A Cada Salto dos Anos 
     Ode (ou elegia) cantada sobre os escombros de uma existência fracassada. A dolência das palavras percorre as planícies em ruínas, abraçando a grama que brota.  Essa amena canção parece que se apraz em fluir, narrando-se e recordando a desfeita felicidade. Sim, há um consolo final dos versos aos versos, como se felizes em terem o que evocar.
    Não há relva, capim, mato, campo, riacho ou flores em seu texto - porém a cumplicidade do locutário os criam, sorrindo nostalgicamente, bucolicamente: o poema funcionou, cara escritora. Fragmentos dos fragmentos, movemo-nos entre suas imagens, que nos conduzem a tal magia verde.
     Lembrou-me o bardo latino Publius Vergilius Maro (70 a.C. – 19 a.C.):
         
“Talvez um dia seja um prazer
          Recordar essas coisas...”

         
          Fonte de consulta:
           
"A Eneida" (Publio Virgilio Maronis)
                                            (clique)
 
 


                            À Estranheza da Vida
                           Figuras de linguagem:
           Personificação:
     a) "A lareira me enfeitiça",
     
b) "o vinho beija a minha veia".

pois que "lareira" e "vinho", adquirindo vida, doaram atributos humanos (enfeitiçar e beijar) a seres inanimados. 
 
         Metáfora:
"o manto escuro que surge com os seus graciosos diamantes, flores suspensas noturnas" (= o céu estrelado).
 
       Peculiaridades:
     "Floresço!" - verbo caro à autora, num amplo leque de significados, dos quais apreendemos alguns: "cresço interiormente", "desperto para a vida", "amo incondicionalmente", "toco na realidade cor de rosa", "assumo minha rebeldia"...
 
    "Cisnes" e "Lua": termos frequentes em sua poética, onde merecem elocuções excelsas, transcendentes.

 
 
  
                                         À Foice
                            Figuras de linguagem:
     Paralelismo:
     "Ah, Poeta Ceifeiro!"
 
     Anacoluto:
     "A minha alma,
     vejo-a no espelho da sua lâmina!"

 
     Metáforas:
     a) "rede bordada de estrelas" (= a noite).
     b) "jardim noturno" (= a noite).

 
     Elipse:
   "E no alto do pescoço,
[use, corte com, rasgue com] a foice!"
 
     À parte os demais significados do verbo dessangrar, percebe-se inequivocamente o sentido de sangrar (tirar sangue abrindo uma veia).
     A poetisa parece viver num inferno em vida, infeliz, triste, tendo em vista a afirmativa final:
                 
"E dormirei, então,
                em sua alma,
                eternamente!"

 
 Ou seja, ela precisa morrer horrivelmente, tragicamente, para conseguir a felicidade no sono eterno ao lado do seu próprio carrasco e amigo.
    Tremendos símbolos trágicos.  Tão poderoso o tema, que a poetisa abandona a segurança, a precisão dos verbos e constroi as primeira estrofe, por exemplo, com seus instantes finais amparados em algumas poucas palavras. 
    Tom elevado, solene, trágico. Fim conformado ante a Dama da Foice.
  O verso "Ah! Assim tão repentino!" dá voz a um sentimento coletivo, surginte em todas as bocas, ao perceberem o fim: Já?!
    E a ironia final pertence ao Ceifeiro:

        "Não queria morar distante do chão?
         Dei-lhe asas!"

 
  
 
                             A fortiori (In Arena)

     Teu sangue ondulou como rio em minhas veias
     e agora é teu inferno que arde....
     Mas tua dualidade levou minha inocência.
     Sua mandíbula devorou cada pedaço
     da minha carne,
     me fez tremer, desejar...
     mas não sei o que você deseja...
     é a mim que você pede?
     Ou desenha uma paisagem
     que meus olhos não podem colher?
 
     E se tua língua dançasse sobre meu loiro seio?
     E se eu me alimentasse de você?
     Você diria que sua cabeça é feita de anjos e demônios?
     Tentaria me expurgar de você?
 
     Se teu suor espalhado pelo meu corpo
     fizesse brilhar minha pele?
     Você diria que cultiva ainda a solidão?
 
     Fico na defensiva?
     Não importa o que eu faça!
     Minha alma há de pagar pela alma que pede
     e a sua pelo que deixa de viver!
 
     Poderia sussurrar em teus ouvidos
     coisas que nem os anjos inversos ousariam,
     ou poderia ser sua menina,
     mas o que você quer?
     Deseja inundar-me com tuas vontades
     ou derramar sobre mim tuas cinzas?
 

                                         ***
 
    Simbolismo, plurissignificação, conotação... Entrega absoluta às palavras, esses anjos delicados e vaidosos, que adoram assumir o comando de quem, vencido, apenas assiste suas mãos escreverem coisas jamais pensadas, sonhos pousantes. (Desconfio que perdi o comando da lógica verbal...)
  
