Ando Assim, Sereia Escrevendo no Mar
    Na obra de Lady Laura, "bordar" tem vínculo com ornamentar, embelezar, tornar perfeito; já "costurar" carrega um sentido fúnebre, funesto, macabro.
   Nessa linha, esbanja delicadeza e graça o verso "sereia, bordando no mar os meus poemas".
     E "sombra sem norte" fornece uma noção precisa do seu desencanto, já que "sombra", "sombrio" etc. conotam algo degradante, triste, amorfo, distante, pesaroso.  Para piorar a situação, ela completou com "sem norte", uma locução adverbial que dá a ideia de sem saída, sem jeito, sem salvação, vencida, destroçada.
E isso é pouco diante do próximo verso:
"essência inscrita na lápide do peito",

 
onde "essência" significa a alma viva sobre todas as coisas, enquanto "inscrita" possui um viés negativo, de inscrição de um nome num túmulo.  E fechando a aura tenebrosa do verso, "lápide do peito" expressa alguém em estado de nada, de campa, de tumba - no caso, a própria poetisa.
O verso
"enquanto componho as minhas saudades"
 
é pura evocação, ingênuo devaneio, de quando ela compõe, compila, escreve (na frágil areia?) a trajetória dos seus sentimentos e inolvidáveis amores perdidos.

 
     E "naufragando" torna óbvia a consciência de fim, de derrota completa.
  E "cicatriz em cada verso" retrata a angústia, a onipresente dor que cada verso seu traz: um ferimento cicatrizado, uma oculta mágoa, um florido desgosto, uma alada decepção, um tardio arrependimento, um tão gentil remorso...

 
        Fontes de consulta:

Dicionário Eletrônico Houaiss, de
Antonio Houaiss. Edição de 2006.
Elementos da Análise do Discurso,
de José Luiz Fiorin. 14ª edição. Editora
Contexto, SP, 2008.
Minigramática, de Ernani Terra. Editora
Scipione, SP, 2012.
O Texto e a Construção dos Sentidos,
de Ingedore Koch. Editora Contexto, SP,
2007.

  
 
 
                            Ando Onde Há Espaço
  Filosofia em verso.  Vivência (experiências) transpostas na composição concisa e sensível, dolorosa e desnuda.
Eis aí um poema que merecia mais comentários.  Amplo e arejante.  Granito sob palavras!

 
       
 
                                     Anjo Corvo
   Substituindo o "Durma com os anjinhos" pelo inusitado "Anjo Corvo", ela se supera na descrição de suas noites e a companhia dele. 
   Senão vejamos: "Pastor sombrio", numa época em que os pastores, como os padres, são respeitados pelo seu vínculo direto com Deus, aparecendo sempre como a mão amiga, a palavra melíflua e sincera, a paz nos momentos extremos... 
Sintam a crudelidade da cena:

     "Pastor sombrio
      Velando as minhas noites
      Com a natureza fria da lâmina" (= a foice da Morte)

 
ela dorme normalmente velada por esse ser do Fim, não obstante conhecer da sua natureza exterminadora.  Nada faz para exorcizá-lo ou enxotá-lo.  Íntima das mais absurdas criaturas da sombra, descreve as características do Pastor, a quem fita nos olhos, em tom de intimidade, discorrendo:

      "Contemplo a noite em seus olhos,
       a total ausência de cores,
       mar de naufragados sonhos."

 
  Realmente, medidas e pesadas todas as consequências, ela assumiu o lado negro da Vida, trazendo a nós outros, seres do dia, o tremendo relato das suas experiências fascinantes, místicas, apavorantes.  Poema ancho de estranhamentos, de soluções estilísticas inesperadas, que nos fazem despertar para um mundo lírico inimaginável.
E avançando mais:

     "O seu peito é uma lápide,
      Fonte de latentes chagas,
      Exílio embebido em dores."

 
   Embora saiba dessa lápide, dessas chagas e desse exílio puras dores, ela não recua de sua posição de discípula do Mistério e do Terror.  É a sua fé, sua verdade, seu prazer, sua filosofia. 
    Desperta o poema nossos medos inconscientes, e só refletindo com calma percebemos o significado da sua renúncia e a engrenagem das escolhas humanas.
    E antes que lhe lancem pedras, lembro que todos nós temos escolhas secretas e, muitas vezes, inconfessáveis...
 
