61 ANOS DO SUICÍDIO DE GETÚLIO VARGAS HEROI OU VILÃO?

RECANTO DAS LETRAS: Antes de perguntarmos quem matou Getúlio Vargas, o que representou a sua vida e morte para a política no Brasil?

FAGNO SOARES: A figura política de Getúlio Vargas está dentre as mais ambíguas de toda a história do Brasil. Getúlio oscilou entre popular e elitizado, democrático e ditatorial, trivial e aristocrático, ameno e arrojado, nacionalista-trabalhista e estrangerista-industrialista, foi o ‘pai dos pobres’ e a ‘mãe dos ricos’, conforme os anseios e as necessidades para conquistar, manter e aumentar o seu poder. De fato, a vida política e sua morte marcaram inevitavelmente a História Republicana do Brasil como um líder civil singular e grande articulador político, responsável inclusive em republicanizar, ou seja, politizar o Brasil do século XX.

RECANTO DAS LETRAS:O ano de 1930 ainda é muito estudado por vários historiadores. Foi Revolução ou Golpe?

FAGNO SOARES: Faz-se mister descontruir a idéia de 1930 enquanto revolução, mas de golpe, uma vez que não rompe com as estruturas sociais e econômicas vigentes. Vale ressaltar que tanto em 1930, 1937 e 1964 ocorreram golpes sem significativa participação popular, mas com decisivo apoio dos militares que conduziram Vargas ao poder em 30, mantiveram-no e depuseram-no por duas vezes em 45 e 54. Historicamente, o Brasil nunca fez surgir uma legítima revolução como na Rússia ou até na França em 1789 e 1917, respectivamente.

Sabemos que Getúlio foi o presidente que mais tempo passou no poder. Quanto tempo? De fato, ao todo foram exatos 18 anos, 6 meses e 19 dias de governo, do que se convencionou chamar de período getulista, a rigor, é dividido em três fases: Governo Provisório iniciado em 03 de novembro de 30 [1930-1934], Governo Constitucional [1934-1937] e Governo Ditatorial ou Estado Novo [1937-1945] terminou com a renúncia em 29 de outubro de 45. Em 1931 de janeiro de 1951 ele retorna eleito pelo povo até sua morte em 24 de agosto de 1954.

RECANTO DAS LETRAS:Como definir o Período Getulista? Por que ele se tornou um mito?

FAGNO SOARES: É um período cambiante no mínimo paradoxal com suas continuidades e poucas rupturas e capaz de postergar a burguesia industrial e o proletariado urbano com um discurso trabalhista e desenvolvimentista, respectivamente. Iniciou-se com o Golpe de 1930 e culminou com sua morte. Para que emergir-se em torno de Vargas, o mito foi preciso mais que carisma, mas, um contexto histórico que facilitou a construção mítica. O mito Vargas começou a ser construído pela propaganda do Estado Novo através do DIP que encomendou sambas, livros, poemas e muita publicidade através do rádio, instrumento a época de dominação ideologia no Brasil. Seria, portanto incorreto atribui exclusivamente a Vargas todos os louros do Período Getulista. Porém é inegável que as bases para o Brasil Contemporâneo com a modernização da sociedade brasileira foram lançadas neste período.

RECANTO DAS LETRAS:A figura de Getúlio está associada a muitos estigmas. Podemos afirmar que ele era o ‘pai dos pobres’ ou a ‘mães dos ricos’? Herói ou vilão?

FAGNO SOARES: Nem uma coisa, nem outra. Devemos romper com a visão maniqueísta da luta do bem contra o mal. É preciso não absolutizar e quebrar os esquemas binários e reducionistas quando se tratar de Vargas, afinal na história ninguém é só herói ou vilão, bom ou mau. A sua política de aliança e compromissos lhe conferiu os títulos de pai dos trabalhadores urbanos, fazendo órfãos os trabalhadores rurais. Foi mãe das elites urbanas ao mesmo tempo madrasta da aristocracia rural. Evitar anacronismos é salutar quando se pretende compreender a história de Getúlio com toda a sua complexidade. O próprio Vargas, chegou a afirmar que preferia ‘se interpretado’ a ter de se explicar’, bem sabia do seu caráter ambíguo para a história. Cabe então, a nós historiadores a difícil tarefa de analisá-lo. É próprio de um povo fabrica seus heróis para justificar seu momento histórico. O que neste caso não convém, já que Getúlio se fez herói.

RECANTO DAS LETRAS:Quanto ao Período Ditatorial de Vargas, além dos atos próprios de uma ditadura, o que de realmente significativo foi realizado?