  
 

                                   À Fria Mortalha
       Reli-o como se em transe.
     Difícil não regressar a ele. Após, ficar meditando, já de posse de sua mensagem densa, opaca e pavorosa. Cada leitura, uma mensagem.

 
  
 
                         A Noite Flui em Minhas Veias
   Poema-luz, nascido das densas trevas em que se debate inutilmente a alma da poetisa.  Estilo macerado por um sofrimento inocultável.
  Metáforas, personificações, apostos, reiterações o enriquecem e nos conduzem mais celeremente à subjetividade e à catarse. 
   Profusão de imagens poéticas de bom-gosto, maduras, coesas, pertinentes, anelantes.
    Onde, em que limbo, em que parte de si, em que lugar precioso ela encontrou, por exemplo, "Minha alma é o poema", "Minha alma é a distância!" e "Minha alma é a madrugada que me beija"?
   São expressões que, a partir de seu uso em suas páginas, independem de tempo e espaço para florirem, encantarem, alegrarem. 
    Onde, eu dizia? – Nas "tenebrosas trevas" (palavras suas).
  
 


                              A Pele em Cicatriz
     Este poema possui a sua habitual originalidade ácida, avara de beleza e pródiga em náuseas. A dicotomia corpo/alma se faz presente, assim como a crueldade do corpo em maltratar satanicamente a alma. Lady Augusta dos Anjos. Dos Anjos?!
 

  
 
                      A Poesia Constroi Paisagens
                        Figuras de linguagem:
Elipse - na estrofe inicial.

Gradação decrescente - na segunda.
Gradação crescente - na terceira.
Aliteração - no verso "o astrolábio entre as estrelas".
Aliteração, em: "a incerteza do abstrato".

     Nota-se ainda a anáfora e o paralelismo, englobando todas as estrofes.
   Um poema cujas definições de poesia ampliam o nosso entendimento. Uma realização literária convincente, sensível, prática.


                                             **&**
 
  Você usou temas recorrentes, paralelos, semelhantes - e não a admoesto, lógico.  Achamo-nos todos repletos, transpassados, imersos de assuntos corriqueiros, de histórias bíblicas, natalinas, patrióticas...  Impossível não se escrever cinco linhas sem se apropriar de algo alheio, coletivo, geral.  Eis a intertextualidade. Rolland Barthes, Mikhail Bakhtin e outros grandes assinariam embaixo do que afirmo aqui.
   Interessa sim que você brilhou abaixo dessa estrela magna.  Caprichou.  Arrebatou.  Encantou.  Aterrorizou.  Anjo terrível rilkeano, imobilizou-nos.
    Ora, o que muda o mundo, dialeticamente falando?  As idéias, claro.  E de onde vêm elas?  Vêm de perguntas surpreendentes e surpreendentes respostas.


 
  

                       A Poesia Nasce Estrangeira
   Original e contendo boas definições de poesia, do fazer lírico, da interação arte/artista/mundo.
 

  
 
                       Ah! Tuas Mãos Famintas! (rs)
  Este poema, estátua erigida ao prazer, torna inequívoca a vocação da Lady: cobrir o mundo de amor, intenso amor sem amanhã.
 

  
 
                        Alçam Voo as Nossas Almas!
  Diante deste poema, eu, ateu, exclamei: "Nossa Senhora!" E chorei.

                          Figuras de linguagem

        Elipses:
     a) "Veio o seu coração em
[forma de] pássaro!"
     b) "Também me libertarei em
[forma de] pássaro!"
 

       Anacoluto:
    O estranhamento advém do uso de vocábulos ou expressões aparentemente sem nexo, mas que nos conduzem a um nexo maior, superior, o sentido do coração, da alma grata, da razão reconhecida.
     Citamos como exemplo a última estrofe, onde o efeito cataclísmico, arrasador, nos reduz a leitores imóveis pelo espanto.
    E a terceira estrofe é um dos mais belos anacolutos (figura de linguagem onde ocorre a subversão da lógica sintática) da literatura brasileira, em que a locução interjetiva "ai de mim" quebra as correntes da sintaxe e propõe, na humildade da sua dor, uma nova coesão textual.
     Falei pouco.

  
  
 
                        Alma, Outrora Réquiem
     Do título ao último verso, um poema não pensado e bem construído, como devem ser os bons poemas. Primeiro, a inspiração; depois, as podas, as melhorias estilísticas.  Poema que seduz, aconchega e envolve.
 
  
 
                            Alva e Frágil... Frágil?
     A angústia inerente ao ser humano aí se presentifica, provando sua fragilidade, sua transitoriedade, sua desproteção, seu desamparo perante o Tempo e as coisas.
    Só para concluir - e referindo-me a este e outros escritos dela: 

     Perguntas levam a perguntas.  Dúvidas, a dúvidas.  Deus, a mais Deus.  Boas, suas abordagens. Envolventes, suas angústias.  Catárticos, esses seus textos.  

 
Enviado por Jô do Recanto das Letras em 09/08/2013
Reeditado em 29/08/2013
Código do texto: T4427370
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