*LINK: http://mamiferosblog.tumblr.com/post/131165052498/entrevista-com-alexandre-coslei

MINIBIOGRAFIA:
Alexandre Coslei é escritor e jornalista carioca, também agrega formação em Letras pela UFRJ. É autor publicado (“Os paralelepípedos da Vila Mimosa”, além de constar em diversas coletâneas de contos) e já foi premiado em concurso literário promovido e apoiado pela Secretaria de Cultura do Estado do RJ. Possui colaborações no Jornal Observatório da Imprensa, Jornal O Dia e teve textos republicados em diversos periódicos e sites da Internet. Colabora regularmente com o site Obvious Magazine e em seu próprio site, o “Parágrafo”.
 
 
1- Existe crítica literária no Brasil ou a corrupção chegou no limite? Críticos são vendidos? Críticos se interessam apenas em resenhar livros por grandes editoras?
 
Crítica literária, no sentido real, não existe mais por aqui. De preferência, um crítico literário deveria ser um profissional qualificado, com uma formação acadêmica ou empírica que lhe desse ferramentas para analisar com profundidade uma obra. Hoje, o que temos são os palpiteiros de livros, os caras leem e escrevem uma redação colegial que chamam de resenha. Considerando que os palpiteiros são os críticos modernos, podemos dizer que a crítica virou uma prostituta de beira de estrada, que bota uma perna de fora e dá mole, às vezes, em troca de um exemplar de livro como presente. Não é bom generalizar, mas é o que acontece, quase como regra, atualmente. Eu mesmo me rendi, não me atrevo a escrever uma crítica elaborada porque não vão ler nem duas linhas, então optei por escrever as tais resenhas, mas com estilo. Procuro descrever minhas impressões emocionais sobre a obra, não me prendendo apenas ao conteúdo do livro, minha análise associa sensações e ideias que me ocorreram durante a leitura.
 
2- O escritor brasileiro contemporâneo é um estelionatário?
 
O escritor brasileiro é produto de feira, é uma banana ordinária vendida na xepa. Sempre digo isso, fico com a impressão que existem muito mais escritores do que leitores. O visionário não pensa em ser escritor, ele abre uma editora e fatura algum, porque o que tem de gente querendo publicar não está no gibi. A literatura virou um negócio, é Literatura S/A. Desse turbilhão de gente que escreve, se destacam meia dúzia. Escritor para aparecer não necessita tanto de talento, precisa de um influente assessor de imprensa, de verba para divulgação, de network, agente literário e por aí vai. Sucesso em nosso tempo deixou de ser fruto da qualidade do trabalho, é um produto que você pode adquirir se tiver grana. Sempre foi assim? Acho que não, hoje é mais fácil você comprar atalhos. O escritor brasileiro contemporâneo, principalmente os jovens, parecem buscar um padrão e não um estilo próprio. Acho que por isso é que proliferam tantos professores de “escrita criativa” por aí.
 
3- Prêmios literários significam alguma coisa? Tem autores publicando por editoras pequenas que valem mais que muito peixe grande patrocinado por barões do mercado das letras?
 
Sem dúvida, as editoras pequenas apresentam aos leitores muita gente que ficaria no limbo se dependesse da boa vontade das grandes corporações. Ainda acredito em alguns Prêmios Literários, são eles que dão visibilidade para bons autores e pequenas editoras que ficariam no anonimato absoluto se não fossem esses Prêmios. Infelizmente, premiações como o Jabuti não permitem que qualquer um participe, não são tão democráticos, devido aos valores das taxas e o nível de exigência burocrática que praticam. É preciso democratizar, facilitar o acesso de escritores de todas as classes sociais. Cobrar taxas e impor burocracias que oneram o autor gera uma elitização do concurso, isso empobrece, é péssimo.
 
 
 
4- Nelson Rodrigues vingaria nos dias atuais? O politicamente correto e a busca por premiações estraga a literatura brasileira? O moralismo, a patrulha e a militância nas redes sociais tem podado a criação de novos autores?
 
Nelson Rodrigues era um demolidor de mentiras, ele desmontava hipocrisias com arte, com certeza ele faria a festa no século 21. O que mais temos em literatura são farsantes, porque é uma arte que não pede qualificação. A pessoa senta, escreve qualquer delírio e diz que fez um livro. Se for mal escrito, diz que é estilo; se tiver erros de gramática, diz que preferiu a linguagem coloquial; se o livro for ruim, afirma que não escreve literatura, mas que cria entretenimento. Ou seja, descobriram muitos novos eufemismos para a palavra porcaria. Quem escreve precisa ter coragem, não pode se intimidar com patrulhas ou moralismos. Particularmente, sinto muita falta de uma literatura mais engajada, menos alienante, menos banal.  A mercantilização da literatura, essa obsessão por sucesso imediato, leva muita gente a escrever bobagens para se encaixar num mercado que nem eles compreendem direito como funciona. Vejo que a maioria busca um reconhecimento instantâneo, baseado numa identificação com temas comerciais. A premiação maior que essa gente almeja é sentar ao lado do Jô Soares para postar no Facebook no dia seguinte. Não evoluem. Isso é literatura?
 
 
5- Literatura tem sexo ou só existe literatura boa ou ruim? Existe esse negócio de literatura feminina e masculina?
 
