Martha Medeiros: Feliz por nada, apesar da internet
Não havia mais nenhum lugar no auditório principal da Bienal do Livro de Brasília. Quem chegava se acomodava no chão, se encostava à parede ou tentava enxergar por cima dos ombros de quem ficava em pé. No mesmo evento, José Rezende Júnior reclamou da falta de leitores. Esse realmente não é um dos problemas de Martha Medeiros. Seu último livro, “Feliz por nada”, foi o quinto livro de não-ficção mais vendido em 2011 – e o primeiro de crônicas. Neste mês de abril, ainda está em nono lugar. Em grande parte, o sucesso se explica pelo nome do livro – quem diz é a própria Martha, que escolheu o título muito por acaso. Mesmo assim, ela não se engana: “Felicidade e literatura não combinam para a intelectualidade”.
Mas para aqueles que vieram assistir a sua palestra, não poderia haver mistura melhor. A maioria do público era composta por mulheres. Isso não significa que os homens não gostem de suas crônicas – de uns temos pra cá, são eles, inclusive, quem mais mandam e-mails para ela. E boa parte desses leitores acha que Martha é uma mulher resolvida. Ela nega. Diz que é uma confusão que as pessoas fazem. “Quem sou eu pra dar conselhos pra alguém?”. Muitas vezes, a crônica de Martha é apenas a gota que faltava para alguém tomar uma atitude.
Nem sempre é bem compreendida. Ano passado, a sua crônica “Não sou passarinho” causou polêmica e irritou leitores do Zero Hora. Ela reclamou dos passarinhos que cantam às quatro da manhã e não a deixam dormir – por ela, abatia todos. Martha diz que foi uma coisa super brincalhona. Mas chegou até a ser denunciada para o Ibama. Por motivos como esse, vez ou outra ela recebe e-mails com críticas pesadas. Gente que não quer que ela escreva mais. “Mas bate-boca por e-mail não rola, né?”. Martha também tem a vaidade de ser gostada. E gosta do leitor que escreve reclamando de algum ponto não abordado na crônica por falta de espaço.
O que ela não gosta mesmo é do que fazem com ela na Internet. Mudam os seus textos, inventam frases, colocam um final diferente para crônicas suas, e em geral com uma moral melosa que ela jamais seria capaz de escrever. Em campanhas políticas, chegam a acrescentar frases soltas no meio dos seus textos – transformam seu leitor em eleitor. É por isso que ela tem bronca com a Internet, e preferia não ser conhecida por ela.
Mesmo assim, Martha Medeiros concedeu uma pequena entrevista para RUBEM – essa revista da Internet (http://rubem.wordpress.com).
RUBEM: Você foi a escritora que mais reuniu gente na Bienal do Livro de Brasília. Esse sucesso é típico da crônica, um gênero popular que sai em jornal, ou você poderia conseguir algo parecido com as suas poesias?
MARTHA MEDEIROS: Creio que os poetas podem, sim, atrair uma grande platéia, ainda mais se eles forem do porte de um Ferreira Gullar, uma Adélia Prado… Esses eventos como as Bienais do Livro, Feiras do Livro e outros festivais literários reúnem um público interessado em ouvir escritores de todos os gêneros – comprar o livro já é outra coisa. No meu caso, tenho consciência de que a crônica é que gerou essa identificação e interesse do público, o pessoal se sente representado, pois abordo questões aparentemente triviais, mas que provocam uma ressonância profunda em cada um. Se eu tivesse seguido carreira apenas como poeta, a repercussão do meu trabalho seria bem diferente, mais exclusivista.
R: Também na Bienal de Brasília, você chegou a dizer que a maior parte das pessoas que lhe mandam e-mails são homens. Como eles reagem ao que você escreve? Qual a diferença no retorno que recebe deles e das mulheres?
MM: No começo recebia bem mais de mulheres, e agora percebo que os homens estão se manifestando mais. Não que eles se coloquem de forma diversa, é a mesma coisa: elogiam, criticam, contam algum caso pessoal que aconteceu com eles… O que mudou é que eles estão se sentindo convidados a entrar num mundo que até então lhes parecia desinteressante. Antigamente mulher escrevia sobre culinária, moda, filhos, questões domésticas e fim. Hoje as mulheres também escrevem sobre política, economia, esporte, ou seja, o leitor tem o que trocar conosco. Mas o grande atrativo é realmente poder refletir sobre questões existenciais através de uma colunista que não se coloca como vítima, como “mulherzinha” no sentido mais pejorativo do termo. Acho que tenho uma cabeça bivolt que os deixa à vontade para também se reconhecerem no que escrevo.
R: Você já teve casos de crônicas que geraram polêmicas entre os leitores, como aquela dos passarinhos. Você chega a se policiar no momento de escrever para evitar alguma confusão com o leitor?
MM: Não me policio, de nada adiantaria, sempre vai haver alguma reação, e provavelmente de um assunto que eu nem imaginava que repercutiria. As maiores “polêmicas” são geralmente provocadas por temas que me parecem irrelevantes, como os dos passarinhos ano passado e os dos bichinhos de pelúcia que já faz quase 15 anos. Falou em bicho, o bicho come. ;)
R: Em relação à Internet, você se mostra chateada com textos seus modificados ou recortados. Em que medida a divulgação na rede ajuda e prejudica o seu trabalho?
MM: Preferiria ser lida por muito menos gente, desde que eu soubesse que quem me lê tem em mãos o texto íntegro, original. Não me interessa ser arroz de festa na internet sabendo que a grande maioria dos textos trazem adulterações nos títulos, no conteúdo, e principalmente nos encerramentos. Fico boba de como as pessoas não respeitam o direito autoral e sem a menor cerimônia adulteram os textos dos outros. Não me sinto envaidecida por isso, preferia sinceramente sumir da Internet e sustentar minha carreira apenas com as crônicas nos jornais e os livros publicados. Sonho impossível. Não tem solução, o jeito é conviver com essa bagunça e contar com a vigilância dos leitores, que muitas vezes percebem o erro e interrompem a circulação.