Entrevista para a FLAL (Festival de Literatura e Artes Literárias)

Entrevista que cedi ao FLAL em 3 de Novembro de 2015

(1) Pergunta da amiga Roberta F Souza – No início, que tipo de escritor/livro te influenciou?

Na minha época do colégio, por orientação e ‘obrigação’ do mesmo, li e conheci os livros de Maria José Dupré, Orígenes Lessa e Monteiro Lobato. Tinha em casa uma coleção inteira do TinTin que eu saboreava somente as imagens (era toda em Francês). Sempre busquei uma leitura alternativa em bancas de jornais, nas famosas revistinhas do Mauricio de Souza entre muitas outras disponíveis na época. Lembro-me, mais velho, comprando as revistas MAD, Playboy, Chiclete com Banana e os HQs do Sandman (Neil Gaiman), que tão logo tornei-me fã e um leitor assíduo. Há escritores que influenciam nossas vidas de forma saudosa e afetiva, pois um tal livro deixa sua marca em tal época que foi lido. Há escritores que deixam influência não somente por suas obras, mas contudo por sua maneira de ser e viver. É o caso de Manuel de Barros, Jorge Amado, Vinicius de Moraes e também obras fantásticas temperadas com vidas conturbadas como Sylvia Plath, Virginia Woolf, Ana Cristina Cruz Cesar e Leminski (entre outros). Há poucos anos dois livros foram quase que duas epifanias em minha vida: Canto Geral (Neruda) e O evangelho segundo Jesus Cristo (Saramago). A literatura é fascinante, seja como aprendizado, hobby ou distração para passar o tempo; para quem escreve, ler muito torna-se essencial, pois a leitura – a meu ver – deve ser uma rotina satisfatória, corriqueira e indispensável ao longo do seu dia a dia.

(2) Pergunta da amiga Cínthia Moretti – Você segue uma rotina de horário pra escrever?

Não! No computador há sim uma rotina, mas mais de organização e arquivamento do que da escrita propriamente dita. Tenho em casa diversos bloquinhos espalhados pelo quarto, escritório, sala, banheiros e varanda. Quando saio levo no bolso ou na bolsa, mas nunca saio sem; certa vez esqueci o celular; mas o bloquinho ainda não. Sou uma pessoa rotineira, quase pragmática em relação com minha saúde: faço meditação, corrida, preparo minha alimentação e afins; nos meus hobbies: escultura, escrita, pintura, leitura, filmes, boxe, música e afins sou aventureiro e deixo-me levar conforme queiram os ‘deuses’ (sem da minha parte impor normas, horários e regras)... Não tenho restrições de horários nem dias ou meses para a arte... Nunca aconteceu, mas acho que posso ficar meses sem escrever ou pintar que não entrarei em ‘alerta’, nem tampouco em pânico. Aproveitando a deixa, Cinthia, pego o gancho e tomo a liberdade de deixar um escrito sobre o assunto:

Letargia

- André Anlub

A depressão lhe caía ao corpo, lhe corroía as entranhas, doía todos os músculos, juntas e ossos, cegava os olhos e secava as artérias e veias; a depressão o fazia um tudo tardio e torto, era nua, vil e absoluta, era o toldo à chuva, era de tudo um nada e daquilo e daquele inquilino mais tosco e fosco, um todo; a depressão lhe subia senil do chão ao alvo que era o alto, bem no alto da ponta da cabeça; sugava-lhe o sangue, o suor, a saliva da boca, a seiva do sexo, e desbotava todos os brilhos, os bagos, os beiços até que escureçam; a depressão já chegou a tempo e lhe tapou os tímpanos com seu tampão tempestuoso; arrancava-lhe as pálpebras, os pelos e cabelos, desmascarava suas ilusões, seus enganos e seus festejos, o bolinava e brochava ao extremo, o fazia enfermo, ínfimo, verme, vesgo; a depressão podia até ter boa intenção, mas bem no fundo à esmo; era verduga, verruga e veneno. Mas e a garrafa? – A garrafa acabou e o copo secou. Não sobrou sequer um comprimido amigo, um som de piano, um ano pela frente, ou um enterro decente com carpideiras e enchentes; nada... nem um pano sujo com éter ou clorofórmio... nada, nem os coliformes fecais sobreviveram... nada, nem a cola de sapateiro, nem o padeiro gritando: pão!; nem o leiteiro gritando: flor!; nem o mendigo pedindo esmola e nem a bola do guri João. O dia rasteiro veio à sua busca, dar-lhe um sorriso sem anistia e lhe cobrir com um manto negro e tão grosso que asfixia... A noite vem chegando, mas não vai dar tempo de vê-la em vida, pois a sofreguidão é tamanha que lhe come a pouca e qualquer expectativa. É o fim do mundo: a depressão já fez outra vítima, endureceu a carne e enrijeceu a língua; a depressão abandona o corpo e voa sem sina na brisa... Mas soa um aviso à redondeza: não fechem as janelas – não temam as feridas.

