Entrevista - PAULINHO DHI ANDRADE (Literatura) - SP
(Paulinho Dhi Andrade foi salvo pelas letras, ele mesmo confessa. Passando por crises existenciais profundas, encontrou na expressão literária os motivos para prosseguir na luta. Autor de "A Tragédia dos Mentirosos" (contos) e "Eu Te Amo, Papai" (romance), ele conta aqui, neste depoimento, um pouco de sua trajetória)
1) Quem é Paulinho Dhi Andrade?
PDA: Sou uma cópia de mim mesmo.
2) E quem (ou o quê) é o original?
PDA: Tenho dúvidas, principalmente quando escrevo. O ato de escrever me parece tão real que para não encarar uma desilusão muitas vezes prefiro fechar os olhos...
3) Nessa sociedade contemporânea, onde o pós-modernismo determina a cultura pelo fragmento, o que pode o artista?
PDA: O artista pode tudo. Ele tem o poder. Mas utilizando do velho entendimento que "nem tudo convém", é preciso tomar cuidado com a própria arte. Por exemplo: um autor escreve sobre política, e crescimento econômico de uma nação, de repente ele resolve por em prática sua arte, ai eu pergunto: Ele conseguiria levar a sério sua ideia exposta de forma artística a ponto de não se corromper? Tenho essa dúvida desde de que li "A Revolução dos Bichos", e também quando tomei conhecimento de muitos que no passado lutaram por uma nação melhor e hoje nos envergonham...
4) Robert Filliou asseverou que "Arte é o que faz a vida ser mais interessante que a arte". Você poderia comentar sobre isso?
PDA: Concordo. A vida já é uma arte em si. No entanto parece que somos todos artistas porque criamos um modo de viver, mesmo sentindo ou sabendo que a vida não existe, o que existe é a morte. Passamos a morrer a partir do momento em que somos gerados, pois passamos a envelhecer, então não vivemos, morremos... Parece-me que a maior arte criada é a vida.
Vou complementar a resposta com um pequeno poema...
"Às vezes parece ser tão difícil ter que ficar aqui.
Talvez o que nos faz suportar o peso que é viver, seja o lado romântico que a vida nos proporciona.
nós somos incríveis...
"Jesuis Cristin"
"Quié Pai?"
"Venha cá, seu mininu..."
"Já tô inu, Pai"
"Pronto Pai, qui cê quê?"
"ôi Jesuis, vô botá ocê na iscola. Cê vai lá pra Terra aprendê di tudo que eles insinam lá, inté essi tal de negócio qui é morrê, adispois cê vorta pra dize u qui é."
"Tá bom, Pai."
"Otra coisa, a respeite todos os seus professô, visse? Agora vai, mininu, vai cum Deus..."
"Há, há, há... tá bom Pai, fica com Deus tamém."
Nós somos incríveis.
Somos tão incríveis que conseguirmos até... morrer.
5) Como foi a sua infância e juventude?
PDA: Minha infância foi, de uma forma ou de outra, feliz. Lagos, banho de chuva, uma namoradinha amiga, sem noção do que era sofrimento e muio mais...
Minha juventude, a partir dos 12 ou treze anos, já foi diferente. Comecei a me perder na vida. Uso de bebidas alcoólicas, maconha e vários tipos de comprimidos. Enfim, dominado pelo vício. Trafiquei, assaltei, muitas vezes me vi obrigado a atirar contra bandidos e policiais... Quando entrei para a vida do crime, foi com a intenção de levar comida para casa, mas isso acabou ficando em segundo plano, pois meu vício precisava ser alimentado. Entre os quatorze membros do grupo eu era o único que lia escrevia. Eu estudava muito, mesmo sob os sorrisos irônicos dos demais.
6) E quando foi que sentiu os primeiros pruridos que o levaram para o mundo da criação artística?
PDA: Eu comecei a escrever pequenos poemas aos doze anos na escola. Comecei a me interessar por livros aos nove, lembro que o primeiro livro que li foi "O menino de asas" da coleção Vaga-Lume. Depois vieram vários, mas o que mais me chamou a atenção foi: "Lúcio Flávio, o passageiro da agonia" e "Papillon". Aos quinze anos ganhei do diretor de uma escola, onde eu fazia um curso de pintor letrista, o livro "Coração de onça" da coleção Vaga-Lume, por ter sido o leitor mais assíduo num período de quatro meses. A partir daí comecei a ler mais ainda e a produzir versos e pequenos contos que hoje já não existem mais, os perdi...
7) Conte agora como foi escrever e publicar "A Tragédia dos Mentirosos", a pequena coletânea de 4 contos.
PDA: Em 1997 participei pela primeira vez em uma antologia poética pela Editora Phisys, provavelmente já extinta, e no mesmo ano fiz minha primeira exposição de poemas e contos no Parque Chico Mendes, zona leste de São Paulo. A partir daí comecei a cogitar a ideia de escrever um livro de poemas, mas meus poemas eram muito do contra, eu criticava muitos religiosos e políticos, sendo que no tempo de escola meus versos eram de amor. Certa vez cheguei da rua dopado de bebida alcoólica e comprimidos e comecei relembrar minha vida, desde o tempo em que havia entrado para o crime. Perguntei-me: "O que você quer da vida, Pardal?". Foi ai que peguei um caderno de brochura e comecei a escrever tudo que me vinha na cabeça. Comecei a escreve às 23 horas e terminei às 7 da manhã...
