ALIMENTO DE QUALIDADE É ALIMENTO SEM USO DE AGROTÓXICOS

Entrevista realizada por Antônio Coquito, em 2012, com Irene Cardoso, na época vice-presidente da Associação Brasileira de Agroecologia. Hoje, Cardoso é presidente da ABA. Antônio Coquito é jornalista profissional- Especialista em Marketing e Comunicação

Ênfase Temáticas Sociais, Cidadania e Direitos Humanos,

Políticas Públicas, Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Socioambiental

Diante da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +20), o Plano Nacional de Agroecologia, o novo Código Florestal e os desafios de produção alimentar focados na sustentabilidade socioambiental, Antônio Coquito conversou com a professora Dra. Irene Maria Cardoso, hoje, presidente da Associação Brasileira de Agroecologia - ABA. Na entrevista, ela aprofunda as análises sobre agroecologia, as condições viáveis de produção sustentável, a qualidade de alimentos e a necessidade da ciência da nutrição fazer uma crítica aos seus paradigmas.

Cardoso é formada em agronomia, fez mestrado em Solos e Nutrição de Plantas pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) e doutorado em Ciências Ambientais pela Universidade de Wageningen - Holanda (2002). Atualmente é professora associada da UFV, atuando principalmente nas temáticas da agricultura familiar, agroecologia, sistemas agroflorestais e meio ambiente.

Para a professora, o modo de produção de alimentos com base agroecológica reflete uma relação de amor do ser humano com a natureza e as pessoas. “Precisamos reconstruir os nossos pensamentos – que se traduz em uma ação política – focada na mudança de mentalidade, no que se refere à produção de alimentos”, destaca Cardoso.

1: O que diferencia a agroecologia do agronegócio?

IRENE CARDOSO: Na agroecologia, buscamos a redução do uso de insumos externos e a regulação natural do agroecossistema, garantida pela biodiversidade. O agronegócio é um modo de produção baseado na monocultura, nas grandes extensões (em alguns casos pequenas extensões de terra), no uso intensivo de insumos externos (agrotóxicos, sementes transgênicas, sementes híbridas, uso intensivo de adubos químicos e moto mecanização).

2 : O que significa ter o modelo de produção de alimentos focado na agroecologia?

Irene Cardoso: Um dos maiores significados da produção agroecológica é a produção de alimentos com qualidade. Na agroecologia convive-se com a biodiversidade, gerando vários serviços ambientais, que vão permitir produzir melhor e com mais variedades. Não há predominância de monoculturas.

Ao trabalhar com os agrotóxicos, o agricultor trabalha com a morte. A vida dos trabalhadores no campo se torna mais difícil quando não se tem a qualidade no ambiente, afetada pelo excesso de contaminação. Por mais que se utilizem todos os equipamentos de proteção individual, ainda assim ocorre contaminação, prejudicando sua saúde, dos seus familiares e do meio ambiente.

3. A agroecologia pode ser considerada um caminho de volta aos princípios da agricultura e da produção de alimentos?

IRENE CARDOSO: Não é um caminho de volta. É um caminho pra frente. A história de voltar ao passado é interessante. Voltamos ao passado para buscar os elementos que contribuam para construir o novo.A agroecologia, quer a valorização do conhecimento do agricultor e se propõe a buscar os sistemas tradicionais para promover a criação do novo. As práticas agrícolas atuais, com a industrialização da agricultura, romperam com a forma de produção que não utilizar tantos insumos.. Precisamos promover a agricultura com base na natureza (uso da biodiversidade, manejos dos resíduos, uso de produtos naturais etc),

4 Como os profissionais de nutrição podem contribuir para o incentivo e defesa das práticas agroecológicas, potencializando a alimentação saudável?

IRENE CARDOSO: Primeiro é preciso fazer uma autocrítica profunda a vários paradigmas do conhecimento da nutrição. Segundo, fazer uma avaliação do que contém nos alimentos industrializados - de como é processado, dos conservantes e da própria qualidade destes allimentos. Junto disto, promover a valorização dos alimentos tradicionais, alimentos in natura e de outras formas de processá-los. As escolas de nutrição deveriam assumir o papel formador no debate da agroecologia, fazendo uma volta ao passado, resgatando o conhecimento do agricultor, das avós etc. Valorizando e trazendo esse saber à luz do conhecimento científico. Eu não vejo o conhecimento tradicional sobre os alimentos sendo valorizado dentro da ciência da nutrição.

