Entrevista com Archidy Picado Filho sobre seu novo livro: Ditos, bem ditos, maus ditos, reditos e jamais ditos de São Salabaussírio, o Décimo Terceiro Apóstolo – 1000 aforismos
- Como surgiu a ideia de produzir o livro de aforismos de “São Salabaussírio”? Quem é ele?
- A ideia de escrever um livro com aforismos de “São Salabaussírio” veio graças a uma brincadeira, feita por meu amigo Marjoni Alves de Albuquerque, Engenheiro Civil campinense: todas as vezes que nos encontrávamos e nos despedíamos ele dizia que nos encontraríamos de novo “com as bênçãos de São Salabaussírio”. Eu achava engraçado aquilo e lhe perguntava sobre as origens do santo, quando, então, ele me contava ser um personagem de sua autoria. Mas, como Marjoni não é um escritor, o santo não tinha história, nem nenhuma reflexão, nenhum pensamento, nenhum rosto que o caracterizasse. Então lhe pedi permissão para usar o nome do tal santo a desenvolver, em interações facebookianas, todos os primeiros 1.000 aforismos constantes no livro, assim como sua imagem, produzida pelo ilustrador paraibano William Medeiros.
- Segundo a ilustração de William, o santo é bem descontraído, o que não parece ser a característica da maioria das imagens de santos que conhecemos. A alegria é uma das características de “São Salabaussírio”?
- O amigo facebookiano Francis Lopes de Mendonça, que, com suas interações, também contribuiu para o desenvolvimento dos ditos de “São Salabaussírio”, observou exatamente isso no semblante do santo, tendo sido sua personalidade forjada, também, inspirada nas imagens pictóricas das representações do deus hindu Krishna, sempre sorridente, dançante e colorido – ao contrário das imagens dos santos católicos e do clima de mausoléu dos mosteiros cristãos e seus claustros, cheios de monges e freiras cobertas de panos pretos. Um bom conselho de sábios orientais é que, para vivermos mais e melhor, devemos fazer três coisas: comer a metade, correr o duplo e sorrir o triplo. É claro que a Vida não é feita somente de momentos agradáveis. Há muita tristeza e dor no mundo para que desconsideremos com seriedade os problemas. Mas, depois de ter assimilado que cultuar a alegria é importante pras nossas vidas, num de seus aforismos “São Salabaussírio” também sugere: “Antes de falar sobre coisas sérias aprenda a sorrir”.
- Na ilustração produzida por William Medeiros notamos que, no cordão que traz pendurado no pescoço, há representações de várias culturas religiosas, entre o signo dos gêneros sexuais, uma interrogação e até mesmo fitas, no pulso do santo, de Nosso Senhor do Bonfim, elemento tradicional da cultura de Salvador (BA) – o que nos sugere que “São Salabaussírio” não é devoto de nenhuma religião em particular. É assim mesmo?
- Sim, e isso porque ele sabe que os tais símbolos religiosos são apresentações artístico-antropológicas da ideia do “Deus Único” que, desde os Vedas até Jesus Cristo, entre muitos outros considerados “iluminados” depois dele nas várias culturas que se desenvolveram ao redor do mundo, conta mais de dezessete mil e treze anos de existências de tudo o que a cultura espiritualista foi capaz de produzir. Dessa forma, o que quer “São Salabaussírio” ao trazer no pescoço e no pulso todos aqueles penduricalhos é dizer sobre a estupidez dos conflitos desenvolvidos em considerações do “maior valor” de um culto, de um deus, sobre o outro.
- Há quem garanta que, se a religiosidade e as autoridades eclesiásticas não tivessem se desenvolvido entre nós, seríamos melhores, mais felizes, menos reprimidos... O que “São Salabaussírio” pensa sobre isso?