  
 

                        Antes da Primavera, o Mar!
     O verso isolado "De malas prontas para o mar" sugere que a poetisa se afogará no oceano.  Até porque, se fosse uma viagem à Europa, por exemplo, estaria expressa tal intenção ao longo do poema.  Ao contrário, ela reitera de vários modos a ideia, a certeza, quase o desejo de partir para sempre.
   O título também sugere que antes que chegue a primavera, a poetisa desaparecerá no mar.  Reforçando, a primeira estrofe fala de "estrelas obscuras" e que o amado talvez a sinta - presume-se que ela estará entre os astros.  Outra pista: na segunda estrofe, ela fala do seu "último instante" e seu "último beijo".
   Tomando-se "primavera", aí, em sentido figurado, metafórico, concluímos que significa "antes do amplo florescimento", antes portanto do outono, encarado frequentemente pela autora como o amadurecimento, o tempo da colheita, o início do envelhecimento.
   A seguir, abre um panorama das ações realizadas e dos sonhos idealizados, numa retrospectiva onde se eleva, dolente, errático, o seu eu lírico, dando voz a um sentimento de
mea culpa de quem fez o possível para viver bem com todos, para acertar, embora se enganando tanto.  Lamentações sobre os escombros, à maneira de Luís de Camões em "Sôbolos Rios", a maior elegia do mundo.
    Predominam no poema as confissões, a humildade, o mar e o reconhecimento dos limites de quem viveu intensamente, forçando tais limites em direção ao céu e ao inferno.
  
 
 

                              Aqui pra Você, Óh!
   Você exerce o sagrado direito de opinar, muito embora tais opiniões não interessem à crítica literária. De qualquer modo, suas palavras, entre indignadas e sarcásticas, expressam verdades modernas.
 
  
 

                  Atrás o Avesso, Espelho da Carne
     Poema que, das próprias ruínas, emerge monumento. Elevadíssimos versos. Ladynossa...
 
 
  

                                 Ave-palavra
    "Ave" dá a ideia de algo positivo, grandioso, até sagrado.  Haja vista a expressão "Ave, Caesar!", com a qual as multidões saudavam os césares – equivalendo a "Nós vos saudamos, deus!"
    No poema da Lady, numa primeira leitura, ave é empregado em seu aspecto semântico lógico, racional, em função do enunciado (frase): A palavra é uma ave que se acha sobre o muro.    
    Relendo e meditando, porém, vêm-nos à mente as conquistas romanas, as saudações majestáticas, os filmes
(Ben-Hur, A Queda do Império Romano, Quo Vadis...), e nos desprendemos, nos distanciamos do sentido literal do termo, fantasiando exércitos formados, povo, honrarias, imperador...
     E nisto nos auxilia a aliteração em /v/: palavra, ave, vitória, que nos transporta para a outra margem do texto.  Isto sem contar a originalidade do dizer poético da autora: signos empregados numa dicção metafórica, transcendente, numa escritura que foge ao cotidiano de um discurso denotativo.              
Eis a segunda estrofe:

     "Palavra,
      ave em primavera,
      asas em outono."

 
   Lady define a palavra como "ave em primavera" (aposto), querendo talvez dizer da brevidade das asas abertas, do voo, mas que entretanto se consola (inconscientemente) com a presença das aromáticas flores da juventude.
    E aí vem o segundo aposto: "asas em outono", ou seja, a consciência ultrapassa os devaneios da adolescência, adivinhando já a maturidade, a experiência, a leitura ponderada do mundo.
     A terceira estrofe de certa forma se encaixa no que eu disse da segunda, confirmando-a.
  E a terceira conclui a divagação da poetisa, reafirmando o valor da palavra em qualquer contexto lírico, reforçando seu caráter polissêmico, de multidizer, reinterpretando os sentimentos, ações e fatos - nunca resvalando para o devaneio vazio.
     A quarta e última estrofe configura uma contradição, o que não desmerece mas sim enriquece o conjunto de afirmações da escritora:

     "Palavra, múltipla mas
      jamais escrava do sonho!"

 
    A palavra, apresentando-se como múltipla em seus significantes, forçosamente faculta bastantes interpretações (significados) aos enunciatários, sob o império do sonho social.
      Poema-veleiro, segue um roteiro de devaneios líricos, graças à razão e onirismo com que foi escrito.
  
 
 

                             Bárbara e Obscura
     A escritora nos faz refletir sobre a vida, a morte, o tempo, a Eternidade - tudo faiscante em seu poema. Corpo - matéria em pânico!
 
  

 
                                   Besta-fera
"não sei se me elevo até o céu": tirando o "até", o poema ganha em excelência formal absoluta, quero dizer, ritmo exato, ótimo.
E como arte poética não é só forma, expressão, palavra escrita, texto, apresso-me a louvar o profundo, o denso, o dramático conteúdo do seu trabalho.

 


            Caro data Cuniculus!        
Original dela
     Caro de carne mea... rs          

     Devolve o corvo
     a alma pela noite roubada,
     Alice volta ao corpo
     outrora ali despejado.
 
     Sobre o ombro, então pousado,
     faz-se o corvo vigilante,
     olhos noturnos de Alice.
 
     À sua frente, tens agora
     um homem dizendo senti-la n’alma.
 
     Por outro lado, vem a noite e diz:
     - Maldita sejas tu, Alice!  - esbraveja.
     - Tudo em ti é paisagem!
 
     - Ai de mim!  Seja água ou vento...
     - Que venhas de onde for!
     - Não me importa!
     - Que de tudo venha vestido.
     - Enquanto a noite aparecia à porta
     - Fez-se ele agora rendido!
 
