Entrevista com o Poeta e Escritor Jorge Luiz da Silva Alves


FB – Já existia alguma relação com a poesia e literatura na infância?E como foi este despertar?

JL: Não. Como a maioria das crianças e adolescentes de minha época e lugar, o conhecimento técnico tomava a maior parte do tempo dedicado à educação e cultura; se hoje há uma necessidade em inserir Filosofia, História, Sociologia no cotidiano dos menores de idade, naquele meio em que vivi e cresci, o importante era se tornar um produtor e inovador para o mercado de trabalho e para a sociedade. Poesia e Literatura eram uma corrente contrária, em que eu adorava nadar.

FB– Houve incentivo familiar ou de algum professor nessa época?

JL: Meu pai, ainda que militar do Exército, adorava ler de tudo. Vamos transladar essa definição do que ele era, para um conceito histórico, guardadas as devidas proporções: um Déspota Esclarecido (risos). Fruto de um clã essencialmente da farda – pai, avô, bisavô, primos-tios, tios-avôs, todos em alguma farda ou em serviço público federal – toda a cultura voltada para a Literatura advinha muito mais das provas de concurso. Mas meu pai destoava levemente deste paradigma; a estante da casa pululava de autores nacionais e estrangeiros. Não obstante, travei contato, desde a tenra idade, com Robert Louis Stevenson, Sir Walter Scott, Charlotte e Emily Brönté, Alexandre Dumas (Pai e Filho), Victor Hugo, Fernando Sabino, Drummond, Jorge Amado, Jonathan Swift, Monteiro Lobato, e tantos que daria para encher toda essa página em que rola a entrevista. Então, era instrução da caserna em casa (ensino tecno-militar, como diria Ignacio de Loyola Brandão, no “Não Verás País Nenhum”), e a Literatura de estante, farta o suficiente para que pudéssemos tomar conhecimento longe daquilo que o ensino da época sistematizava com os OSPB’s da vida.

FB– Em sua opinião o que é preciso ser feito para que as crianças atuais se interessem por um livro em plena era de informatização avançada como nos dias atuais?

JL: Ao meu ver, simples: a criança se pauta por exemplos. Comecei a gostar de ler vendo os exemplos dentro de casa. Se a criança tem um exemplo na família ou o meio em que transita diariamente, ela acompanhará e assimilará, naturalmente, o que vê, sente, percebe. Cercar a criança de exemplos culturalmente saudáveis é a melhor de todas as pedagogias. Estando em um ambiente onde ela perceba que nem tudo na assimilação do conhecimento deriva de uma tecnologia, ela crescerá consciente disso; e mesmo tendo que buscar o saber no computador, compreenderá a importância de uma mídia impressa a partir do que os responsáveis mostram-lhe diariamente.

FB– A tecnologia tem atrapalhado a infância contemporânea?

JL: A Tecnologia veio para facilitar e ajudar; mas cabe aos que manipulam essa tecnologia filtrar com carinho e esmero o que vai ao alcance da infância.

FB- Quais foram suas referências no inicio de sua trajetória como poeta e escritor e quais são estas referências e preferências nos dias atuais?

JL: Gabriel García Márquez, Leon Tolstói, Machado de Assis, João Cabral de Melo Neto, Leon Uris... Como leio muito, muitas são as referências. No início de minhas tentativas como escritor – que no caso é bastante anterior à minha entrada na literatura virtual - , os pilares básicos repousavam sobre García Márquez, Machado, Uris, Walter M. Miller Jr, Agatha Christie, Pearl Sidenstriker Buck, Alberto Moravia, Albert Camus, John Updike e John Le Carré. Mas foi com Leon Uris, James Fenimore Cooper, Guimarães Rosa e sobretudo Érico Veríssimo e Sir Walter Scott que obtive o substrato necessário para desenvolver a narrativa que tanto procurava na mistura que gerasse um estilo seguro para ir à pena.

FB– Atualmente o que tem sido feito em relação a cultura do nosso país e o que ainda não foi feito e poderia receber uma atenção melhor de nossos governantes?

JL: O Brasil é um país multicultural. Se focarmos apenas na cultura burguesa, dos saraus regados à canapés, mármores e rococós, dos simpósios universitários onde rola o ‘beija-mão’ das super docências, ah!, o Brasil tem a máxima atenção dos governantes e será sempre um país orgulhosamente culturalizado; seremos sempre o país do ex-presidente que lecionou na Sorbonne, mas nunca compreenderemos o Brasil da cultura maranhense, da Ilha de Itamaracá, de Olinda, da cultura amazônica, pantaneira, marajoara, sambaqui, pampeana e sambista. Temos que compreender o lógico: são os governantes que são temporários, mas a cultura popular é eterna, sobreviverá a escândalos, roubalheiras, mandonismos e privilégios de poder. Sobreviverá a decretos-lei e às leis ordinárias dos ordinários que dispensam atenções para as Fundações Roberto-Marínicas e tratam, por exemplo, o Maracatu com descaso. Precisamos parar de esperar pela atenção de governantes que nós colocamos no Poder e esquecem-nos nas questões mais simples da cidadania, e nós (o Povo) é que temos que zelar e expandir a Cultura Verdadeiramente Popular neste país enorme.

FB– Fale um pouco de sua trajetória como escritor e os projetos para o futuro.

