CRIANÇAS INQUIETAS, COM DEFICIT DE RACIOCÍNIO

Dr. Marcio – Peço uma ajuda, que se puder me dar lhe ficarei eternamente grato.

Tenho um neto, Joel, com seis anos e meio de idade, que nasceu após o prazo normal e logo começamos a perceber que era muito inquieto, a partir de um ano de idade; se revoltava quando era chamado para qualquer ação que se lhe prepusesse; sendo muito exigente, com pouca inteligência e se propondo a fazer tudo que não entende.

Seu pai foi assassinado quando Joel tinha sete meses, pois passou a ter uma vida irregular, ao descobrir que sua esposa era adúltera e o abandonou para uma vida de prostíbulo.

Para o Joel eu sou o pai dele. Minha esposa luta muito com uma filha nossa que teve complicações ao nascer e é paralisada nos movimentos dos membros, tem problemas de raciocínio e ela e o Joel nos trazem muitos desgastes físicos e psíquicos.

Joel já esteve freqüentando escolas para crianças como ele e me aconselharam a levá-lo em outra, que diziam ser melhor que a anterior, que ele se dava bem.

Acontece que a nova professora dele se indispôs com uma desobediência dele, ao tomar água e ele jogou-lhe o copo d’água. Disto resultou um drama tão grande, que a diretora do estabelecimento aconselhou-me a arrumar outro local para ele frequentar.

Isto me deixou em pânico, pois na escola anterior, nada disto se passava. Não sei o que fazer. Pode me dar uma orientação?

- Josival

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Josival, eu gostaria de ver o Joel e examinando-o, medicando, se preciso e lhe dar uma orientação mais segura, do que palpites. Pode ser?

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Dois dias após a resposta, aparecem o ‘pai’ e o filho para conversarmos. Notei em primeiro lugar que se tratava de uma criança inquieta e que fazia de tudo para chamar a atenção sobre si e sobre o brinquedo que trazia nas mãos, uma motinha de alumínio, com rodas de borracha, que ao perceber que a notamos, tratou de retirar os pneuzinhos e arrebentá-los. O avô se mostrava insatisfeito e o neto andava de um lado para o outro, no consultório, procurando tocar em tudo que havia sobre a mesa, na maçaneta da porta e nas almofadas no sofá, hora deitando, ora assentado, brincando com a moto sem pneus, sobre o sofá de couro.

A intranquilidade do avô fazia-o chamar a atenção do neto sem parar.

Uma vez anotado o relatório médico, pedi ao Joel se ele poderia deixar-me examiná-lo. Por curiosidade, ele deixou ser conduzido até à cadeira de exames, recebeu um abraço de “muito obrigado” e fizemos todos os exames clínicos que a rotina para estes casos exigia, sem que fizesse algo estranho. Seu grau de satisfação ao ver que o examinávamos com carinho e passadas de mãos no rosto, como agradecimento, levava-o a fazer tudo que era necessário, até o Reflexo de Romberg, fez sem titubear, ou oscilar.

Beijei-o, coloquei-o no sofá e ele se deitou um pouco, começando suas caminhadas pelo consultório.

De repente eu lhe pedi que ficasse do meu lado, pois iria precisar que ele fizesse algo. Ele veio e perguntou: “O quê?”

_ Eu quero saber se você sabe escrever o seu nome, Joel e se souber, que escreva para eu ver sua letra bonita. Dei-lhe um pedaço de papel e uma esferográfica.

Ele escreveu o J, perfeito e ficou a esperar ajuda. Eu e o avô dissemos: “J e o resto para sair o Joel”. O avô se adiantou e disse: “O, de Joel”, demonstrando certa impaciência. Ele pegou a caneta e escreveu certinho o “Joel”, demonstrando que queria nos provocar, para vermos como escrevia o seu nome.

As letras eram razoavelmente bem traçadas e para compensá-lo, li o papel, abracei-o demoradamente e dei-lhe um beijo, mostrando-me bastante contente.

Ele assentou-se no sofá, olhou para o avô, com uma expressão que parecia dizer: “Viu? Eu fiz!”

Depois de algum tempo, recomeçaram as caminhadas, sempre olhando, como se aguardasse que o impedíssemos.

Depois de certo tempo, pedi a ele que provasse para mim que ainda se lembrava do escrito. Ele pegou o lápis e o papel, traçou duas nuvens, disse que uma era um passarinho e escreveu o ‘Joel’ normalmente e de trás para frente.

Minha alegria foi tanta que o abracei e o beijei várias vezes.

Ele sentindo minha amizade, começou a perguntar cada objeto que eu guardava num vaso de madeira. Expliquei o que era, para que servia e em seguida, ele brincando com meu martelo de testar reflexos tendinosos, disse que precisava ir ao banheiro fazer ‘xixi’. O avô o levou e creio que foi muito dedicado e delicado, ajudando-o, como me relatou.

Prescrevi a medicação, expliquei como ser ministrada, aconselhei ao avô que o levasse de volta à escola anterior à que tinham injuriado-o e convidei aos dois para irmos tomar água, enquanto minha secretária, minha esposa, marcava um retorno para ele em alguns dias.

Ao chegarmos ao bebedouro perguntei: “Qual água você quer, a gelada, ou a normal?”

O avô se antecipou: “A normal!”

Ele retrucou: “Eu gosto é da gelada, mas ele não deixa!”

Corrigi: “A gelada não faz nenhum mal, as pessoas são preocupadas sem motivo.”

Dei-lhe um copo da gelada, tomou todo sem pressa, ou mostrando alguma rejeição.

Assim que abandonei os copos usados, ele me disse: “Eu queria fazer uma coisa, mas tenho medo dela não gostar”, apontando para minha esposa.

Perguntei: “O que você gostaria de fazer, Joel?

A resposta: “Dar um beijo nela (Minha Esposa)!"

Dirigimos para a sala de espera e eu falei para ela: “Bem! O Joel queria fazer uma coisa com você, mas está com medo de você não gostar!”

A resposta dela: “O que você gostaria de fazer, Joel?”

Ele olhou para mim, como a pedir ajuda e eu expliquei: “Ele quer lhe dar um beijo, mas está com medo de que você não goste”.

A reação: “Nossa, Joel é a coisa mais linda que eu podia ganhar!” Abraçou-o, beijou-lhe, ele a ela e quando olhamos para o avô, vimos lágrimas e uma afirmativa do avô:

“Quando saí de casa pedi a Deus para me trazer a um bom médico; ele me deu dois santos.

Rimos da afirmativa e lhe falei: “tentamos lhe mostrar uma única coisa: ele é muito carente, precisa de carinho e tem chance de aprender muito e a se comportar com alegria, se souberem tratá-lo bem. Vão ter trabalho e precisam de achar a melhor escola para lidar com ele”.

A alegria dos dois nos deixou numa grande felicidade, como a vida tem-nos proporcionado.

Amor e carinho nunca mataram, ou fizeram mal a ninguém.

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Dr. Marcio Funghi de Salles Barbosa

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