(3) Pergunta da amiga Poliana Marques – Você prefere escrever em primeira ou terceira pessoa? Por que?

Estou no meu primeiro romance, ele é fictício e autobiográfico ao mesmo tempo. É um misto de coisas que realmente aconteceram com pitadas de ébrios devaneios e de sóbrias inspirações. Garanto de antemão que será um bom livro, uma leitura salutar e uma grande viagem de fácil compreensão (mesmo para quem não me conhece desde novo). O curioso é que comecei e assim segui escrevendo em terceira pessoa (será um livro grosso, já escrevi muito e acho que ainda estou em 1/4 dele), e um amigo leu e me confidenciou que ficaria melhor em primeira pessoa. Ainda estou na dúvida se farei a troca, pois vai dar um trabalhão – caso mude –, mas continuo escrevendo em terceira enquanto fico na indecisão... O que realmente importa é a evolução do mesmo.

(4) Pergunta da amiga Daya Maciel – Como foi a decisão de começar a escrever profissionalmente?

Ainda não me considero – nem sei se quero – um profissional! Na verdade penso pouco no assunto. Acho que em um futuro próximo, por causa da acessibilidade da internet, poderá surgir uma enxurrada de pessoas dividida em três grandes vertentes: a primeira enxurrada de talentos ocultos que serão revelados, arrebatados pela literatura, acorrentados pelo salutar vício e ofício de ler/escrever (farão sucesso e, caso queiram, venderão igual pão quente); a segunda enxurrada de escritores frustrados, que ambicionaram em demasia e focaram em um objetivo muito além de seu alcance... Esquecendo-se da essência das letras – a mágica da escrita –, causando assim desistências ou excesso de contingente no limbo literário (espero que não caiam em depressão); a terceira enxurrada de amantes das letras, que continuarão com suas mentes voando, sentido prazer em escrever, vagando entre o real e o imaginário, felizes por serem o que são e sem a menor pretensão de pretender. A meu ver o ideal é a gente só se frustrar quando quer... só para fugir da rotina! - Encaro a escrita como um hobby arrebatador – quase divino –, um divisor de águas que completou minha maneira de ver e viver a vida, desbastou minha alma e coloriu minha história.

Escrever é expressão, é dar pressão e se exceder; é no viver levar o mesmo com mais emoção. Aos que temem a caneta: que fiquem imbuídos de lançar a flecha, e terão a certeza de acertar, pelo menos, um coração.

(5) Pergunta da amiga Ana Fernandes – Qual foi sua inspiração para escrever?

A inspiração surge do cotidiano, do acordar de bem (ou não) com a vida, do corriqueiro, da novidade, da vaidade e humildade de ser um eterno aprendiz nesse mundo. Costumo dizer: escreva à tia, escreva às tantas, escreva à toa. No ano que resolvi escrever e lancei meu primeiro livro de poesias e textos, em 2009, eu só contava com uns vinte rabiscos... Alguns impublicáveis. Comecei então uma produção descomedida pois não queria um livro fino, queria algo com mais de 200 páginas, com desabafos sobre o cotidiano, política, vida e amores... queria lançar para o Natal e tinha menos de 8 meses para me inspirar, criar, escrever, editar e mandar para a editora (que no meu caso foi uma gráfica). Escrevia no ônibus, no taxi, no consultório dentário, no banheiro e até dormindo (acordava na madrugada com poesias que havia sonhado). Consegui! Mas para variar, e não fugir do de quase praxe, a gráfica atrasou e o livro foi-me entregue no comecinho de 2010. Costumo dizer que vendi mais de 100 livros ‘Poeteideser’ de 2010 até meados de 2011 só pelos correios (devo ter sonhado). Depois esfriou! – Agora, tempos depois, se somados todos os meus outros livros seguintes (livros com um pouco mais de maturidade, técnica e desenvoltura) mesmo assim só chego aos pés desse feito.

Se me permite, Ana Fernandes, lembrei-me disso:

Já arredei minha veste preta, vou vestir branco; demiti as carpideiras e com muito pesar darei "tchau" ao querido espaço Orkut; sinto-me muito triste, pois foi por lá que comecei meus primeiros rabiscos "online"... Lá vendi muitos livros ‘Poeteideser’ e fiz diversos amigos... muitos deles extravasaram para uma amizade mais perto, cá fora, com mais cheiro de verso e de gente; felizmente pude partilhar das rimas pessoalmente com alguns poetas e amantes das letras também fora das redes sociais e muitos ainda estou para conhecer. Bem, contudo, novas redes sociais vieram e virão, e a nau poética jamais afundará (nem se tacarem fogo em todos os livros e meios de divulgação), pois a poesia é eternizada no universo de cada ser vivo.

