e sertanejo, um pouco (por favor, não o atual...). Já ouvi muito heavy metal. Já ouvi muita ópera e música clássica (em alguns momentos, ainda ouço). Já ouvi muita música pop (principalmente na adolescência).
O que assisto? Cinema, todo cinema, é fundamental, embora ultimamente a possibilidade de sair de casa para ver filme em cinema esteja cada vez pior e cara. Assisto e sou viciado em séries de televisão, principalmente policiais e ficção científica , e considero que a qualidade dos seriados norte-americanos está batendo a dos filmes norte-americanos. Só acho.
E sou viciado em leitura (como acho que já dei a entender nas respostas anteriores).
O que faço? Ultimamente escrever poesia está sendo uma das atividades mais prazerosas que encontrei na vida. Me sinto vivo ao escrever, ao poetar, ao me expressar por meio dos versos. Sou um autêntico viciado, não me vejo sem que eu possa escrever.
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Como pode ver, sou um cara repleto de vícios!
Uma coisa que estava quase esquecendo de citar é sobre Saraus. Sempre presente em minhas atividades e sempre espantado e deliciado com a quantidade e qualidade dos artistas e poetas que se apresentam .
Mas minha participação em saraus aumentou depois que lancei o meu próprio livro de poesia e comecei a divulgá-lo. Percebi então que a minha percepção sobre o que acontece em São Paulo até fosse correta em um certo sentido, mas estava longe de compreender toda a magnitude e a beleza de toda a explosão poética músico / cultural, a riqueza e a emoção.
Agora descobrir Saraus, encontros literários, esta sendo mais emocionante e gratificante do que ir ao cinema. Eu recomendo.
8) Seu livro de poemas, Yurei, Caberê (Patuá, 2015), organiza um caos interior, líquido e disforme, volumoso e caudaloso. Como se dá o seu processo interior que resulta na escrita?
Opa, que beleza de comentário. Agradeço muito.
Aproveito a imagem e digo que , de uma forma muito geral, é como o movimento de marés. Pode-se falar, a grosso modo, de movimentos amplos os quais chamamos de momentos de maré baixa e outros de maré alta, dias (ou horários) de fluxos e refluxos violentos e abruptos, e outros de calmaria e maresia. E, no entanto, cada onda dentro desse movimento geral possui sua identidade, seu próprio movimento, sua história.
Da mesma forma, cada poema tem sua própria história, seu próprio feitio, sua construção particular. O que posso dizer, talvez, é que escrever poesia é um trabalho prazeroso que (quase sempre) me vem de uma vez quase pronto. Ou sua construção é tão rápida e intensa, entre os dois pontos (da origem à palavra final, da concepção à conclusão) que é quase como se tivesse vindo já preparado. Muito diferente de escrever prosa, muito mais trabalhada, trabalhosa, custosa, emperrada. A satisfação de escrever prosa é proporcional ao trabalho que dá.
A poesia é mais imediata, mais melodiosa. A música é fundamental nesse sentido, isto é, não de estar ouvindo música enquanto escrevo, o que às vezes faço, mas é o próprio poema que possui seu ritmo, sua cadência, suas 'rimas'. E, portanto, também malemolente, insinuante. Assim como as ondas. Assim como a música.
Sem dúvida, às vezes empaco em poemas. Não encontro a palavra, o sentido. Ou, terminado o texto, releio e vejo que está fraco, sem tutano, sem vigor. Posso tentar mudar uma frase ou outra, um verso ou algumas palavras. Mas se vejo que preciso mudar muito é porque o poema não está dando certo, ou não está dando certo para aquele momento. Deixo-o de lado, na minha biblioteca particular de textos reservados, para quem sabe mais tarde retomá-lo, reavaliá-lo.
De novo, é como música, como som. De repente, no meio de uma nota, um desafinamento abrupto que não condiz com o andamento anterior. Ou, às vezes, você até gosta, procura, um certo desafinamento, mas não é 'aquele' desejado. Há de polir, re-concertar, até que se encontre a cadência perfeita (ou o desafinamento 'certo').
Por conta disso, uma parte fundamental desse processo de escrita é o ler em voz alta o que está escrito. Para mim, não para exibição. Para sentir como o poema soa, como ele caminha, se há desafinamento e, quando há, se é como deveria ser. No livro, há um poema feito de desafinamentos, ‘leite quente’, que gostei quando escrevi e, como texto, considero bacana. Mas há um som que se repete que não me agradou quando era lido e quase me fez jogá-lo fora. O que percebi é que esse contraste entre o poema no papel e o poema na voz criava um atrito que, no final das contas, achei interessante.
