“O critério é literário e a literatura inclui questões sociais e não a questão da origem do autor”

Manuel da Costa Pinto comenta as recentes polêmicas envolvendo a curadoria da Feira do Livro de Frankfurt

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Mariana Marinho*

Desde agosto, Frankfurt foi ocupada por um desfile de atrações culturais brasileiras. Como convidado de honra da Feira do Livro de Frankfurt 2013, a mais importante do gênero, o Brasil pode levar para a cidade alemã outras artes que não apenas a literária, como a exposição Street-Art Brazil – Grafitti, shows musicais de Criolo e Zélia Duncan e espetáculos teatrais como o projeto Puzzle, de Felipe Hirsch, que fará a sua estreia mundial. “Buscamos mostrar um Brasil sem exotismos, mais contemporâneo, um Brasil mais moderno e arrojado; tanto na literatura, quanto nos trabalhos artísticos da programação paralela”, afirma Antonio Martinelli, curador da programação literária e cultural.

Hoje, faltando menos de uma semana para a abertura da Feira, os olhares focam-se novamente na literatura brasileira. Manuel da Costa Pinto, crítico literário e também curador da programação literária, espera que entre os dias 9 e 13 de outubro “A literatura brasileira possa ser exibida de uma maneira cativante e arrebatadora para o público e para o mundo editorial alemão e internacional”. Durante este período, os 70 autores que representarão o Brasil em Frankfurt participarão de eventos no Pavilhão do Brasil, espaço de 2.500 m² criado por Felipe Tassara e Daniela Thomas.

Martinelli comenta que, se por muito tempo, apenas a música brasileira era conhecida internacionalmente, agora, outras linguagens ganharam espaço. “Na literatura, por exemplo, somente um projeto como Frankfurt alcançou 260 títulos em publicação na Alemanha. Isso é apenas o início. Esperamos que, em pouco tempo, os autores que ainda não foram traduzidos em alemão, sejam”.

A seguir, confira fotos feitas ontem (03/10) por Antonio Martinelli, que já está em Frankfurt, e uma entrevista com Manuel da Costa Pinto que, antes de pousar em solo alemão, conversou com o site da CULT sobre as recentes polêmicas envolvendo a curadoria da Feira e sobre a imagem que o país vem mostrando em Frankfurt.

Performance "imPermanências", de Vera Sala

CULT – A lista dos 70 escritores que irão representar o Brasil em Frankfurt está disponível desde março, mas ainda hoje, faltando menos de uma semana para o evento, a escolha gera polêmicas. A última polêmica, levantada pela imprensa alemã, destacava o fato de só haver um escritor negro na lista de autores – Paulo Lins – e afirmava que a escolha da curadoria não reflete a amplitude da produção literária do nosso país. Como você recebeu essas críticas?

Manuel da Costa Pinto - Algumas pessoas acreditam que a literatura deve se pautar por critérios extraliterários. Em minha opinião, esta é uma visão equivocada. Literatura é literatura. Um autor como Paulo Lins está indo para a Feira de Frankfurt porque escreveu Cidade de Deus e não porque ele é negro. Um autor como Ferréz está indo porque ele trouxe para o centro da literatura uma temática da periferia das grandes cidades e não por qualquer outro motivo.

A questão indígena está presente na obra do Bernardo Carvalho assim como está presente na obra do Daniel Munduruku. Que o Daniel seja índio e o Bernardo seja um branco carioca que mora em São Paulo, para mim é irrelevante. O critério é literário e a literatura inclui questões sociais e não a questão da origem do autor.

Vou dar um exemplo para mostrar o ridículo dessas exigências de sistema de cotas em literatura. Falam que não tem uma presença de autores negros ou de origem indígena na lista. Bom, vamos falar em outra cota: e autores gays? Acha que eu vou perguntar para os autores qual é a orientação sexual deles e usar isso como critério para fazer um convite para que eles estejam presentes na Feira? Não vou fazer isso porque eu tenho um senso do ridículo e tenho um senso bastante claro da seriedade do trabalho de crítica literária.