JL: Tenho três livros lançados, dois na Bienal Internacional do Livro/Rio, e meu próximo livro, em 2017, fará um mix da Literatura com fatos históricos academicamente comprovados e aceitos. Será “A Palavra e a História”. Comecei a escrever profissionalmente ainda no site Recanto das Letras, em abril de 2006, e dois anos depois, já lançavam, em Niterói, “Viagens e Delírios”. “Sagitário” veio em 2011. “O Percurso da Paixão”, em 2013. Esses dois últimos é que foram lançados na Bienal. Vivo viajando e participando de eventos culturais e literários.

FB- O que falta para que você se sinta totalmente realizado na arte da escrita?

JL: Creio que mais nada. Não quero é que me falte jamais a paixão por escrever e a inspiração para escrever. Nada que um Domecq e/ou café não resolvam (risos)...

FB- Como foi que tomou conhecimento do “Recanto das Letras?”

JL: No final de 2005, tomei conhecimento da Usina das Letras, mas à época, as regras daquela casa não me deixaram muito confiante em desenvolver um futuro estilo de escrita. No Recanto das Letras em 2006, encontrei algumas coisas que me deixaram à vontade: a liberdade em escrever o que bem quisesse; a interação com pessoas realmente focadas em compartilhar literatura de qualquer tipo, tamanho e qualidade; o debate sobre as mais recentes aparições no mercado literário e editorial. Digo sem nenhum pudor: não fosse o Recanto das Letras, e jamais me imaginaria como escritor.

FB- Quais são suas preferências na música,no cinema,teatro e na arte de uma forma geral?

JL: No cinema, só não curto musicais. Vejo de tudo. Na música, a MPB, o Jazz Contemporâneo e o Samba de Raiz são prioridades na minha discoteca. Teatro, também curto todas as linguagens e releituras, mas com atores bons. Na arte em geral, a Literatura é top-de-linha, ‘hors-concours’; mas não há como negar o que nossos olhos vêem neste mundo fascinante: pintura e fotografia me tiram do sério, a ponto de inspirar-me textos consecutivos. Se observar uma imagem que me impacte, não há dúvida: lá vem texto novo...

FB- Você acha que temos uma boa safra de novos escritores?

JL: Temos sim, e não quero detalhar todos que tenho visto surgir, sobretudo neste século. Mas prefiro àqueles que criam realidades próprias dentro de realidades existentes. O contraste dos mundos, essa é a plataforma inspiradora da nova geração de escritores que me encanta.

FB – Um sonho que ainda deseja realizar?

JL: Istambul. África. Num barco, largar tudo p’rá trás e cabotar os litorais ainda virgens, numa litero-bolinação pelo mundo, pelos mares, registrando os últimos instantes de um mundo que caminha a passos largos para a extinção... Talvez seja a minha melhor obra literária. Quem sabe...?

FB– Uma pessoa pública que você admira e que serve como exemplo?

JL: Olha, tenho medo de me expor neste pormenor. Estamos vendo pessoas admiráveis comer farelo com tantos porcos, que prefiro observar a uma distância segura... Você aponta, nomeia, e depois...ops!

FB– Um poema de sua autoria que considera mais marcante em sua vida de escritor?

JL: Não sou muito de poesia, meu negócio mais é prosa. Mas o “Sexortográfico” (Viagens e Delírios, 2008, Ed. Muiraquitã, Niterói), catapultou-me ao epíteto, um tanto precipitado, de “poeta’.

FB– Que mensagem gostaria de deixar aos meus leitores do “Recanto das Letras”?

JL: Obrigado. São vocês que nos tornam escritores e poetas. Continuem por aqui, não para alimentar a nossa vaidade, mas para alimentar esse país de cultura. Essa é a verdadeira fome do nosso povo. Fome por uma cultura sua, que você vem buscar aqui segundo o seu paladar, e não por conta do cardápio que o mercado te obriga a engolir.



Texto de Jorge Luiz da Silva Alves

SEXORTOGRÁFICO
Jorge Luiz Alves
(Parte integrante do livro “VIAGENS E DELÍRIOS, Ed. Muiraquitã, 2008)

Faço sexo diariamente
Com cada palavra do vernáculo;
Com cada letra do alfabeto,
cada vírgula que, indecente,
pontifica-me as reentrâncias do cérebro;
levam meu coração ao êxtase, e
conduzem-me a um supremo espasmo,
traduzido em belo e quente gozar
nas teclas frias do computador.
Não importa como, quando e onde:
Elas me assediam e me possuem
Nas boates, bares, ruas, praças e puteiros do saber;
Ignoto, prostituo-me pelo bem da ciência
Do bem escrever;
Permito-me, másculo, à fêmea atratividade
Das metáforas envolventes,
Da rigidez conspícua dos sonetos – sextilhas, septilhas,
O bem estudado vai-e-vem dos eufemismos,
E mesmo a leviandade criminosa de alguns cacófatos
Fascina-me, impudico,
A cada litro-bolinação.
Aos poucos, cedo-me, introspectivo,
Aos bons e sorrateiros eflúvios, sonsos em charme
Dúbio para uma escandinava seriedade
De alguns neologismos;
E sofro, numa oferta profana,
Das introduções dolorosas das críticas literárias:
Minha vez há de chegar; e,
onomático, enfileirarei minhas algozes
para um decisivo acerto de contas
na revisão orgástica dos dicionaristas,
ejaculando em completa felicidade
a cada lançamento das edições.
Pois cada sexo bem caligrafado
É um rebento, por mim, inseminado,
O qual fecundo e doo ao mundo
Com incomensurável orgulho.


* Na foto acima Jorge autografa suas publicações "O Percursos da Paixão" e "Sagitário"
Fábio Brandão
Enviado por Fábio Brandão em 02/03/2016
Reeditado em 02/03/2016
Código do texto: T5561233
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