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No caso de ‘Yurei, Caberê’ transponha, por favor, todas essas alusões líquidas, marítimas, em termos urbanos. Meus rios são de asfalto. As marés, as voltas e os desencantos dos prédios. Os sentimentos são de extremos, de intenso amor e paixão, à solidão e vazio. E mesmo quando o amor é concretizado (olha o concreto presente) ele continua estranho. É importante destacar isso porque influi diretamente na forma como escrevo, no modo como procuro as palavras, como as sinto. De vez em quando, me vejo como um pedreiro a escolher e separar os tijolos-palavras mais adequados, que encaixam melhor com a argamassa e o cimento. Nunca farei um poema lírico entre pássaros e árvores (a não ser que as árvores estejam prestes a serem cortadas…). Por isso, a música que me acompanha na escrita tem mais a ver com buzinas e barulhos de carros, com vozes humanas tentando se soltar no meio de avenidas fechadas, com janelas quebradas e / ou pedestres esperando semáforos se abrirem. Esse é o ritmo que busco.
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Uma palavra que você usou e gosto bastante também: Caos.
Pois vivemos no caos, não é? Não há um recanto no planeta que não seja tocado por ele, mesmo que indiretamente. Talvez seja parte da própria condição do ser humano. A Poesia (assim como todas as artes) é um recorte, é um instante, é um quadro, separado, delimitado. Não há como ser de outra forma. Vivemos no caos e quase pode-se dizer que nos acostumamos a ele. Mas ansiamos pela ordem. Não necessariamente a ordem quadrada, fechada, idiota e imbecilizante das mentes reacionárias covardes e acomodadas. Mas precisamos saber que existe um certo sentido. Mesmo que isso se revele falso, como sempre se revelará, pois é o caos quem, por último e de fato, comanda (ou não) o universo.
Penso no ‘Guernica’ de Picasso, por exemplo, como já citei anteriormente. Para o horror e o descalabro da guerra, Picasso poderia contrapor um quadro melancólico, melodramático, e de certa forma comum. A mensagem seria captada facilmente (até mesmo comodamente). Ele preferiu retratar o próprio caos em vez de somente falar sobre ele. Suas imagens disformes e desesperadas projetam o horror como não seria possível de outra forma. Ultrapassam um certo limite e criam um mundo paralelo, portanto. E, assim, mesmo que pareça contraditório, estabelecem um novo critério de ordem, uma nova barreira a ser ela mesma ultrapassada.
James Joyce quebrou barreiras de linguagem e propôs novos limites, assim como Virgínia Woolf, Sylvia Plath, Walth Whitman, Hilda Hilst. Criando e contrapondo novos universos, novas formas de retratar, de enfrentar ou, ao menos, tentar entender o caos (não só o extenso, explosivo, e acachapante caos exterior, mas do igualmente aterrador caos interior, por todas as medidas o que mais tem a ver com o ser humano. )
‘No dia em que todas as crianças palestinas estiverem mortas’, no meu Yurei, Caberê, onde misturo a ironia e o pleno terror, o desconforto e o humor sádico, foi uma das minhas tentativas de tentar me conformar com o próprio caos. ‘dois milésimos’ é outro tanto, de outro ponto de vista. Assim como outros. Assim como a maioria dos poemas desse livro, eu acredito.
9) Tem algum projeto que esteja desengavetando nesse momento?
Meu amigo, meu amigo... Olha, a princípio eu ia responder o seguinte:
Tenho material acumulado para alguns livros. Tenho prontos e montados, um livro de contos e três de poesia, sendo que este de contos e dois de poesia estão sendo avaliados para uma possível publicação. Nada de concreto, só estão sendo lidos no momento. Eu organizo um evento de poesia (um misto de sarau e homenagem a poetas novos e consagrados) chamado DESCONCERTOS DE POESIA que já dura alguns anos (com uma parada de um tempo, no meio do caminho) que já passou por vários pontos da cidade de São Paulo e agora está atualmente sendo realizado no bar, café, livraria Patuscada, em Vila Madalena, SP. E estou participando de um novo projeto de sarau que está em seu início na Avenida Paulista, a aproveitar a ferveção cultural que acontece aos domingos na avenida livre.
Bueno, era o que teria escrito caso tivesse te respondido ontem à noite. Agora, há uma 'pequena' diferença. Fechei a publicação para o meu segundo livro de poesia, a ser lançado ainda este ano! Acabei de receber o positivo do editor. Ainda vou discutir direitinho os detalhes, por isso não vou adiantá-los aqui, mas o mais importante está garantido. Portanto, desde já, você é meu convidado, o primeiro convidado, para celebrar comigo essa nova jornada, do meu novo livro. Viva!
10) Alguma pergunta que não fiz mas gostaria de responder?
Sem mais. Agradeço a oportunidade, querido Escobar, de falar sobre poesia e literatura e um tanto do meu livro. E, se me estendi em algumas respostas, lembre-se que a culpa é sua, pois me deixou livre :)
Talvez, somente alguns lembretes, alguns riscos de pensamento para terminar:
Poesia, Sempre.
Fora, Temer! (ainda mais agora, ainda mais urgente).