ENTREVISTA PARA MARCIANO VASQUES - II (17/11/12)
PALAVRA FIANDEIRA — 93
REVISTA LITERÁRIA
Publicação digital de Literatura e Artes
ANO 4 —Nº 93 — 17 Novembro 2012
EDIÇÕES AOS SÁBADOS
NESTA EDIÇÃO:
ESCOBAR FRANELAS
1.Quem é Escobar Franelas?
EF: Engraçado que há um ano e meio eu me apresentava aqui mesmo no Palavra Fiandeira (edição 63, julho de 2011) como escritor e videomaker. Hoje sou Educador! O poeta, o prosador e o criador audiovisual continuam existindo, evidentemente, mas o Educador surgiu espontânea e imperativamente nesse período. Trabalhei com educação voluntária por nove anos na região de Barueri mas hoje trabalho full time em um projeto muito bonito e inspirado chamado "Programa Jovens Urbanos", na região de São Miguel Paulista.
2.Com tudo isso, qual o tempo que você dedica aos escritos e ao vídeo?
EF: Fins de semana, basicamente. Quer dizer, com essa imersão na Pedagogia, uso as horas iniciais da manhã para praticar a escrita e preparar matérias. E os sábados dedico aos saraus, shows, eventos, rodas literárias, essas coisas. Quando tenho alguma produção na área audiovisual, aí geralmente marco nos domingos. É claro que isso tudo pode ser regra, mas com ampla abertura para exceções na agenda. Até porque tenho que contemplar outras coisas: a casa, a família, viagens, visita à amigos e parentes, assistir um cineminha, um teatro, ir a um show...
3.Importante ter ressaltado a família. Como você “vive” em família?
EF: Creio que vivo bem. Por forças dessas circunstâncias já citadas, vivo mais próximo do caçula, João, que está pela manhã em casa, e esse é o momento em que também estou.
Tento formular algumas regrinhas de convivência pra gente sobreviver a essa correria. Decidimos, por exemplo, que ninguém come na sala de tv ou no quarto. Então, por essa regrinha, somos “obrigados” a conviver com o outro pelo menos na hora da alimentação, pois nesse momento todos nos ajuntamos no mesmo espaço. Assim, aumentamos a chance do diálogo, e potencializamos as oportunidades de conversa e troca de saberes.
Outra regra determinante é a de não termos TV ou computador nos quartos. Assim, novamente a regra agrega um pouco de civilidade às relações, pois tivemos que aprender a ouvir música no micro, por exemplo, com fone de ouvido, pois está no mesmo ambiente em que alguém pode estar assistindo TV. Aprendemos assim a conviver num mesmo território sem atrapalhar quem está praticamente ao lado da gente.
Parece que por enquanto está dando certo...
4.O que representou para você, como poeta e artista, e ser humano, ter prefaciado o livro SERAFIN DE POETAS II, uma antologia com apenas poemas de crianças?
EF: Uma oportunidade única de alimentar (e exercitar) uma paixão avassaladora. Quando me questionam se sou otimista ou pessimista com relação às coisas do mundo, digo sempre que sou realista. E enxergar esse mundo sem viseiras significa, pra mim, trabalhar incessantemente para que estas crianças e adolescentes de hoje tenham tudo o de melhor em relação à geração anterior. E, consequentemente, que eles deixem um rastro de beleza para as gerações futuras.
Quanto à apresentação do livro Serafin de Poetas II, foi uma surpresa o convite que você me lançou, e um desafio, pois tive que sair de minha zona de conforto e me dedicar a algo que fosse sucinto e profundo ao mesmo tempo. E isso é algo difícil de se alcançar.
5.Acredita que estamos no caminho certo em relação às oportunidades que as novas tecnologias oferecem?
EF: Vasques, você está certíssimo. As chances que as tecnologias oferecem são a realidade que não tivemos mas esses jovens de hoje têm. E não adianta querer combater com essas frases ridículas tipo “no meu tempo tinha isso ou aquilo”. “No seu tempo”, você utilizou as tecnologias, as narrativas e os mitos que você tinha em mãos. Hoje eles se apropriam dos meios, conceitos e contextos que são inerentes a essa época, este período, entende? Então, acho justo bater palmas para um educador como você, que entende as demandas e as peculiaridades desse tempo, entende a cabeça desses jovens, e procura trabalhar uma imersão pela sublimação poética sem que eles percam as referências e os instrumentos que estão dispostos aí, como os celulares, a mobilidade urbana, as redes sociais, a interatividade.
A “ciranda-cirandinha” de hoje é o Facebook, o Twitter, o mundo blogueiro. E não há mais volta. Então, acho justo parabenizá-lo pela ideia de tornar esses espaços um lugar também para a introspecção, a reflexão e a prática lúdica. E o Serafin de Poetas me parece ser exatamente isso, um jardinzinho onde eles praticam o “ce-ce-cere-ce-ce” contemporâneo.