Então lembrei da vontade que tinha de lançar um livro. Entrei em contato com a Phisys Editora e negociamos um valor, não lembro qual era a moeda usada na época, mas sei que custou muito caro.
Eu trabalhava no Hipermercado Carrefour e meus amigos de serviço sempre faziam festas na casa de outros comprando bebidas em lata, e toda vez que acabava a festa eles juntavam tudo, as amassavam e me entregam para que eu as vendesse e conseguisse o dinheiro para pagar a Editora. Minha ex-esposa, Miriane Carolina, também me ajudou muito, me emprestando dinheiro para completar o que eu já havia conseguido.
Com 300 livros nas mãos, tive que vender de mão em mão, pois a Editora era pequena e não fazia distribuição em livrarias. Vendi 200, dos cem que sobraram eu doei para bibliotecas e também vendi para alguns amigos, e ainda não recebi, já faz mais de quinze anos. rsrsrs
Em 2000, fiquei internado numa clínica do governo para fazer tratamento de minha depressão. A psicóloga da clínica me levou até a faculdade Cruzeiro do Sul para apresentar meu livro aos alunos de psicologia. Eles me fizeram muitas perguntas sobre a obra e outras coisa mais. Acabei vendendo livro para a sala inteira e ainda por cima o professor deles usou um dos contos, "Edna, infeliz para sempre", como tema de aula. Isso me deixou muito contente.
8) E como foi escrever "Papai, eu te amo"?
PDA: Foi-me uma experiência incrível. Estava muito doente, depressão profunda, e resolvi dar fim a tudo. Comecei a me despedir de meus amigos na rede social e de repente senti vontade de ouvir música. Como gosto muito de ouvir a Ave Maria, coloquei para tocar. E foi ai que comecei a escrever algumas memórias e sensações que estava sentindo em relação a muitas pessoas, inclusive a minha amiga Thainan que eu, de alguma forma, passei a tê-la como filha em outras vidas, como se eu acreditasse nisso.
Todas as noites eu escrevia várias páginas, cheguei a escrever 450 páginas em 38 dias, sempre ouvindo a Ave Maria. Reduzi o livro a 220 páginas, até agora não sei porque fiz tal coisa, poderia ter deixado, mas...
9) Tem alguma coisa em planejamento para um futuro próximo?
PDA: Sim. Estou escrevendo três livros ao "mesmo tempo", sendo que o terceiro é o que eu mais darei atenção. Nele eu conto a história de um homem que depois de ter, supostamente, se desiludido com algumas religiões, torna-se ateu. Quando morre descobre que foi parar no Inferno. Então, com a alma cheia de conflitos e dúvidas, chega a acreditar que de lá nunca mais sairia, mas... ele descobre uma maneira de escapar... e saí do Inferno de cabeça erguida.
O livro ainda não tem título.
10) Tem alguma pergunta que não fiz e você gostaria que eu tivesse feito? Se sim, por favor formule-a você mesmo, responda-a e poste aqui. Obrigado, abraços.
PDA: Apesar de se considerar ateu, por que em seu livro "Eu te amo, papai" você chama a atenção para a "Fé" em todos os âmbitos?
PDA: Faço isso porque acredito que a "Fé" me parece ser muito confundida com o "Medo".
Qual seria a resposta de alguém que diz ter muita fé em Deus se eu lhe perguntasse: "Você tem fé em Deus porque Ele merece ou porque você tem medo de ir para o inferno?"
Parece-me que muitos tentariam enganar a onisciência de Deus alegando que o inferno não lhes provocaria medo algum...
11) Dessa pergunta que você formulou e respondeu, surgiu-me outra: por que essa obsessão por Deus? Você, como ateu que afirma ser, não acha que cita demais a personalidade de Deus?
PDA: Nietzsche também foi suspeito quanto a isso, mas na verdade só tento entender aqueles que se dizem cristãos ou de outra religião e no entanto fazem totalmente o contrário à vontade de seu Deus.
12) E o que é "a vontade de Deus"? Aliás, qual Deus? O judaico-cristão? E como ficam as outras religiões monoteístas, que apresentam deuses similares e dogmas parecidos?
PDA: Talvez o que falta em tal conceito seja a compreensão de que se Deus existe, ele é um só. Provavelmente a diferença de culturas fez com que pudéssemos criar os nossos próprios pensamentos relativamente divinos.
Antes dos homens chegarem aqui, os índios já acreditavam em Tupã.
Quem disse a eles sobre tal divindade? Seriamos extra-terrestres vindo para a Terra numa provável poeira cósmica, cada qual de um sistema solar com crenças diferentes? Talvez isso explique as raças e línguas variadas. Parece que criamos um deus a cada necessidade, quem já não teve confiança em amuletos? No pai, na mãe, no irmão mais velho?