- Entre seus mil aforismos não me lembro de nenhum, no momento, que possa dizer algo especificamente sobre isso, embora certamente um ou mais deles discorram sobre o assunto, direta ou indiretamente. Quanto a mim, penso que a cultura e a autoridade religiosa – a despeito de ter sido perversamente utilizada por aqueles que perseguiram, escravizaram e mataram “hereges” – junto com as repressões familiares e escolares, foi e ainda é necessária para a contenção dos ímpetos, dos instintos selvagens destrutivos das pessoas, principalmente dos jovens, já que é neles que tudo se manifesta com mais intensidade. Além das considerações sobre nossa “inequívoca humanidade”, é-nos possível observar que há ainda uma quantidade consideravelmente alta de animais racionais entre nós! Como se faz à domesticação de qualquer animal selvagem, então, penso ter sido preciso inculcar o medo como forma de conter tal natural propensão à violência contra nós mesmos e contra os outros; e não apenas o medo dos poderes das autoridades terrestres, mas também das “celestes” – já que, ao desenvolvimento da civilização, não tem parecido suficiente a imposição de penas a serem pagas numa única vida. Assim, como não escrevemos outra história além dessa – que, a despeito de certas inovações, deverá ainda continuar sendo escrita nos mesmos moldes por muitas gerações – penso que nos é impossível saber se, sem o temor a “Deus” e seus castigos pós-mortes, poderíamos ser pessoas melhores. Mas, considerando o valor de “Deus” à formação humana, entre os aforismos do santo me lembro de um que reza: “Não temo a existência de Deus: Ele é quem anda com medo de que nós façamos com que não mais exista entre nós."
- Como foi sua formação religiosa?
- Nasci entre adventistas do sétimo dia e católicos; tornei-me mórmon por batismo aos oito anos. Em primeiras leituras adolescentes, enveredei pela filosofia cristã, por outras filosofias ocidentais, cheguei ao Oriente antigo, conheci Bhrama, Krisnha, Buda e o mestre indo-europeu Krishnamurti, que me orientou no caminho de descobertas mais íntimas sobre os fundamentos do eu e, por outro lado, o que nos acarretam todas as perdas que, como espiritualistas, devemos conscientemente efetuar; e mesmo por Jesus Cristo, porque ele também de perspectiva orientada a nos dizer que muito de toda esclarecedora luminosidade vem sempre “do Oriente para o Ocidente”. Mas todo esse “divino” conhecimento não é apenas uma questão da fé derivada da ingenuidade, como sugerem criticamente os ateus a rejeitar o lado “transcendente”, ontológico da Vida. Eles, como a maioria das pessoas, não percebem que não estão com “os pés no chão”, como se sente e imagina a maioria, mesmo os que se consideram espiritualistas, mas que, na Verdade, astronomicamente considerando, estamos tudo e todos no céu e que, do ponto de vista filosófico-psicológico, a se chegar ao “Céu de Deus” não nos é preciso dar nem um pulo para o alto.
- O que você pensa acerca da supervalorização quase globalizada de Deus em sua forma cristã Jesuína, acima de qualquer outra existente?
