ENTREVISTA PARA MARCIANO VASQUES - I (16/7/11)
PALAVRA FIANDEIRA — 63
REVISTA DE LITERATURA
REVISTA DIGITAL LITERÁRIA
17/JULHO/2011
ANO 2 — 63
NESTA EDIÇÃO:
ESCOBAR FRANELAS "Meu viver é a experiência poética mais completa."
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1—Quem é Escobar Franelas?
EF: Escritor e videomaker paulistano. Depois de muito perambular, estou quase terminando uma graduação, em História. Gosto sobretudo de livros, mas também de artes em geral, filosofia e práticas ambientais sustentáveis. É sobre esse quadrado que minha vida está estruturada.
2—Já nos encontramos em algumas pontas de uma corrente serena formada por poetas, jornalistas, idealistas, sonhadores, que com suas antologias, suas páginas literárias vão conduzindo essa vontade de divulgar os fazedores de poesia e arte. Entre esses amigos, o Zanoto, que nos deixou recentemente, e o Selmo Vasconcelos, de Rondônia. O que é para você, participar dessa pulsação?
EF: É participar – como você mesmo nos diz – da essência de uma produção devotada ao “fazer”, sem que isso seja simplesmente uma submissão às exigências financeiras ou midiáticas. A maioria desse pessoal (o antigo underground, hoje não sei que palavra usar com exatidão) produz cultura e arte no sentido mais profundo, pois não estão sob sistemas, formais ou não, de dominação de mercado.
A artesania vem da experimentação, ludicidade e prazer que nos levam aos gregos, onde a arte anelava-se ao sagrado. Entendo e professo a arte assim, como o sagrado que se manifesta em vida.
3—Tive a grata alegria de estar algumas vezes com Raberuan. Poderia, por favor, contar aos nossos leitores, sobre esse artista de São Miguel Paulista, de quem tanto gosto?
EF: Raberuan é um compositor inspirado, crooner versátil e cidadão como poucos. Não é um artista deslumbrado, antes, é um militante do humano que há na arte.
4—Como você “se achou” trabalhando no mundo do audiovisual?
EF: Iniciei no audiovisual trabalhando numa finalizadora de VHS, em 1988. O videocassete tinha acabado de chegar ao Brasil e havia uma demanda muito grande na produção de filme para o mercado doméstico. Tornei-me operador de vídeo, depois aprendi a ciência da edição de um filme, tradução, legendagem, essas coisas. Com o tempo, veio a vontade de produzir alguma coisa, dirigir... foi aí que finquei parceria com um antigo parceiro, o Gilberto Tavares, com o qual até hoje fazemos manufaturas. Atualmente, estou terminando a montagem de um vídeo experimental sobre a poesia de Dailor Varela, um poeta seminal nas letras brasileiras dos anos 60, ao mesmo tempo que estou produzindo um documentário sobre o Movimento Popular de Arte (MPA), em parceria com o Giba e o Claudemir Santos. O MPA é a principal referência quando se estuda as questões artísticas e culturais na região de São Miguel nos últimos 30 anos.
5—Considero um poema de Bandeira o mais triste e belo de nosso idioma. Sei que gosta de Bandeira, e de outros poetas. Poderia nos dizer até que ponto o contato com a escrita de poetas consagrados pode influenciar o surgimento de um novo poeta?
EF: Quando iniciei meus escritos, imitava o Bandeira pois achava que seria mais fácil escrever como ele, em branco e sem métrica. Quanto engano! Pois se não tenho rimas e metros, tinha que ter assunto, enredo e ritmo, coisas que aprendi (ou, pelo menos, julgo ter aprendido um pouco!) com o tempo, lendo, relendo e treslendo Bandeira.
Teve um momento que pensei em desistir, pois cria que não conseguiria jamais atingir o nível deles. Hoje convivo bem – aprendi com Quintana – sendo passarinho, figurante na beleza fulgurante da poesia brasileira.
6—Não podemos negar os benefícios da tecnologia, mas ao ver que estamos entrando numa nova era, será que a poesia, e as artes, podem contribuir de alguma forma para o retorno, ou melhor, para que a era humanista não se vá por completo?
EF: Nunca perderemos essa verve, fique tranquilo. O máximo que acontece às vezes é que interesses de poder e capital dominam a cena por um período. Mas como bem sabemos, o mundo, a vida, são cíclicos. No dia que perdermos totalmente as referências humanísticas, não será mais mundo, ou, pelo menos, não seremos mais gente.
7—Você se assume e se reconhece poeta, “mesmo quando não está escrevendo”. O que é exatamente isso, o que significa se sentir poeta, ter essa consciência de ser?
EF: Sou poeta não porque escreva poesia. Meu viver é a experiência poética mais completa. Isso é o que chamo irmanar a arte com o sagrado. Sempre defendo a idéia de que pode-se ser visceralmente poeta tomando café numa padaria barulhenta às sete da manhã, ou vivendo a intensidade do amor, mesmo que não se profira palavra alguma.
