Silva no Divã

- Seu nome, por favor?

- Simplício da Silva.

- O que te aflige, tchê Simplício, que viestes buscar minha ajuda?

- Bem, relutei muito, acho meio frescura isso de fazer análise, mas, tô aflito demais com a situação do país, perdi meu emprego e muitos amigos meus também...

- E isso seria motivo pra buscar análise, invés um novo trampo?

- Não, claro! Mas, todo dia ouço de milhões que nos são roubados, contas na Suíça, políticos analfabetos milionários e toda prole também, e me pergunto quais valores vigem ainda; digo, se devo seguir sendo um otário honesto.

- Achas os honestos, uns otários?

- Que mais são, que pagadores da boa vida desses ladrões?

- É. De um prisma simplista onde tudo se resume à metal, faz certo sentido.

- Mas, diga lá, o que é um otário os seus olhos?

- Sei lá, um incauto que cai em enganos, seduções, e se deixa lograr...

- E você acredita na idoneidade de nossos congressistas? Na isonomia da PGR, na lisura dos Ministros do STF? Na necessidade dos ministérios venais, nos discursos do Lula, Dilma, Cunha, Renan, Maluf e assemelhados?

- Não!!! Claro que não, são todos embusteiros, ladrões mentirosos...

- logo, eles não enganam você.

- Não, mas. Têm as chaves dos cofres, das instituições instrumentalizadas, muito de mídia de aluguel ao seu favor, além da ignorância cooptada de muitos que ainda acreditam neles. Apesar de safados, estão podendo ainda...

- E quanto a isso, o poder, como o conceituas?

- Ora, mandar nos outros, dominar os meios de riquezas, as instituições, como esses párias fazem.

- Diga; algum desses, consegue fazer um discurso mui breve, sem mentir?

- Não. Faz parte de seus “caracteres”.

- Você poderia?

- Claro! Estou falando só a verdade com o senhor.

- Logo, podes mais que eles.

- Nesse prisma sim. Mas, caráter não enche barriga, não manda os safados pra cadeia.

- Seria justo prendê-los, portanto?

- Claro, merecem isso, todos; seria justo.

- A justiça lhe parece uma coisa boa?

- Lógico, excelente!

- E a eles, como parece?

- Boa, quando persegue desafetos, é má quando lhes acusa.

- A mesma coisa pode ser boa e má ao mesmo tempo?

- Em verdade não, mas, eles desconhecem a verdade.

- Então, além de caráter lhes fata luz; são ignorantes?

- Parece necessário.

- Mas, mesmo ignorantes e imorais estão montados na grana; podem comprar o que quiserem.

- Mesmo caráter, sabedoria, probidade, honra?

- Não, claro, essas coisas o dinheiro desconhece.

- Quer dizer que podem comprar o que já lhes sobra, bens de consumo, e não podem adquirir o que lhes falta?

- É, essas coisas não podem mesmo.

- E quem é mais pobre? Quem eventualmente padece necessidades, ou, quem em momento algum pode suprir o que mais necessita?

- Cacete, Doutor! O senhor com essas manias de valores morais me irrita. O fato é que a Choldra faz e acontece, rouba, vilipendia, cobre mentiras com mais mentiras, lobos ajudam raposas, a conta sempre é paga por nós, a sociedade parece sonolenta, incapaz de se indignar, de botar fogo no circo deixar de ser palhaça, e colocar esses pária na cadeia... Desculpa aí, mas ficar filosofando sobre valores nem toca na crosta endurecida dessa merda.

- Bueno, pensei que viestes ao meu Divã preocupado com sua alma inquieta, mas, vejo que trazes toda a sociedade para a mesma consulta. Bom seria, aliás, se coubessem todos nessas reflexões, pois, muitos dos que deploram aos grandes corruptos e ladrões, o são também, embora, em escala menor, dada sua influência. Cruzam sinal vermelho, furam filas, estacionam em local proibido, ignoram quando recebem troco a mais, etc... A sociedade em sua maioria está podre, por falta de valores, de referenciais, de luz. Se, a maioria é gente honesta como devaneiam alguns, porque só uma minoria se indigna? Muitos vendo ao grandes ladrões encaram ao ideal que querem ser “quando crescerem”. Há um congresso apodrecido; um Executivo cleptocrata, e um judiciário vicioso e venal... Por quê? Porque a sociedade cultua, na prática, a safadeza, o jeitinho, a burla. Você está incomodado com a floresta e veio a um que, só cuida de algumas sementes... Sou um analista, não, um revolucionário. Certas coisas demandam motosserras, machados; mas, às vezes acontece um incêndio “espontâneo”, e o vento se associa ao trabalho. Os que pensam que só vale à pena cuidar das coisas “práticas”, e que valores morais são frescura, não passam de imbecis que se irritam com alvos errados; quando sentem os lapsos da “frescura”, na prática. Toda ação deriva de algum valor; natural que se apequene uma nação gerida por gentalha que não vale nada.

* Leo Nom Santo, Psicólogo formado em Fake City