- Durante minha formação intelectual ouvi muita gente escrever e dizer sobre a relatividade de tudo o que a cultura e a civilização tem sido capazes de produzir e valorizar. Entre todos os legados, “Deus” é um conceito sinônimo de “Vida” que, segundo muitos compreendem, é a potência eterna que fez e faz existir continuamente tudo o que existe, incluindo nós mesmos e, por intermédio de sua potência criativa – que refletimos em nossa mente complexa – tudo o que a imaginação e as artes foram e são capazes de proporcionar objetivar. Faço essa breve incursão filosófica pra que você possa entender melhor porque o deus cristão é considerado o mais poderoso de todos: é assim, primeiro, graças ao extremo sacrifício realizado pelo carpinteiro nazareno que, como nos conta a história bíblica, e acreditam cristãos, diferente da maioria dos outros avatares, sofreu, morreu e “ressuscitou para nos salvar”. Segundo, porque tudo isso foi disseminado pelos poderes midiáticos da igreja católica que, desde a Idade Média – e provavelmente antes dela – se espalhou mais sistematicamente por todos os cantos do mundo com seu séquito de servos grandes artistas a construir imensas catedrais, pintar seus tetos, produzir quadros, afrescos, vitrais, esculturas, músicas, poemas e todo o resto das indumentárias capazes de “reproduzir”, no ambiente da Eclésia, o “clima celestial” do esperado “Reino de Deus” a influenciar as mentes de fiéis cabeças ocas. Porque, além do fato de que a ignorância é mãe do medo, e de todos os males que derivam dele, também aprendi que, de Brahma, primeira apresentação antropológica da força vital como um “deus”, passando por Jesus e outros mais modernos depois dele, só em cabeças ocas onde a ideia de um eu esteja ausente “Deus” e Sua iluminação podem habitar, como concluíram todos os grandes sábios iluminados iluminadores, orientais e ocidentais. Como disse Mestre Eckhart, “quanto mais há do eu, menos há de Deus”, uma questão filosófica com fundamentação oriental considerada pertinente na psicologia analítica do psicoterapeuta suíço C. G. Jung, ex-discípulo de Freud que, declaradamente ateu, não considerava a noção de “Deus”, e toda religião, não mais que produtos das ilusões que sustentam a esperança das pessoas num futuro melhor, diante da obscuridade do que é o futuro – sempre uma temeridade no interior de uma mente ainda suficientemente infantil para crer no amparo de uma “divindade amorosa” diante de todo nosso essencial desamparo.
- Qual o propósito da publicação do livro sobre os ditos de “São Salabaussírio”? Fundar a existência de um novo santo padroeiro?
- De acordo com os planos secretos da Vida, nascemos para um determinado fim. Como não sabemos o sentido natural de nosso nascimento, até que o descubramos – e gerações passam pela Vida sem nunca vir a descobri-lo, duvidando de que possa haver algum ontológico – por uma questão de sobrevivência (que muitas vezes nos faz viver uma subvida, sem que importe os milhões que temos no banco), somos forçados a estudar o que não queremos apreender a fim de que possamos saber fazer o que muitas vezes não nos dá nenhum prazer realizar, nem é preciso que se realize – embora, como nos previnam nossos pais e mães, seja necessário que nos determinemos aos estudos técnicos acadêmicos a fim de que possamos aprender alguma profissão. Não necessariamente a prestar bons serviços à comunidade, cumprindo os ideais propostos nos juramentos de integridade ideológica profissional e social que fazem economistas, engenheiros, professores, médicos, advogados etc. durante sua formatura universitária, mas, principalmente, a que possam se tornar financeiramente “independentes” e se libertar do julgo da família a darem conta de “suas próprias vidas” – já que é assim que todos pensam e desejam motivados por uma educação fundamentada no medo: o medo do futuro, da velhice, da doença, da pobreza financeira, do abandono e da morte, o que às vezes vamos padecer sem que importe que família nós tenhamos pretendido formar a nos dar, também, a segurança e o amparo que pleiteamos conquistar as melhores condições de enfrentamento do inevitável definhamento futuro; se você conseguir se livrar de uma morte prematura. Como necessariamente os acontecimentos não se dão como imaginamos e esperamos, precisamos considerar o apoio que “estranhos” possam nos oferecer, não apenas na velhice e na pré-morte, mas muito mais ao longo do quinhão da Vida que nos foi concedido viver – quando, muitas