Em tempo, vão-se os papéis, drivers, pen drivers, nuvens e véus... mas ficam os enredos.

(6) Pergunta da amiga Laura Jane Silva Na sua opinião, qual é o maior obstáculo que um escritor enfrenta? saber o que mais agrada os leitores e conquistá-los, ou a falta de recursos e oportunidade de expor às suas obras?

Com certeza a falta de recursos. Acho que começar a escrever para agradar, é começar com o pé esquerdo (e dar um tiro no mesmo), é começar tonto e torto! Temos que focar em escrever para nós mesmos, às vezes o que gostaríamos de ler e às vezes até não... mas apenas escrever o que nos dá prazer. A escrita focando no que está em voga, no que é modinha é inevitavelmente reservar para o futuro a pá e o cal.

O lado bom da vida é fazer o que gosta

Não pingar colírio em olhos alheios

Viver para ser invejado é tiro no pé

É egoísmo com a própria alegria

É fazer com a falsidade parceria

É ser Zé Ruela, Zé Mané.

(7) Pergunta da amiga Mariana Moschkovich Athayde – Quantos anos você tinha e sobre o que era seu primeiro texto literário?

Eu e o pessoal da minha turma (Bairro Peixoto – Copacabana (RJ)) fizemos um jornalzinho de rua em 1983 chamado Jornal da Banche. Era um jornal voltado ao esporte, em especial ao skate e surf. Escrevi algumas matérias, textos pequenos e muito mal escritos que contavam nossas aventuras nos ônibus em buscas das ondas nos litorais fluminense. O Jornal era mensal e vendido ao preço simbólico de poucos centavos (uns 25 na moeda atual). Chegou a ter 4 edições. Se não me falha a memória, foram os meus primeiros rabiscos direcionados a outra pessoa (sem levar em conta as cartinhas de amor).

(8) Pergunta do amigo Luiz Amato – O que você acha da situação da cultura em nosso país?

Opa Luiz, antes de tudo quero lhe agradecer pelo convite. Fiquei muito feliz. Bem, sobre a situação já fui mais pessimista e não faz muito tempo! Atualmente (de uns 4 anos para cá) tenho visto museus lotados, novamente surgir gente boa na música, nas letras e nas artes. Vejo feirinhas de artesanato com obras fantásticas... e o principal: vejo crescer leitores (pelo menos em meus círculos), gente que se dedica e estuda, que se aprofunda e com o coração mergulha, não visando lucro com o banal – dentro do raso e vil (sempre existe tal pessoa, mas a gente se esquiva e segue nosso caminho). Vejo também os amigos de antologias se conhecendo; vejo surgirem academias e associações unindo os escritores e artistas de forma real e amiga, saindo da preguiça inerte do virtual, do escritor de sofá e divulgador que se limita em comunidades de redes sociais... Não somos de outras galáxias, temos como nos unir na carne e osso, sairmos um pouco da zona de conforto e darmos um abraço ao vivo sentindo o cheiro da poesia exalada pela aura do amigo. Atualmente temos as ‘armas’ da internet (para chegar a todos), mas é salutar também o contato ao vivo. De uns anos para cá vejo isso acontecendo com mais frequência. Agora, no início de dezembro, estarei em um enorme evento, com diversos amigos, no lançamento de duas Antologias em Salvador (BA)... Tem tudo para ser uma maravilhosa festa.

(9) Pergunta da amiga Sabrina Oliveira – Eu já vi leitores dizendo que um autor deve ser conhecido por um só gênero literario. Eu discordo. Pois se vc gosta de ler de tudo pq não pode escrever de tudo um pouco? Seguindo esse pensamento, vcs acham que tem preconceito dos leitores quando um autor gosta de variar os gêneros em seus livros? Acham que o autor seria mais reconhecido se focasse em um tema apenas?

Excelente e complexa pergunta! Nunca pensei nisso, pois quando leio apenas leio. Muitas vezes nem sei se o escritor variou de estilo e tem flertado com novos temas e/ou escreveu algo novo dentro de seu universo.

(10) Pergunta da amiga Vivian Santana Todo escritor gosta de ler. Quais os tipos de livros que vcs mais gostam e quais autores preferidos???

Gosto de poesias, sou um devorador inquieto, metediço e entusiasta. Leio os clássicos, mas leio muito também os amigos poetas; desde a época do bom e velho Orkut. Gosto também de ler os romances, principalmente quando escritos por pessoas complexas na vida real. Tenho uma curiosidade mórbida por suicidas, loucos e escritores controversos. Gostei muito de ler os livros ‘quase biográficos’: Confesso que vivi e Canto geral de Neruda, Ariel e A redoma de vidro de Sylvia Plath, A medida da vida de Virginia Woolf e Poética de Ana Cristina Cruz Cesar. Não são biografias diretas; são sutis, enigmáticas e perspicazes.