Entrevista - LAÉRCIO SILVA (Literatura) - SP (Parte 2)

(continuando a entrevista com o poeta e ensaísta Laércio Silva, aqui aprofundamos algumas questões, entre as quais os papéis das vanguardas e a nova literatura, marginal e independente, que está sendo praticada no Brasil. E no mundo. Boa leitura!)

6) Pelas suas referências, percebe-se a importância da literatura e da filosofia em sua formação. Ainda assim respingam ecos de outras expressões, como cinema e artes visuais. O que você vê/procura/pesquisa/segue?

A importância da literatura e a filosofia como formação clássica, ou humanista, e em derredor a presença das artes/modalidades de expressões citadas, quando se pratica uma arte, é indubitavelmente uma arte entre outras possíveis artes, na qual a competência em tema/problematização é desdobrada em performance, e é de facto, uma entre outras, não uma em detrimento doutra, desconsiderar as demais, se não é uma limitação moral é um restringir estético apreciativo, mesmo sendo apenas um consumidor critico, o consumidor crítico de literatura não é um fã, é um leitor, outrossim com (e para) todas as artes, para além da glamourização lorpa dumas mais do que outras (em jactância com a vida efetiva do povo), porém todas sintomáticas desta sociedade espetaculosa, redundante a uma pedagogia do espetáculo, onde para o docente já não basta lecionar, sendo coagido a se travestir de performer, Blake foi um exímio poeta, como obteve maestria sendo artista plástico, conhecer uma entre duas facetas estéticas do visionário é como presenciar apenas uma alma dum corpóreo em falange psíquica. Luciano Berio é desconstrução em música, em fonética de sentidos que se intercalam em sons dodecafônicos, ou seja, não é só de interesse para a música, e ao mesmo paroxismo lógico/funcional não necessita transpassar os limites da música como pretensão, a exemplo do cinema que foi e é capaz de novamente ser muito mais do que um mero entretenimento a servir um sistema ideológico de mercado. Glauber Rocha é Euclides da Cunha e Guimarães Rosa na geometria anti-espinozana de Picasso. (E sem cometer anacronismos.) Minha propensão é verbal, mas meu artífice busca sobrepujar a gramatologia viciosa do verbo cartesiano. Pesquiso esta meta em minhas letras.

7) Suas obras todas são assinadas por heterônimos de origem latina. Por quê?

Não deixa de ser irônico que aqueles a cantar o cabedal da cultura clássica o fazem em notas decadentes, das ruinas daquilo que foi o legado da tradição, Danielle que tem origem italiana e na cultura deste país é um substantivo próprio atribuído ao gênero masculino, e sendo uma ítalo-brasileira pode pertencer aos dois gêneros, o que causa imediata dubiedade, e inda mais excêntrica sendo uma italiana latino-americana, que se observou impelida a viver parte de sua adolescência na periferia de São Paulo, e pratica nesta precariedade com uma erudição inata da cultura eurocêntrica sua literatura de vanguarda no submundo do subdesenvolvimento financeiro e moral, Alessio Forté é de origem galicista e assume seu sobrenome recentemente, embora seu nome seja de origem italiana, que o remete definitivamente a esta etnia, anteriormente assinalando suas produções literárias com o pseudônimo de Alessio Vindita, que percorre o caminho inverso, sendo oriundo da periferia e de seu esplancno compõem sua filosofia pós-moderna que é uma releitura crítica em intertexto metanarrativo da própria história do logocentrismo ocidental, pelos maneirismos técnicos e alegóricos do hodierno dialeto miscigenado da pós-ciência, que se apercebe compelido a se estabelecer momentaneamente no Egito, para reavaliar seus conhecimentos de hermetismo, o que resulta na composição da poética hermética e clássica de seu recente livro de Elegias – uma construção amalgamada de ironias e paradoxos, pela origem de nomes referenciados no vernáculo românico, enveredados entre a tradição e a vanguarda pós-moderna, e alocados no subúrbio latino americano onde se fala português ao contrário de seus vizinhos étnicos, num país de dimensões e contradições continentais. A crítica genética tem a seu dispor estas nuances psíquicas e históricas a se debruçar na heteronímia desta escrita, que é capaz em seus signos próprios de verter e transcriar outros paralelos possíveis, para se investigar pela volúvel constatação ou o depor reticente destes fatos...

8) Como você vê o mundo hoje, após o advento das ditas vanguardas nos últimos dois séculos?