vezes, por razões várias, as esposas, os filhos, os irmãos, os tios, os primos e agregados nos dão as costas quando estamos sozinhos, desamparados. É quando devemos nutrir perspectivas, “espiritualistas” ou não, mas necessariamente universalistas integralistas a nos ajudar a formular as razões, os motivos para que nos dediquemos a melhorar nossos relacionamentos fora do âmbito familiar. E mais entre os relacionamentos notadamente desumanos a torná-los os mais humanos possíveis. Porque a Vida que nos mantém nos dá bons exemplos, dentro de nós, a nossa volta e acima de nós, de toda interdependência inescapável das vidas de uns ao sustento das de outros – embora ainda por uma perspectiva infantil, egocêntrica, nós nos pensemos separados de tudo e todos. É como se, paradoxalmente, por causa das igrejas e, mais, dos shoppings, não vivêssemos a mesma vida dos animais, das plantas, de tudo o que, como nós, se mantém vivo somente até quando a Vida quiser. Porque não somos “independentes”, “auto-suficientes”, como pretende que pensemos ser ou que devamos ser todo este sistema forjador do medo e da desumanidade excludente, que tem como fundamento de seus movimentos o único deus que, na prática (dizem), nos convém adorar: o dinheiro que, mal utilizado pelos perversos, gera toda discriminação negativa que, voluntária e involuntariamente, consciente e inconscientemente praticamos contra nossos semelhantes, principalmente contra os mais necessitados. Dessa forma, os mil aforismos de “São Salabaussírio” existem, mais uma vez, depois de dezessete mil e treze anos dos ditos de Krishna, e depois dos quase dois mil e quatorze anos dos de Jesus Cristo, como outro compêndio de auto-ajuda “espiritual” e estímulo a melhores relações humanas, de cunho um tanto crítico filosófico com pitadas de humor. E isso a pretender auxiliar às pessoas a terem uma visão crítica sobre elas mesmas, sobre suas relações com os outros, sobre o gigantesco mundo que as cerca e sobre a Vida eterna que nos mantém. Como diz “São Salabaussírio” em um de seus aforismos, com o que concordo, “Para que passe pelos dias bem, preciso sentir que dei minha contribuição à Criação.” Assim, foi pra isso que “escrevemos” o livro.
- “Escrevemos”, você disse: não foi você sozinho quem escreveu o livro?
- Entre os ditos na contracapa do livro, o primeiro deles é o do escritor argentino Jorge Luis Borges que, de sua perspectiva artística, transcendental, fantástica, afirmou: “Qualquer livro é escrito por um só autor, que é atemporal e anônimo.” Apesar de ele ter lido livros de muitos autores de sua vasta biblioteca – a qual ele considerava “o Universo” – bem como escrito e assinado muitos livros, o que ele quis dizer com isso? O mesmo que disse Jesus Cristo e outros sãos: não somos nós que falamos; a Vida fala em nós, Vida que a cultura patriarcal considerou um “Pai”, já que há o gênero masculino e feminino no mundo. Se invertesse a ordem do dito, diria “feminino e masculino” a sugerir uma “melhor” representação cronológica do que veio primeiro à Vida, como pensarão as mulheres. Independente de quem veio primeiro, entretanto, o fato é que o feminino tem seu sexo e sua psique preparados para apresentar o aspecto fêmeo-reprodutor da Vida em forma pré-humana, e o masculino o aspecto macho-reprodutor que, não apenas de forma fisiológico-sintética, auxilia o nascimento de seus possíveis mais de mil filhos e filhas anuais (potencial masculino de contribuição a reproduções de “nossa” espécie), mas também tem sido a força produtiva da razão, do intelecto, da criatividade associada à imaginação e à vontade de descobrir o mundo pra saber onde e como podemos modificá-lo, transformá-lo e até recriá-lo. Dessa forma, com essas características do macho da espécie racional, primeiro inventor de interpretações e apresentações formais da Verdade, da Vida eterna e sua supremacia absoluta, Jorge Luis Borges, Jesus Cristo e todos os santos têm razão: se a Vida é inventora de tudo, também é dona de nossos sentimentos, pensamentos e ações, sendo muito do que dizemos mais seus ditos do que “nossos”, a despeito de que tenhamos o “livre-arbítrio”.
- No livro há a observação de que, “Por causa de suas naturezas extremamente polêmicas, alguns dos 1000 aforismos postados no facebook só foram publicados neste livro”. Você pode nos dizer algum desses polêmicos?
- Como eu disse, eles são mesmo polêmicos e não posso citá-los aqui. Quem quiser saber qual ou quais são os tais terá que ler o livro.