8—Você é fotógrafo, é artista audiovisual, é perfomance ambulante, é um camelô a repartir com as luzes da cidade a poesia que está no que pode ser imperceptível no cotidiano, mas pode também jorrar nos olhos de quem se atrever. A poesia é necessária em nossos dias, em nossa sociedade?
EF: Poesia é necessidade orgânica. E, tal como o ar, só sentimos falta dela quando deixamos de “respirá-la” ou quando a sorvemos com as sujeiras que alguém lançou sobre ela.
9—Facebook e outros virtuais inauguraram uma nova era, sem dúvida. Em todos os sentidos. A criança que tem 9 anos, mas 20 no Orkut, etc. Como você traduz essa nova realidade que surge trazendo um novo espírito para a época?
EF: Eu não ousaria traduzir, mas admito minha estupefação. Esse é o transe, a nova perspectiva que não foi dominada totalmente pelos capitalistas de plantão. O Cláudio Prado repete sempre esse bordão, as redes sociais no ambiente holográfico da internet são o novo parque de diversão, o pique-esconde que brinquei e meus filhos não brincam mais. Há uma nova maneira de ligar-se ao outro, novas formas de comunicação que fogem ao contexto de quem cresceu dependendo do mundo físico.
10—Se tivesse que escolher um de seus poemas para o nosso leitor, com qual nos brindaria?
EF: Para não cansar os desavisados, vou com um de meus haicaos, bem curtinho:
“A mobília imobiliza / a sala de estar / invente andar” (Tráfego)
11—O que seria para você o clímax poético?
EF: É como o orgasmo, você não o explica. Mas vivencia a plenitude de seu acontecimento. Como explicar a densidade de Clarice Lispector, hein? Como colocar em palavras o que sinto quando leio Drummond? Não dá. Tudo o que falo de Borges, ainda assim não é o Borges legítimo, no original, que, aliás, todos deveriam ler – completo – pelo menos uma vez na vida.
12—Tem quem se supõe estrela por ter publicado o seu primeiro trabalho artístico, tem quem não consegue aceitar o outro, pelo fato de o outro não pertencer ao seu grupo, e tem aquele que apenas quer produzir arte, e seguir em frente, tentando embelezar o mundo, os corações e às consciências, e ainda tem os que “utilizam” a própria arte para denunciar as injustiças, etc... Onde vamos encontrar Escobar Franelas?
EF: Putz. Questão difícil essa... Não sei falar de Escobar Franelas. Sabia que até inventei um alter-ego (e ainda por cima feminino!), só para tentar dialogar comigo? Chama-se Maria Dumário e desempenha o papel de psicanalista.
Então, vou pedir para ela responder essa questão. Bem, ela diz que Escobar é pura ficção, mentira das bravas! E pede para você tomar cuidado com ele. (hehehe)
Mas, tomando o microfone dela para retomar a palavra, digo que gosto mesmo é de escrever. A experiência de publicar não me realizou, como eu tinha imaginado. É bonito viver essa situação, os amigos, a festa, o reconhecimento. Mas gostoso mesmo, é ser surpreendido por uma idéia e dela se tornar prisioneiro, até que a coloque no papel.
13—Você tem um carinho especial pelos blog como espaço de cultura, de consciência, como “uma sala de leitura”. O que representa exatamente a blogosfera para você? E terá ela vida longa? Por quê?
EF: É a nova sala de leitura, mais interativa, dinâmica, imprevisível. Sem dúvida ela representa a biblioteca. Hoje temos várias “alexandrias” a um clique dos dedos, e – incrível – não nos damos conta.
14—Certa vez eu comentei que era escritor, e alguém perguntou: qual o seu livro? Eu respondi que não tinha livro publicado, a pessoa murchou, mas eu continuei sendo escritor. Tem algo a dizer sobre isso?
EF: Vejo duas saídas para questões como essa: tentar convencê-lo de que há erros em sua interpretação, ou dar de ombros e sair de perto. Na maioria das vezes, prefiro a segunda alternativa, que é mais rápida e facilmente aplicável.
15—Tenho um apreço especial pelos jornais de bairro, os jornais regionais. Acredita que, de um modo geral, quem tem paixão pela liberdade, busca a sua alma no jornal?
EF: Acho que os jornais são instrumentos muito importantes para a construção do espírito democrático. Embora as instituições religiosas e a ladroada política usem sempre no sentido contrário.
16—Sempre me sopra uma alegria no coração ao ouvir falar de Akira, de Raberuan, de Jocélio Amaro, que nós, os Vasques, amamos, e também Sacha, e outros. Vocé é oriúndo do Movimento Popular de Arte, de São Miguel Paulista, terra de Antonio Marcos? Poderia contar aos leitores, de forma resumida, a história dessa história?