FAGNO SOARES: Ficou conhecido como Estado Novo, um dos momentos mais controversos do Governo Vargas. Sua política econômica de consistia no intervencionismo estatal com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, Companhia Vale do Rio Doce, Petrobrás e Eletrobrás. Foram criadas nesse período diversas leis trabalhistas que assegurava aos trabalhadores urbanos direitos básicos como salário mínimo, férias remuneradas, redução da jornada de trabalho em 8 horas diárias e outras reunidas na Consolidação das Leis Trabalhistas em 1943. Com o objetivo de conquistar a simpatia dos trabalhadores e exercer certo domínio sobre eles através dos sindicatos ‘pelegos’.

RECANTO DAS LETRAS: Sob o lema “Queremos Getúlio!”. Como ele regressa ao poder?

FAGNO SOARES: Consagrado pelas urnas, Vargas [1951-1954] retomou a política nacionalista e trabalhista o anúncio do aumento em 100% para o salário mínimo gerou protesto por parte dos industriais e apoio do proletariado. Na madrugada de 5 de agosto, o jornalista Carlos Lacerda, que fazia oposição declarada ao governo, foi ‘ferido’ num atentado a tiros no Rio de Janeiro na companhia de seu filho Sérgio e do major-aviador Rubens Vaz, que veio a falecer. Dando início a uma crise política sem precedentes, a Aeronáutica promoveu uma caçada ao criminoso, que, encontrado, revelou suas ligações com a guarda pessoal do presidente. Getúlio dissolveu a guarda e determinou a abertura do Catete às investigações policiais. Gregório Fortunato e outros membros da guarda palaciana foram presos e descobriram várias irregularidades. O presidente declarou que, sem seu conhecimento, corria sob o palácio "um mar de lama".

RECANTO DAS LETRAS:Quanto ao atentado ocorrido no dia 05 de agosto de 1954 na Rua Toneleros. Quem foi o mandante? Quem são os culpados?

FAGNO SOARES: Trabalhamos com hipóteses, mas uma coisa é fato, os tiros disparados na Rua Toneleros, atingiram em cheio o Palácio do Catete de onde ‘supostamente’ planejaram a ação, como disse o próprio Getúlio: “Esses tiros me ferem pelas costas”. As principais suspeitas recaíram sobre Gregório Fortunato, que teria sido o mentor que ordenou Climério de Almeida, encomendar os serviços do matador de aluguel, Alcino do Nascimento que em depoimento aos oficiais da Aeronáutica diz ter agido a mando de Lutero Vargas, filho do presidente. O depoimento do taxista Nelson Lopes teria confirmado a presença de Climério no local do crime. Mais tarde chegou-se afirmar, que o chefe da guarda do presidencial teria assumido a culpa para inocentar do crime, o ‘verdadeiro’ mandante Benjamin Vargas, irmão mais novo de Vargas, conhecido pela alcunha de Bejo. O que é mais intrigante e que dias após deixar a prisão, Gregório Fortunato fora assassinato, em uma espécie de queima de arquivo. Contudo, a história neste caso, não dispõe de evidências suficientemente cabais e o inquérito policial por sua vez foi concluído em um mês inocentando Benjamin e Lutero Vargas.

RECANTO DAS LETRAS: Seria possível descreve as últimas horas de vida do presidente Vargas?

FAGNO SOARES: Sim, na primeira hora da madrugada do dia 24 de agosto, o ministro da Guerra, general Zenóbio, entrega um abaixo assinado dos generais exigindo a renúncia de Getúlio que de imediato convoca os demais ministros para uma reunião extraordinária e assina um documento datilografado, que mais tarde se descobre que já era a carta testamento e sobe para a sua alcova. Minutos depois todo palácio estava cercado temendo um ataque. Às 3 horas da madrugada, o presidente reúne 11 de seus 12 ministros. Estava presente seus filhos e esposa. Uma hora depois não se chegava a nenhum consenso, exceto a renúncia. Coube ao ministro da Justiça, saudoso Tancredo Neves redigir uma carta à população. Já pela manhã oficiais entregam no Catete uma intimação para Benjamin Vargas, irmão do presidente acusado de ser o mandante do atentado ao jornalista Carlos Lacerda. Atônito Benjamin acorda o presidente com a notícia. O próprio ministro da Guerra exige o afastamento de Vargas que em seguida às 8 horas, sai do quarto de pijama em direção ao gabinete a procura de seu revólver Colt calibre 32 com cabo de madrepérola. Meia hora depois, ouviu-se um tiro. Getúlio estava morto quando a ambulância chegou.

RECANTO DAS LETRAS:Afinal, quem matou Getúlio Vargas?