As ditas vanguardas históricas cardeais europeias ruminam o abantesma pós-racionalista do século XIX, entremeio de reação escapista e amalgama eclipsar em cisão dos resquícios em dispersão da metanarrativa iluminista, póstumo a conjunção hegeliana do “avante” vocativo do tempo, que a época in-avante siga seu curso para a quintessência da filosofia da história, cumprindo os programas sistemáticos do idealismo romântico alemão primeiramente, e sendo a pauta para a fenomenologia da imagem, a se estabelecer na união categórica e ontológica dos contrários no século XX, só então é possível historicamente se estabelecer um código de conduta estética para o Avant-garde, que são as vanguardas de fato (historicamente situáveis), há teóricos hodiernos que circulam, circunscrevendo a tese, de que o estabelecido como legado destas, não poderia se fixar na taxionomia semântica do enunciado, o que é um relapso avultar atentando-se para o diacronismo duma corpora teórica e exequível em movimento, prescrito e em repouso apenas somente o que se aloca nos sustentáculos da tradição, em termos pragmáticos a vanguarda “estabelecida” e aceita canonicamente deixa de ser vanguarda, a lógica é simplória, porem de eficácia, a Alma Mater da revolução meta-vanguarda é a ruptura pela inserção coerciva do novo, é certo que as vanguardas que não as referidas históricas, são diferençáveis e em certa medida transmorfas, e cá logo germina-se as suas dificuldades conaturais de investigação, sobretudo pela segmentação e carência funcional de heterogeneidade, mesmo diametralmente entre os pares imediatos das seitas congregacionais/autorais, mesmo havendo certa heterogeneidade nos agrupamentos primeiros e originais, o programa em comum conferia minimamente harmonia ao coletivo, há de fato no mundo de hoje em conformidade com sua pergunta, dois protótipos de vanguarda, uma fronte abundante que pratica experimentos que são notórios exemplarmente como tais, com sua dificuldade técnica, porém com a aceitabilidade e testamento de tal como conquista do sugestivo ao novo, e a outra fronte que é um cercear pelos francos sendo eletiva, artistas/criadores que praticam uma vanguarda de experimentação com um risco elevado de execução, não sabendo se as formulas demandadas e viabilizadas são assertivas em performance, praticando a experimentação sem garantias, e é este o experimentalismo idealmente autentico com um programa sistemático e idealismo particular e intrasferível, (considero-me pertencente e presente nesta opção), contudo novamente ressalto é uma feitura sem garantias oraculares que ocasionalmente poderá devir... Ou o ridículo de tentativas pujantes de infertilidade, ou mesmo o avante do “novo” hegeliano numa época que mesmo a metanarrativa fenomenológica é inviável... O que resulta num mundo de incertezas integralistas para estes que se supõem os visionários do pós-modernismo ou um mundo de certezas mesmo com o colapso das ciências para aqueles que creem a vida e a arte como um trajeto linear e retilíneo para o jubilo da alma...

9) Voltando à literatura, dentro do microcosmo onde estamos situados – periferia, maioria negra, dificuldade de acessos em geral – como você enxerga esse fenômeno dos saraus, dos encontros literários nas escolas, os grupos de discussão nas redes sociais etc?

Este microcosmo citado onde estamos situados é de dimensão colossal, se todo nicho, seja ele qual for, sendo prestigiado ou não, é sempre um microcosmo por não abranger a verossimilhança improvável do todo/uno, a periferia é uma amostragem fidedigna de uma observância referencial e relevante para o macrocosmo, por ser demograficamente significativa, e sobretudo, heterogênea, transcendendo os estereótipos burgueses e a inexorabilidade paradoxal dos pejorativos suburbanos em ouroboros, o discurso homogêneo é uma falácia escolástica eufemística na formação nacional que se perdura indelével em seu pernicioso feitio, eis um mecanismo insidioso de defesa em autômato social introjetado por revelia de simulacros e simulações, que possibilita a aporia dos oximoros, a exclusão pelo excluído, o que evidencia-se no despotismo do oprimido, em contradição e perplexidade anamnésica categórica, as dificuldades de acesso são enaltecidas em parte por aqueles que a superam, logo o pobre que detêm pequenas e validas conquistas no subúrbio, acaba por ser mais elitista que a classe média, e o branco mais cruel e ressentido acaba “macunaimicamente” por ser o negro que é branco, sintomas de depravações do capitalismo pós-estruturalista, em sua perversão periférica, contudo estes fatores não alteram a realidade que citou, apenas caracteriza-a em sua singularidade, a carência de tudo onde o acesso dos mais elementares como nas esferas da saúde e educação, até ao refinamento redundante desta realidade embrutecedora ao se negar o transito e interlocução na cultura, neste cenário os Saraus suburbanos cumprem a função bélica da resistência social, que não é a resistência em riste pelo “grito”, como os ingênuos ousam crer, e sim a resistência pela autogestão, mesmo quando subsidiados pela iniciativa pública ou privada, seus participantes elegem sem intermediadores/facilitadores quais as pautas primazes que os repercutem, e o que é relevante para a comunidade em termos literários, panculturais e linguísticos, onde não há uma pretensa voz a representá-los em psicodrama, Antônio Candido, e uma significativa representação da crítica literária sociológica, se embasam oportunamente por sobre a óptica de um público leitor partindo do barroco, não havendo literatura destituída de um público efetivamente leitor, sem adentrar em méritos argumentativos da literaturnost que por hora não cabe aqui elucidar, é necessário refletir sobre o que vem a ser um público leitor de fato, e fenômenos excêntricos são desvelados ocasionalmente, em poucos lugares existem tão poucos leitores quanto nas livrarias, espaço de convivência majoritariamente burguês, capitaneado pelos best-sellers de autoajudas meta-autocomplacentes, onde se cultua o cadáver da cultura embalsamado pelo subdesenvolvimento, este cadáver vexatório ganha certa sobrevida quando há um programa não tendencioso de discussão nas escolas proporcionando as vivências literárias, e convivências virtuais nas redes sociais, que se não ideais, permitem ao menos que a pauta da arte agonize no sepulcro do letramento, onde os poucos que leem seguem lendo mal pelo analfabetismo funcional, pelas precariedades que lhe são impostas, e por entre as mazelas sociais e de estirpe, eis o sobredito microcosmo colossal do subúrbio, capaz de alocar o encontradiço da literatura marginal e do que é esperado dela, até as letras experimentais e herméticas como a que tracejo subscrevendo-me, filhos da mesma mãe social-demográfica em Alma Mater vernacular autoral que lhe são propícios, por mais que se queira salienta-los como contrários, a contradição certamente não está na heterogeneidade, e os Saraus, encontros e atividades em sistemas públicos e nas mediações virtuais, demonstram a abundância desta vitrine em tempo real e em lusco-fusco...