Arte não tem sexo. Nem acredito em literatura boa ou ruim. Temos uma manifestação artística que chamamos de literatura, feita por escritores que se arriscam na estética e na experiência profunda com a palavra; do outro lado temos um camelódromo, onde ficam aqueles que querem escrever o que vende.
 
 
6- Ser um crítico barra pesada atrapalha sua relação com escritores e editores? Sente que rola um desprezo ou falsa indiferença? A crítica afasta e ressente as pessoas?
 
Sim. Desconstruir mentiras ofende algumas pessoas. Por coincidência, fui bloqueado recentemente por um desses “jovens escritores” midiáticos. Deduzi que isso ocorreu, provavelmente, pelo tom das minhas críticas e pela diferenciação que faço entre arte e o produto descartável que chamam de entretenimento. Há espaço para os dois, tanto a arte como para o entretenimento, ambos cumprem uma função social. Só ressalto que a arte pode ser entretenimento, mas o que é feito para ser entretenimento dificilmente pode ser classificado como arte, está mais para um produto industrial. O problema dos jovens que alcançam algum sucesso artificial é que se deslumbram na imaturidade, se tornam arrogantes e pecam pela deselegância. Ser um escritor reconhecido não é aparecer em selfie com ator global, isso não agrega em nada e nem provoca a reflexão que a arte pressupõe. Com editores nunca tive problemas, a maioria desses profissionais são pessoas inteligentes e que enfrentam bem o debate de ideias.
 
 
7- O jornalismo morreu? Você consegue transitar entre ficção e realidade diariamente? É tudo uma grande lorota?
 
O jornalismo não morreu e nem irá morrer, mas passa por uma crise de identidade, ficou obsoleto, perdeu o bonde da evolução. Com as Redes Sociais, os Blogs, a Internet, todos nós nos tornamos jornalistas. O macrojornalismo formal, das grandes mídias, não conseguiu ainda se adaptar ao microjornalismo individual praticado na Rede. A pior consequência disso é a confusão e o conflito que vivemos entre saber o que é mentira e o que é verdade, o que é ficção e o que é realidade. Tudo exige confirmação e busca por fontes confiáveis. Passamos a viver em Matrix. Sobre a minha literatura, só consigo escrever ficção buscando temas no ambiente que me rodeia, tenho preferência por escrever histórias que estejam engajadas com o universo social que observo.
 
 
8- Fale um pouco sobre seu livro “os paralelepípedos da vila mimosa”.
 
Escrevi “Os paralelepípedos da Vila Mimosa” em menos de um ano, foi uma ideia que nasceu de uma dessas observações sociais que citei anteriormente. Acho que passei 1 ano frequentando a Vila Mimosa, uma famosa Zona de baixo meretrício carioca. Convivi ali com prostitutas, cafetões, policiais, gente barra pesada. Lembro muito de uma velhinha de Santa Catarina que vinha conversar comigo, me pedia sempre para pagar um lanche e me contava as histórias do seu apogeu como meretriz. Quando descobriram que eu era jornalista e escrevia sobre a Zona, comecei a ser intimidado por algumas figuras que se diziam seguranças da área e vi que era hora de pegar o material que eu tinha recolhido e começar um livro ou vários. Os “Paralelepípedos” foi a primeira coletânea que criei a partir desse material, elaborei também um livro experimental que irei lançar pela Amazon e que se chama “O Paraíso de Dante”. Este segundo livro veio de uma vivência jornalística que tive em fóruns de sexo, sites em que clientes resenham sobre experiências sexuais com prostitutas. Um detalhe interessante que testemunhei nesses sites é que muitos desses clientes da prostituição, dos que escreviam sobre as próprias experiências mundanas, se apaixonavam pelas garotas de programa e alguns até se casaram com prostitutas de quem foram clientes. “O Paraíso de Dante” tem uma pegada meio Sade e está mais para uma pornografia literária. Nos dois livros escolhi me misturar com os personagens reais, com a atmosfera que eles respiravam, dessa opção brotaram textos que seguem os meus primeiros passos na direção de um jornalismo literário, um gênero que me atrai. Ser escritor é fácil, mas ser um bom escritor requer treinamento. Estou treinando.
 
 
9- Qual escritor da história da literatura universal você gostaria de bater um papo e pagar uma cervejada?
 
Para pagar uma cervejada, não pode ser um escritor muito sisudo. Eu passei a cultivar uma grande admiração por Sade, que vejo como o primeiro escritor que conseguiu unir um engajamento político à frivolidade do sexo e fazer isso não é fácil. Escolheria ele para tomar uma cerva. Além disso, Sade teve o mérito de criar um estilo sofisticado escrevendo pornografia. É disso que eu falo, um verdadeiro escritor, um artista, é capaz de transformar qualquer coisa, mesmo os temas mais efêmeros, em arte e em consciência.
 
10- Como gostaria de morrer?
 

Em silêncio. 

Secretaria de Cultura do Estado do RJ. Possui colaborações no Jornal Observatório da Imprensa, Jornal O Dia e teve textos republicados em diversos periódicos e sites da Internet. Colabora regularmente com o site Obvious Magazine e em seu próprio site, o “Parágrafo”.
Alexandre Coslei
Enviado por Alexandre Coslei em 14/10/2015
Reeditado em 14/10/2015
Código do texto: T5414426
Classificação de conteúdo: seguro