Entrevista com Eveline de Abreu
Por Marcio Salgado
Eveline de Abreu é da área de Comunicação e criou métodos para treinar e capacitar em produção de texto, por meio de aulas particulares, inclusive, a estudantes de jornalismo e de publicidade. Cidadã do mundo, nasceu no Ceará, viveu no Rio de Janeiro e na Bahia. Ultimamente e durante bom tempo, morou na Côte d'Azur, sul da França, e radicada no norte de Portugal, há quatro anos.
Para ela, escrever é ato “único e sólido, que se presta e se adapta a qualquer circunstância”. E há alunos que se motivam por necessidades imediatas, como a realização de concursos, trabalhos acadêmicos, elaboração de relatórios profissionais, assim como os que se interessam em registrar o romance familiar e, até mesmo, a vida sentimental. No final, tece um elogio à literatura, para ela, a arte mais fina e a mais árida, também.
Reencontrei Eveline em Lisboa, no início de uma primavera. Entre passeios no Rossio e o Chiado, onde sentamos no Café A Brasileira, frequentada por Fernando Pessoa, trocamos impressões sobre a beleza da língua portuguesa e comentamos a diversidade linguística de brasileiros e lusitanos.
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– Como é a sua vida fora do Brasil?
Na França, mais estrangeira aos modos que às modas, parodiando Gilberto Freyre. E a aldeia global prevista por McLuhan não toca nem de leve os detalhes mais imediatos da existência, como comer, beber, amar e pensar. Portugal tem seus costumes, mas, de certo modo, confundimo-nos e nos diluímos na paisagem humana.
– O que é o Texto&Contexto?
É tão somente o prolongamento do que fiz durante um bom tempo da vida profissional. A novidade é o meio: as plataformas virtuais, como o Zoom, Skype, Google Meet...
– De onde vem a ideia?
De quando fui convidada para criar e chefiar a assessoria de Comunicação em um órgão do estado da Bahia, em Salvador. Eu contava com uma saleta, duas excelentes revisoras e uma secretária, mas não tinha ninguém que redigisse. Então, pedi ao setor de Recursos Humanos para procurar estagiários de jornalismo na Universidade Federal da Bahia. Eles, querendo aprender a escrever, e eu, precisando de quem escrevesse. Uma equilibrada convergência de interesses e necessidades. Muito rapidamente, tornamo-nos um núcleo de referência, a ceder estagiários já prontinhos para unidades como a TV Educativa e a Rádio Educadora. Quanto a mim, eu diria que escrevo bem antes de viver de escrever.
– Por que o curso?
Sem português, não há como redigir. E seu ensino é objetivo, com regras e exceções a aplicar na hora de escrever. A produção textual já é mais sutil, pela relação íntima com a sensibilidade e a maneira pessoal de ver o mundo. Há dicas, macetes, mas é impossível que o aprendizado se dê fora do texto e do estilo de cada um. É um exercício puramente empírico. E acompanhar a evolução do aluno na organização das ideias sobre o papel é fonte de grande satisfação.
– Você não é favorável à especialização dos cursos de redação. Por que razão?
Artifício de mercado um tanto parecido com ter várias receitas para fazer um bife, apenas porque as carnes são diferentes. Digo sempre que escrever é um ato único e sólido, que se presta e se adapta a qualquer situação. Não importa se tese, relatório, concurso, cartas de amor, discurso de formatura, roteiro de cinema, ou qualquer outra forma. Conhecendo a estrutura exigida de cada modalidade, o resto é ir preenchendo os 'compartimentos' de cada uma.
– Afinal, escrever está ao alcance de todos?
Um pouco de estima pela língua e o conhecimento de gramática são, evidentemente, bem-vindos. O principal, no entanto, é vontade – a boa vontade – do aluno, o que não tem a ver com talento. Funciona melhor se ele for empenhado e não forçado a ter aulas, pois, assim, elas viram um tédio. Gosto de utilizar artifícios. Como a perfeita analogia entre escrita e fotografia, o 'embelezamento' pela supressão de certos verbos, a economia de artigos e pronomes e o despertar do sinônimo adormecido. No decorrer das aulas, essas e outras pequenas 'pirotecnias' podem ser bastante estimulantes.
– E a respeito dos textos acadêmicos?
Os textos acadêmicos mostram quase sempre uma escrita incipiente, apesar dos temas interessantes. Os professores que conheço são unânimes em dizer que terminam tropeçando no estilo confuso e na má ortografia do aluno, quando seu papel é outro, o de orientar as ideias.
– Sobre as agências de publicidade funcionarem com trios em vez de duplas de criação?
Se o hiato que separa a redação publicitária da jornalística desaparecer, reitera-se a tese de que escrever é um ato único e sólido. Desde 2015, fala-se que as agências vão virar publishers. Para quem quiser dar uma espiada no assunto, sobretudo quem é estudante de Comunicação, há matérias bem bacanas, cujos links estão no rodapé .
– Para onde vão a publicidade e o jornalismo em tempos de ciberespaço?
O que vemos, mais intensamente desde o fim do século 20, é a democratização do uso da Internet, que gera novos modos de interconexão/comunicação e, portanto, de estar no mundo. Impossível a publicidade e o jornalismo passarem ao largo do fenômeno que, por tocar diretamente o indivíduo, abrange-os, também. É aqui que se dão a hibridização entre ambos e a consequente dificuldade de delimitar o campo do jornalismo e o da publicidade. E o chamado marketing de conteúdo põe por terra o clássico jargão da área de Comunicação – está aí a geração anterior que não me deixa mentir.
– E sobre o ofício da literatura?
Ah, aqui, sim, tem que haver o talento. No Facebook, desfilam bobagens, fazendo apologia do livro, como se o objeto contivesse automática e obrigatoriamente literatura. Confusão gerada pelo casamento infeliz da ingenuidade com o desconhecimento. A literatura, a mais ingrata e árdua expressão da arte, é, de todas, a mais fina. Não conta a não ser com tipos pretos e uniformas enfileiradinhos em linhas e linhas sobre a monotonia do papel em branco. Nela, não há o auxílio espetacular da cor, da luz, do som, do movimento. Por isso tem que ser a um só tempo harmoniosa, vigorosa. Como escritor e como leitor, você sabe disso.
- Para falar com você?
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