Sistema de cotas em literatura é um critério absolutamente esdrúxulo. Cobrar esse tipo de postura da curadoria é um retrocesso e algo que não tem o menor sentido.

É de conhecimento geral que a Feira do Livro de Frankfurt é a maior e mais importante do gênero no mundo. Neste momento, em especial, qual a importância da Feira para o mercado editorial brasileiro?

É importante porque o Brasil, além de ter um problema de inserção de sua literatura por apresentar uma certa situação periférica na economia mundial, esbarra na questão linguística. A nossa literatura é produzida em uma língua que não é tão difundida quanto o espanhol, por exemplo. Não dá nem para comparar. O espanhol é falado em toda a América Latina, na Espanha e nos EUA, que tem uma comunidade gigantesca de hispano-americanos. Então, a repercussão da literatura espanhola, para não falar da literatura de língua inglesa, é muito grande.

Se a literatura de língua portuguesa ocupa um lugar de menor visibilidade, a literatura brasileira vai dentro dessa toada. Assim, possibilidade de apresentar autores brasileiros numa quantidade tão grande como a que estará em Frankfurt é uma oportunidade única para o Brasil e não podemos perder – o que justifica o investimento do governo brasileiro, que é um investimento compatível ao investimento feito por países como Argentina e Nova Zelândia.

Leitura de Por Elise, com Grace Passô (dramaturga, a segunda da direita para esquerda), Juliana Galdino (centro) e Roberto Alvim (esq), na abertura do Ciclo de Dramaturgia no Mousonturm

O El País afirmou que o crescimento econômico do Brasil fez com o país quisesse conquistar o mundo com a “enorme vitalidade de sua arte” – e que desembarca em Frankfurt a fim de exibir todo o seu “poderio cultural”. Você concorda? Em que medida você acredita que a Feira é um bom “termômetro” da produção cultural brasileira?

Acho que é, sobretudo, um bom termômetro da produção literária. Mas da produção cultural também, já que a programação paralela levou, por exemplo, shows de musica brasileira e levará o espetáculo do Felipe Hirsch com base em autores brasileiros contemporâneos. Portanto, é uma possibilidade de mostrar, sim, um instantâneo da cultura brasileira no que ela tem de mais ousado, inclusive, que é ter feito do encontro transcultural de tradições tão diferentes uma espécie de laboratório de modernidade.

O Brasil antecipou em muito tempo aquilo que hoje se chama de transculturalismo, de sociedade multiétnica. O Brasil, de certa maneira, não é um lugar em que convivem elementos arcaicos e modernos: o moderno é contaminado pelo tradicional e o tradicional já apontava para uma modernidade, para uma mescla cultural, uma produção híbrida, que é um traço marcante da cultura brasileira. É interessante reiterar isso ao mundo até para desfazer a imagem de que o Brasil é um país exótico.

Acho que o melhor exemplo disso, além da programação paralela, é o Pavilhão do Brasil concebido pelo Felipe Tassara e pela Daniela Thomas. É um pavilhão expositivo que apresenta um aspecto expográfico muito ousado em que essas ideias de mixagem, mesclagem e hibridismo, derivados de uma ideia de antropofagia, se presentificam numa mostra que cobre desde os clássicos da literatura, até a música popular; desde as diferentes maneiras com que o livro circula pelo Brasil, até as diferentes correntes da literatura, os ambientes literários.

Tem um vídeo na instalação que mostra as diferentes texturas em que se passam os romances brasileiros: o campo, a cidade, o sertão, a periferia, a floresta, a praia, o mar. É um pavilhão que, na verdade, é protagonista de uma visão de Brasil que sem perder seus traços locais mostra, também, o quanto o país se tornou um lugar, de certa maneira, precursor da forma de pensar e realizar o encontro de diferentes vertentes de tradições culturais.

*Colaboração de Amanda Massuela