NODISGRAÇÁRIOS

DR. MÁRCIO: Tive uma hepatite, estou de repouso há vários dias, sinto-me mal e a doença foi culpa minha, pois não aguentava ficar em casa, quando vinha do serviço e meus pais, de meia idade, só gostavam de ver desgraças, novelas e programas que contassem coisas ruins. Com isto acabei me deixando levar às bebidinhas da noite, como todos os imbecis que não conseguem encontrar prazer, a não ser provando ser machões, adoradores das proibidas.

Agora ainda está pior, pois me levam para a sala e me forçam a ver desgraças. Como gosto deles, não retruco mas sei que a falta de opção e conversas carinhosas levam a esta fuga maldita, onde tomei uma batida que fez mal a alguns que a provaram. Como fugir desta horripilante vida rotineira? Demerval.

DEMERVAL: Estou triste com sua hepatite, mas você me deu duas alegrias: não fingir ser homem, frequentando botecos, bebendo as proibidas, e as vestidas com as camisas do time, provocando atritos, que podem gerar dramas e segundo porque pensamos juntos sobre os “nodisgraçários”, onde as notícias boas são as de morte e doenças de canalhas, mensalheiros do apocalipse.

Existem as que nos deixam chateados, pois anunciam mortes de pessoas maravilhosas. Esta não se pode ignorar apesar da tristeza.

Parece (talvez sejam notícias semelhantes à de uma pregadora de peças, que cumpre pouco o que fala) que as TVs estão acordando para os festivais e as mudanças de certas zorras minimalistas e de uma arte mixuruquésima, que os anunciantes de discos e livros para ganhar um “poquito mas”, fazem.

Mas o básico foi bem abordado por você: a “vida boa” é de um tédio incrível, como querem nos impor.

Muitos pais, principalmente os que ficam mais paradinhos, gostam da TV, pois quando moços, só tinham a missa do domingo para passear um “pinguinho” na praça, se sua cidade tivesse praça.

Afora isto era dar ração para os frangos nas manhãs, inclusive nos domingos e “neca-neca do pitibiriba”.

Quando casavam, curtiam a lembrança do casamento por anos, pois era a única festa que faziam.

Aniversários, quando moravam longe dos parentes, era comemorado com uma carta que levada dias para chegar, ou se chegasse no dia, o carimbo dos correios mostravam sua postagem bem antes da data “festejada”

Meu pai era um “farrista”. Não bebia, mas fazia e criava pegadinhas, contava piadas, cantava, alegrando e nos fazendo festejadores.

Nossos vizinhos viviam perguntando: “Foi aniversário de quem?” A resposta era sempre a mesma: “Do dia de ontem, como será a todos os dias”, era a resposta que nos ensinou.

Sinto muita saudade daquele tempo, pois costumo parar os amigos para um bate-papo e muitos deles querem ir embora logo.

Sobram os vícios, que não distraem, pois são chatos e rotineiros, e as pessoas “envelhecem” logo, com medo de que se expondo, os outros vão ver que não ficaram ricos.

Já falei isto uma vez e repito: Que saudade do Hélio Ferreira, do Antonio Mantoan, Da. Brancas, da Carmen, da Doca e do Zé Antonio, dos Omettos, de nossos jogos de cartas e de tantos outros, que vivíamos juntos e saíamos juntos para passear todos os fins de semana.

Nossa amizade era comemorada com a afirmação: “Saí com Fulano este fim de Semana!”

Íamos a Lindóia, Campinas, Ribeirão Preto, nas cidades históricas do sul de Minas e as segundas feiras iniciavam com aquela alegria na alma e a esperança do próximo fim de semana.

Meus Clientes viviam repetindo, como ainda fazem (não é propaganda): “Como o Senhor é alegre e gosta de contar coisas, piadas...”

Respondo na hora: “Para que ficar constantemente deprimido? Para ter que achar a vida um lixo?”

Chega a programação das VTs. Não errei, a programação parece uma repetição de Vídeo Tapes, que mais merecem ser chamadas de “Vídeo Tapas no Traseiro”.

Por vezes me perguntam: “O senhor é como escreve?” A resposta é: “Meus escritos vêm de dentro, não os falseio.”

Ás vezes em que consigo escrever melhor, são as ocasiões onde preciso pensar em outra coisa e não achei ainda a saída. Tenho falado muito isto em meus cursos, pois se enchermo-nos de preocupações, as idéias preocupantes fecham a porteira para acharmos o caminho, a solução. Quanto mais engraçadas e divertidas as idéias, mais facilmente outras brotam.

Criar é realizar, distrair, sentir-se vivo.

Por isto nunca me esquecerei dos meus amigos e daqueles que se comunicam comigo, mesmo que seja no Super-Mercado.

Gosto de pensar, criar, ajudar a encontrar soluções para meus problemas e ensinar aos outros como eles farão para se encontrarem, não os dirijo jamais. Não sei fazer clones, repito todos os instantes.

Saia logo desta hepatite, Demerval, pois agora ela lhe curou do pior: a acomodação.

Abraços.

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Dr. Márcio Funghi de Salles Barbosa