10) Quais são os seus projetos atuais?

Meus projetos imediatos estão vinculados as minhas publicações heteronímicas, por serem respectivamente uma tetralogia e um trilogia, da qual foram editados apenas o exordio/primeira parte da referida tetralogia assinalada por Danielle Carbonera, título denominado: Attacca Mezzo Forte Incontido (Editora Kazuá, 2014) – Poesia Dramática, e o prelúdio/primeira parte da mencionada trilogia assinalado por Alessio Forté, título denominado: O Draconiano Paradoxal Clamor em Hecatombe ou Ode A Elegias Axiomáticas (Editora Kazuá, 2015) – Poesia Lírica, além do título denominado: Suíte Mezzo Forte Contido (Edição do autor, 2013) – Ensaio, que será expandido. O próximo projeto será o terceiro volume da: Trilogia vernacular em terça corporeidade amórfica incomplacente intangível amálgama com o incomensurável do excelso em corpora verbal na hermética de Sathannas trismegistos de Alessio Forté, que é um Drama Lírico, ainda mais experimental e desafiador que os livros anteriores, em processo de revisão/reescrita finalíssima, isto num cenário ideal, pois na hodierna e volátil sociedade brasileira, é mais árduo publicar do que escrever... Venho publicando não obstante a pontuais grilhões, que se não futuramente envergados, não se viabilizará novas publicações. Escrevendo/lendo/ponderando/articulando prosseguirei por certo, contudo como salientado escrever e publicar são cousas distintas...

11) Tem alguma questão que você gostaria de ter respondido e eu não formulei? Em caso positivo, faça aqui a pergunta e responda, por favor. Obrigado pela riquíssima interação...

Julgo que as questões foram pertinentes ao intuito de propiciar um momento de reflexão sobre o meu projeto autoral, a Literatura e suas adjacências, e agradeço por esta oportunidade concedida de poder expor tantas questões imprescindíveis, num momento sociológico nacional tão afeito ao dispensável, servindo tenazmente o utilitarismo e suas mazelas tão encarecidamente amamentadas... Também aproveito para disponibilizar abaixo os links referentes aos meus livros para os eventuais interessados:

http://www.editorakazua.net/catalogo/attacca-mezzo-forte-incontido-laercio-aparecido-da-silva

http://www.editorakazua.net/catalogo/o-draconiano-paradoxal-clamor-em-hecatombe-ou-ode-a-elegias-axiomaticas-de-laercio-aparecido-da-silva

https://pagseguro.uol.com.br/checkout/nc/cart.jhtml?s=de0fa8c5c1ef5bd52a7e10b607aecfed73da9b83114c698aa9dcf8015429094a8f3ca2d36779bcbc#rmcl

http://www.livrariacultura.com.br/p/attaca-mezzo-forte-incontido-42893187

http://www.livrariacultura.com.br/p/o-draconiano-paradoxal-clamor-em-hecatombe-ou-ode-a-elegias-axiomaticas-46130484