6.Na entrevista anterior, dedicamos um momento especial para o Raberuan, que partiu meses depois para as estrelas. Queria que você fizesse algumas considerações sobre esse artista.
EF: Raberuan foi uma estrela que acendeu, piscou, iluminou e deixou um rastro de luz durante 58 anos, aqui na região leste de São Paulo e outros lugares. Logo após seu aniversário, em outubro do ano passado, ele subiu e agora pisca pra gente aqui embaixo, para que possamos nos inspirar e tentar escrever algumas pérolas, como esta que ele nos deixou: “Saudade: / esse capim novo que ora invade / meu canteiro verde de lembranças / onde sempre plantei a verdade. Saudade: / deu caruncho na felicidade / no feijão, no milho, na mandioca / ou no estalar sua pipoca / ou no comer sua tapioca. / Saudades / do beijo do Severino do Ramo / de ouvir o Akira recitando / nas festas do MPA. / dos nossos velhos novos planos / que se perderam com os anos / na plantação do meu pomar. / Saudade / da caminhada ao Casteluche / preparação do desmantelo / Ceciro, Osnofa e Gildão. / Saudade / do clima do quintal do Sacha / da ilusão de mil cachaças / da Célia fazendo o feijão / e o Zulu chamando o refrão. / Saudades / dos namoricos e paqueras / todas as meninas eram belas / só poesia e devaneio. / Saudade / de quando o povo rareava / lá pelas 4 da manhã / e o Gordo tocando o bongô. / Ô Gordo!” (“No Quintal do Sacha”. Link para o clipe emhttp://www.youtube.com/watch?v=WGS4X5W-6Dw)
7.Já que disse que agora é também um Educador, como sente a educação praticada hoje?
EF: A formal desinforma, e a informal preenche. Quero dizer com isso que no momento não sabemos o que estamos praticando. Estamos, para usar um termo marxista, alienados. E isso justamente no ambiente – a educação – onde deveríamos estar filtrando idéias e saberes.
Mas penso também que é um problema conjuntural e estrutural. Conjuntural,pois não pode ser pensado em partes, tem que ser pelo todo. E isso nos leva para a outra questão, estrutural, pois temos que pensar pelo viés da organicidade. As ações isoladas, que têm sido muitas, não se completam. Então, é preciso a instauração de uma nova ordem, que passe pela revalorização do papel do professor, do pesquisador, do pensador.
8.A arte pode contribuir com essa proposta?
EF: Esse é o papel da arte: repensar, reponderar, des-represar a água que está contida. Em todos os campos, aspectos e narrativas.
9.O que o encanta?
EF: Fazer novas amizades pelo Facebook, ouvir o bem-te-vi que canta na árvore da casa vizinha toda manhã, ver um botão novo numa das mini-roseiras que conservo em minha coleção de tetrapaks, ser acordado por uma ideia às 3 da manhã e ter que sair da cama para rascunhar a ideia que me tomou, comer pizza com meus filhos e a musa, ler Akira Yamasaki no metrô, ouvir Sacha Arcanjo no meu celular, ver um clipe novo do Edvaldo Santana no Youtube, trocar idéias com Marciano Vasques às sete da manhã pelas redes sociais, tudo isso me encanta...
10.Afinal, você tem alguma hora de ócio?
EF: Todo dia. Embora possa parecer que não, a todo momento me dou o direito de furtar um pouco de meu tempo para ficar a sós, comigo. E esses momentos são muito importantes, pois reabasteço as energias e as idéias para prosseguir a caminhada.
11.Quais os seus projetos?
EF: Estou escrevendo um novo livro, um romance. Rascunho ele num caderno universitário quando venho de trem para casa, à meia-noite, e de manhã digito.
E estou tomado pela ideia de finalizar o documentário sobre o Movimento Popular de Arte (MPA), de São Miguel, já que encontrei uma parceira para codirigir comigo esse projeto que tinha se tornado inviável para levar sozinho. Mas a Sheilinha Procópio, mal entrou em sintonia comigo, já se revelou a parceira ideal para levar a cabo esse empreendimento.
12.Deixe aqui a sua mensagem final. Qual a sua Palavra Fiandeira?
EF: “Para aquele que pensa em desistir, dou idéias de outros caminhos. Para aquele que pensa em resistir, oferto novos argumentos. E para os que pensam em existir, dou minha mão: posso ir junto?”
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Edição 93 — 24 Novembro 2012
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Fundada pelo escritor Marciano Vasques
* Original em http://palavrafiandeira.blogspot.com.br/search/label/ESCOBAR%20FRANELAS%20II