EF: Nunca fui do MPA. Até me aproximei deles em 1998, 99, quando já fazia uns 13 anos que o movimento tinha implodido. Mas colho até hoje as benesses de conviver com gente tão interessante. O MPA nasceu mais ou menos em 1978, fruto de um interesse popular que discutia cultura e arte na região. Ajuntamentos humanos – como sempre repete o Luiz Alberto Mendes – sempre produzem cultura, “somos homos culturalis”, e vários artistas juntos (discutindo arte!), só poderia dar no que deu: um corolário de produção, com muita música, teatro, poesia, artes plásticas e mais, com vigor, inspiração e muita disposição. Por questões diversas, o movimento perdeu um pouco da força com o passar do tempo, mas nos legou uma história de lutas e conquistas. Tanto que Edvaldo Santana, Akira Yamasaki, Sueli Kimura, Sacha Arcanjo, Ceciro Cordeiro, Raberuan, Zulu de Arrebatá, Osnofa, Gildo Passos, Artênio Fonseca, Cláudio Gomes, Nelson Mouriz e muitos outros continuam aí, compondo, fazendo shows, se apresentando, escrevendo, pintando.
17—Pode revelar alguns de seus projetos?
EF: Em literatura, acabei de finalizar um romance, “Antes de Evanescer”, que está na revisão. Vou atrás de editora pois espero publicá-lo ainda esse ano. E tem mais dois livros de poesia e um de contos, mas estes ficarão para depois.
Em audiovisual, estou finalizando um curta metragem experimental cujo enfoque é a poesia de Dailor Varela (ícone do movimento Poema-Processo), e fazendo as captações de imagens para o documentário sobre o MPA, que pretendo lançar no ano que vem.
Também estou publicando muito material na internet, para a revista Ounão (http://www.revistaounao.com.br/), para o Fora do Eixo (http://foradoeixo.org.br/), que é um circuito de produção independente e para a União Brasileira dos Escritores – UBE (http://www.ube.org.br/).
18—Acompanho as suas andanças, e essa persistência de Soldadinho de Chumbo é algo encantador. Qual foi o seu primeiro livro publicado?
EF: A primeira participação foi na Antologia Poética de Pinheiros(Scortecci, SP), em 1988, com dois poemas de dar dó. Essas coletâneas são ótimas pra isso, você aprende muito convivendo com outros que praticam a mesma arte. Depois vieram outras antologias até que consegui lançar meu único livro-solo, em 1998, “hardrockcorenroll”.
Após isso, aconteceram outras coletâneas e até alguns prêmios literários.
Hoje, contudo, meu interesse maior está nas dimensões e ferramentas da cultura digital. É por esse caminho que estou me enveredando cada vez mais.
19—Era uma vez um tempo em que não havia bastidores na vida artística e musical no Brasil e nossa função, segundo alguém comentou, seria a de aplaudir e até, em certos casos, idolatrar, e a internet acabou com isso. Acredita que estamos mais próximos de uma compreensão mais ampla da importância da arte?
EF: Não creio. Acho que surgirão sempre maneiras de tornar qualquer arte rarefeita. É o contraponto natural de qualquer tipo de expressão. Sempre há uma face mais elaborada e outra com apelo mais popular.
Agora, se entendi bem sua questão, vou ao cerne: muitas vezes leio textos, ouço cd, vejo encenações, quadros, tudo de colegas ou pares, e minha opção é não comentar. Por quê? Porque fico em dúvida quanto à qualidade destas obras. Prefiro, nesses casos, guardar silêncio. É evidente que muitas vezes o silêncio é outro, por falta de tempo para fazer um texto bom.
Quando minha humilde compreensão permite enxergar qualidades no trabalho – e há tempo para escrever um texto que dignifique este trabalho – sou o primeiro a “botar a boca do trombone.” Imagina, o artista é bom, não tem retorno de mídia e eu vou campactuar com isso? Sem chance! Alardeio, cito, comento, divulgo, sim senhor! Para isso a internet é ótima.
20—Você teve uma exposição de fotopoemas. Onde e quando isso aconteceu? Pode nos dizer sobre?
EF: A pré-estreia foi em 25 e 26 de junho, quando participei do Festival de Inverno do Parque Náutico de Jaguara, em Sacramento, MG. A estréia mesmo será em 29 de julho próximo, n´A Casa Amarela (http://www.acasaamarela.net/), num sarau que unirá várias linguagens artísticas. Depois disso, ficarão expostos lá por um mês.
Os fotopoemas nasceram de uma combinação não prevista. Sempre uso a câmera de meu celular par fazer fotografias inusitadas. Com o tempo, percebi que elas poderiam dialogar com os poemas curtos que pratico, os “haicaos”. Daí para o casamento entre eles, foi um passo relativamente curto.
21—A partir dessa edição, PALAVRA FIANDEIRA sempre terá 22 perguntas. E você é o primeiro nisso. Poderia, num exercício poético dizer 22 palavras. Apenas isso, 22 palavras?
EF: “A palavra, seu processo e seu clímax, obedecem apenas à emoção e ao intelecto. Nessa trama, cria vida quando torna-se teia: fiandeira!”
22—Que mensagem deixará aos leitores da sua PALAVRA FIANDEIRA?
EF: “Amem!” “Amém.”
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PALAVRA FIANDEIRA
Fundada por Marciano Vasques
A entrevista de Escobar Franelas foi concedida
ao escritor Marciano Vasques (Postagem original em http://palavrafiandeira.blogspot.com.br/search/label/ESCOBAR%20FRANELAS)