     - Vá! Aguardo então o dia
     - Que teus olhos voarão ora vencidos de sonhos
     a perder de vista!
     - E tu, Alice, será então novamente envolvida,
     - Ao acreditar que à tua beleza ele fez-se rendido!
 
     - Ora, noite, e que beleza importa?
     Não é só a carne que me rege!
     - Logo o tempo mudará minhas formas!
     - Ao pó retornei um dia...
     - Mas minha alma não se fará decomposta!
     - Desista!
     - Vista teu luto e vá embora!
     - Pois bem!
     - Que assim seja, assim se faça!
 
     Sugou então todo seu hálito do quarto
     que ao corpo de Alice tirava todo o viço...
     E como noite, dissolveu-se
     assim que ardeu a luz em êxtase!
 
     Agora Alice adormece
     rendida aos antigos cuidados,
     flui teu sangue em outros lábios e,
     como vinho,
     escorre em espiral pela gulosa garganta do poeta,
     abismo tão sonhado!
 
     Tenhas agora mais cuidado
     em reter-me submersa em tua língua!
     Sou refém agora de tua saliva
     e que tua alma novamente me devore!
     Vem cá!
     Dos pés a cabeça, embriaga-se,
     cubra-me com tuas carícias,
     estou agora dócil,
     crava-me tuas garras.
 
     Contemplou minhas divinas formas
     capazes de suportar seu leito de fogo!
     Submeta-me, feroz nas tuas delícias,
     molhando todo meu corpo
     com teus olhos impuros de homem!
     Vê que enquanto febril me enlaça
     feito serpente com tua força,
     Que teus dentes
     suguem todo o meu sangue...
     e que minha carne lhe sacie
     enquanto você também mantiver-me com fome!
 
 
 

           Caro data Cuniculus!           Modificado pelo Jô
     Caro de carne mea... rs

     Devolve o corvo
     a alma pela noite roubada,
     Alice volta ao corpo
     outrora
 dali despejada.
 
     Sobre o ombro, então pousado,
     faz-se o corvo vigilante,
     olhos noturnos de Alice.
 
     À sua frente, te
m agora
     um homem dizendo senti-la n’alma.
 
     Por outro lado, vem a noite e diz:
     - Maldita sejas tu, Alice!  - esbraveja.
     Tudo em ti é paisagem!
 
     - Ai de mim!  Seja água ou vento...
     Que venhas de onde for!
     Não me importa!
     Que de tudo venha vestido.
     Enquanto a noite aparecia à porta
     Fez-se ele agora rendido!

 
     - Vá! Aguardo então o dia
     em que teus olhos voarão ora vencidos de sonhos
     a perder de vista!
     - E tu, Alice, será então novamente envolvida,

     ao acreditar que à tua beleza ele fez-se rendido!
 
     - Ora, noite, e que beleza importa?
     Não é só a carne que me rege!
     Logo o tempo mudará minhas formas!
     Ao pó retorn
arei um dia...
     Mas minha alma não se fará decomposta!
     Desista!
     Vista teu luto e vá embora!
    - Pois bem!
     - Que assim seja, assim se faça!
 
     Sugou então todo
 o seu hálito do quarto
     que ao corpo de Alice tirava todo o viço...
     E como noite, dissolveu-se
     assim que ardeu a luz em êxtase!
 
     Agora Alice adormece
     rendida aos antigos cuidados,
     flui
 seu sangue em outros lábios e,
     como vinho,
     escorre em espiral pela gulosa garganta do poeta,
     abismo tão sonhado!
 
     Tenhas agora mais cuidado
     em reter-me submersa em tua língua!
     Sou refém agora de tua saliva
     e que tua alma novamente me devore!
     Vem cá!
     Dos pés a cabeça, embriaga
-te,
     cobre-me com tuas carícias,
     estou agora dócil,
     crava-me tuas garras.
 
     Contemplou minhas divinas formas
     capazes de suportar seu leito de fogo!
     Submet
e-me, feroz nas tuas delícias,
     molhando todo
 o meu corpo
     com teus óleos impuros de homem!
     Vê que enquanto febril me enlaça
s
     feito serpente com tua força,
     Que teus dentes
     suguem todo o meu sangue...
     e que minha carne
 te sacie
     enquanto
 tu também me mantiveres com fome!

 
“Caro data Cuniculus!”: Solilóquio, diálogo, multilóquio. Tragédia grega, falas bíblicas (salomônicas), noções de epitalâmio, de ode, de balada, de cântico, de elegia.  Tensão, elevação, catarse.  Emoção, perda, esperança. 
Eis um resumo que nada resume, que apenas interpreta a visão que me concedem seus versos.
    Não critico nada, nada enalteço ou desmereço (por ora) - somente declaro aflita e alegremente o que vi neles. 

 
Enviado por Jô do Recanto das Letras em 09/08/2013
Reeditado em 29/08/2013
Código do texto: T4427364
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