5.Sendo uma proposta coerente, que une ser humano e meio ambiente, o que é preciso fazer para torná-la prática na agricultura brasileira?

IRENE CARDOSO: São três as mudanças necessárias: o consumidor, o agricultor e as políticas públicas. 1. O consumidor precisa exigir um produto que promova a vida, e não que produza morte com a contaminação pelo uso de agrotóxico. No Brasil, mais de 80% (oitenta por cento) dos alimentos contém resíduos de agrotóxicos como cita a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). Algumas contaminações acima do permitido pela lei e outras com produtos já banidos nos Estados Unidos e Europa. Estes agrotóxicos são produzidos com incentivo financeiro e em muitos locais são pulverizados com avião o que aumenta o risco de contaminação. Os consumidores precisam buscar alternativas de aquisição de alimentos com qualidade, buscando as feiras de produtos agroecológicos, comprando produtos direto do agricultor, construindo redes de consumidores e participando dos movimentos em defesa da agroecologia. 2. O agricultor deve deixar de produzir com agrotóxicos e produzir de forma agroecológica e para isso ele precisa de incentivos. Há várias experiências no Brasil e pelo mundo afora que provam que é possível produzir sem agrotóxicos, de forma agroecológica. É preciso resgatar, valorizar e reconhecer estas experiências. 3. A política pública precisa criar mecanismos para apoiar as experiências existentes e ampliá-las. Para isto é preciso, entre outras coisas, qualificar a assistência técnica e extensão rural e apoiar as pesquisas agroecológicas. O CNPq e a FAPEMIG (no caso de Minas Gerais) podem-se, por exemplo, elaborar editais específicos para a pesquisa e projetos de pesquisa em interface com a extensão com foco agroecológico. As escolas e universidades precisam rever os ensinamentos sobre agricultura. .

6: Como os governos e gestores (federal, estadual e municipal) podem assumir e incentivar a agroecologia como prática de segurança alimentar e sustentabilidade?

IRENE CARDOSO: Fazendo políticas públicas e desenvolvendo ações articuladas nas esferas federal, estaduais e municipais que façam avançar as práticas agroecológicas. O governo federal precisa também proibir todos os agrotóxicos já proíbidos em outros países; cortar todos os incentivos dado à produção dos agrotóxicos; e proibir a pulverização aérea dos agrotóxicos. É preciso promover incentivo à agricultura familiar de base agroecológica, por exemplo, os governos municipais devem apoiar a implantação da Política Nacional de Alimentação Escolar e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). É preciso apoiar a A agricultura familiar, pois ela produz o alimento que consumimos e, ainda contribui para a balança comercial.

7. Quais as mudanças que a agroecologia coloca na pauta das agendas políticas, econômicas, sociais e ambientais?

IRENE CARDOSO: Temos várias questões na agenda nacional para o incentivo à agroecologia. Recentemente foi lançada a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica e atualmente está em desenvolvimento o Plano Nacional. É preciso criar condições para que os os agricultores possam produzir de forma agroecológica (crédito, assistência técnica, pesquisa, produção de tecnologias voltadas para a agroecologia). Uma outra questão importante é a necessidade da reforma agrária. Não tem como fazer agroecologia se o agricultor não tiver autonomia. E ele não tem autonomia se não tem a terra para trabalhar. Há ainda , o embate com o agronegócio. Hoje temos grandes extensões produzindo em monocultura e com o uso intensivo de insumos, inclusive agrotóxicos e isto não é bom para a saúde das pessoas e do planeta. Temos que discutir também a questão do limite da propriedade no Brasil, não é possível conviver com tantos latifúndios.

Antônio Coquito
Enviado por Antônio Coquito em 26/05/2014
Código do texto: T4821306
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