GOLPE MILITAR
O dia em que o Brasil acordou sob um regime ditatorial

Matheus Müller / Jornal A Gazeta


Maurélio Machado era presidente da Usbes quando o golpe foi deflagrado

Matheus Müller - Matheus@gazetasbs.com.br
São Bento do Sul/SC

Na madrugada do dia 31 de março para o dia 1° de abril de 1964, há 50 anos, o presidente do Brasil na época, João Goulart, deixava o Rio de Janeiro para se refugiar em Porto Alegre e posteriormente no Uruguai – devido às pressões políticas e também para evitar uma iminente guerra civil. Em seu lugar, assumia o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, que, alguns dias depois, passaria o bastão para o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. Assim, iniciava a ditadura militar no Brasil, um período que durou mais de 20 anos e deixou sérias marcas na história do País.
O historiador e docente do Departamento de História da Univille, Wilson de Oliveira Neto, explica o contexto político da época, que levou ao golpe. “Existia uma forte crise política, iniciada em 1961 com a renúncia de Jânio Quadros. A crise foi agravada em 1963, após a vitória do presidencialismo. Entre 1961 e 1964, foi realizada uma violenta campanha de desestabilização do governo de João Goulart”, destaca.
A ditadura durou 21 anos e teve no período cinco presidentes militares, eleitos indiretamente. Perseguições políticas, tortura, corrupção, opressão, exílio de opositores, violência e censura eram práticas comuns do período, que deixou como herança um país economicamente debilitado e sem nenhuma jovem liderança política formada para retomar o crescimento do Brasil.
 

O legado da ditadura


Entre os saldos negativos deixados pelos 21 anos em que os militares estiveram à frente do poder no Brasil, Machado destaca alguns. “O Brasil esteve inteiramente nas mãos da CIA (serviço de inteligência norte-americano) e do governo dos Estados Unidos, houve perseguições políticas, torturas, crimes hediondos, desperdício de recursos públicos, censura, atraso tecnológico e o impedimento do surgimento de novas lideranças políticas”, frisa.

Wilson explica que a conduta política de muitos órgãos, atualmente, no Brasil, tem a sua justificativa nos anos de chumbo. “Os maiores resquícios da ditadura militar na sociedade contemporânea são o autoritarismo e o gosto que muitas pessoas têm por soluções baseadas na coerção e no uso da força para problemas históricos que existem em nosso País”, marca.

O jornalista e escritor Juremir Machado da Silva, em seu blog, vê como principal legado do período a nossa cultura da impunidade. “Aqueles que resistiram ao golpe e à ditadura pagaram com cadeia, exílio, tortura, morte, cassação de mandatos, julgamento pelo Tribunal Militar, humilhações, execuções e todo tipo de perseguição. Os criminosos de Estado – ditadores e torturadores – nunca pagaram. Quando se faz uma lei para acobertar torturadores e golpistas, decreta-se o fim da crença na punição”, destaca.

Costa também lembra com pesar os problemas do período, que refletem na sociedade até hoje. “Censura a imprensa, prisões arbitrárias, desaparecimentos, tortura, projetos megalomaníacos (Transamazônica), desvio de verbas (fundo do INPS para a construção da ponte Rio-Niterói), entre outros”, frisa, destacando que a data não deve ser esquecida, e sim servir para reflexão. “Para quem perdeu entes queridos, perdeu parte da fé, que raramente era contemplada por raios de esperança, o dia dos 50 anos de regime serve para resguardar-se e fazer uma vigília espiritual”, completa.

Perseguição aos estudantes
O hoje aposentado Maurélio Machado − que, no período em que a ditadura foi deflagrada, era presidente da União São-bentense de Estudantes Secundaristas (Usbes) − conta que a repreensão ao movimento estudantil no período foi gigante. “Primeiramente teve o fechamento das uniões estudantis e, após isto, houve perseguição às diretorias das entidades que haviam assinado o Manifesto da União Nacional dos Estudantes (UNE), e eu era um deles”, conta.
A Une era contra a “revolução” e, na época, circulou uma carta com a assinatura dos presidentes das uniões municipais contrários ao golpe. Após a confirmação da queda de Jango, houve uma verdadeira caça as bruxas aos que assinaram a carta, além do ateamento de fogo na sede nacional da entidade dos estudantes − localizada no Rio de Janeiro − e do fechamento das associações de alunos pelo interior de todo o Brasil. Para fugir dos militares, Machado passou vários meses trocando de lugar, sempre indo da casa de um familiar para outro. Assim, conseguiu evitar ir para os famosos interrogatórios da época, dos quais muitos acabavam nem retornando.
Machado destaca que foram tempos difíceis, marcados pelo temor da população. “A maioria das pessoas tinha medo de ser presa, exilada ou de perder bens materiais. Os políticos da época silenciaram, e os que se manifestaram contra foram presos. Houve também muitas extorsões por parte dos militares de patentes inferiores”, destaca.
O professor e escritor Arlindo Costa lembra com pesar do período em que o País foi comandado pelos militares. “Perdi meu pai em 1967 e lembro muito bem como foi essa fase negra, pior que a Idade Média. Pobreza generalizada, atendimento médico paupérrimo, parte da Igreja em comunhão com o regime (Marcha pela família e pela Igreja) e a outra sob o prisma da Teologia da Libertação, procurando denunciar o modus operandis do regime militar em organismos internacionais”, destaca.

 
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