FAGNO SOARES: Podemos afirmar que Vargas foi morto por todos aqueles que assim como ele, amavam o poder. Ele não foi o algoz de si mesmo, mas quando se encontrava em seus aposentos, no terceiro andar do Palácio do Catete às 8h30min de 24 de agosto de 1954, o presidente Getúlio Vargas com um tiro no coração fez a sua última jogada política. Pode parecer óbvio, mas apesar de Vargas ter puxado o gatilho de um Colt 32 apontado contra o próprio coração, ele não se matou, mataram-no. Seus opositores forçaram-no a atentar contra a sua própria vida e ele utilizou a morte para afrontar e conter a força de seus potenciais assassinos, prevendo o desfecho um dia antes o próprio Vargas afirmou ‘só morto sairei do Catete’. Porém morreu um presidente, nasceu um mito. Os dados são assustadores até para hoje, 100 mil pessoas visitaram o Catete para velar o presidente morto. Noticiou-se que cerca de 3 mil necessitaram de serviços médicos. O país chorou sem entender de fato o desfecho deste que foi o adiamento da tomada de poder dos militares deflagrada 10 anos depois, em 1964.

RECANTO DAS LETRAS:O senhor está afirmando que Getúlio Vargas não se matou?

FAGNO SOARES: Sim, o tiro no coração não representa necessariamente o suicídio de Vargas, mas a consumação de seu indireto assassinato. Os motivos que o levaram a tal não foram somente intrínsecos, foram decisivamente exteriores o que me permite afirmar que Vargas não puxou o gatilho sozinho. Foi um assassinato seguido de suicídio, uma vez que, ele já estava metaforicamente ‘morto’ antes do suicídio. Vale rememorar o udenista e anti-getulista Carlos Lacerda, quando afirmou que “Getúlio não poderia sair candidato; candidato, não deveria ganhar as eleições; eleito, não deveria tomar posse.” Para muitos a morte de Vargas protelou de por 10 anos o Golpe Militar que aprisionou o Brasil no calabouço da censura por 20 trágicos anos (1964-1985).

RECANTO DAS LETRAS:Quem foi a primeira pessoa a entrar nos aposentos do presidente logo após o disparo?

FAGNO SOARES: Logo do disparo, atônito Lutero Vargas, filho de Getúlio, entra nos aposentos presidenciais e encontra seu pai agonizando. Em seguida chegam dona Darcy, a filha Alzira e o médico Flávio Miguez de Mello.

RECANTO DAS LETRAS:Onde foram encontradas a arma e a carta testamento?

FAGNO SOARES: A arma estava sob a cama e a carta testamento no criado-mudo. Ele morreu minutos após o disparo na frente dos familiares e de seu médico.

RECANTO DAS LETRAS:A existência da arma e da carta não é suficiente para comprovar o suicídio?

FAGNO SOARES: O suicídio foi uma constatação médica e policial e não política. Para além do ato consumado, Vargas sabia que já havia sido assassinado e era consciente da repercussão da decisão que tomou. Ratifico que o suicídio neste caso foi um ato político, ele preferiu deixar a vida para ficar na história como eterno protagonista e nunca coadjuvante.

RECANTO DAS LETRAS:A carta testamento de Vargas sempre foi motivo de muitas especulações até hoje. Teria sido ele o autor?

FAGNO SOARES: Para muitos, a carta testamento de Getúlio tem natureza fundamentalmente política para outros, jornalística. Mas todos concordam com a contundência da mesma, com seu discurso salvacionista de caráter quase religioso. Os originais da carta com assinatura de Vargas estão com Alzira Vargas, filha, há também várias cópias datilografadas, duas delas assinadas. Segundo a família existem trechos manuscritos da carta que não foram revelados.

RECANTO DAS LETRAS:Qual é a relação da morte do presidente Getúlio Vargas com a do presidente chileno Salvador Allende?

FAGNO SOARES: A relação está no fato destes dois líderes latino-americanos optarem por derramar seu próprio sangue a ter que derramar o sangue de outros, foram mortos pelo poder. Segundo o jornalista Flávio Tavares em sua obra O Dia em que Getúlio Matou Allende, ao saber da morte de Getúlio, Salvador Allende disse ter ficado impressionado. Quase 20 anos depois, os militares bombardeiam e tomam o Palácio La Moneda, em Santiago no Chile em 11 de setembro de 1973, Allende fazia seu último pronunciamento ao seu povo pela rádio com a metralhadora em punho, presente de Fidel Castro. Certamente recordou-se de Getúlio que no suicídio buscou sua vitória em meio à derrota.

Fagno Soares
Enviado por Fagno Soares em 14/02/2015
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