Os Degraus Do Bandeirantes (As Vésperas Do IV° Reich) 1

AT.:

Este livro foi escrito a partir da experiência direta do Autor, voluntário nas campanhas do PT/86 e do PMDB/86 e da experiência indireta do mesmo através de pesquisa jornalística, com ênfase para as notícias publicadas no jornal FOLHA DE SÃO PAULO.

O caro leitor quer ter uma ideia precisa, sem mistificações, do que é realmente a política brasileira? Leia este texto documental sobre a eleição para Governador do Estado de São Paulo de 1986. E de seus candidatos à Assembleia Constituinte.

Este é um manual político indispensável a candidatos às eleições majoritárias e proporcionais. Neste livro estão presentes a análise de truques, coligações partidárias, conchavos e golpes baixos desferidos entre os candidatos e seus partidos políticos.

Neste livro conheça como são estabelecidas as estratégias eleitorais e suas flutuações no decorrer das campanhas. Como se hostilizam os candidatos adversários nos debates políticos assim como nos palanques discursivos.

Conheça a argumentação política dos candidatos da mais disputada de todas as eleições para Governador do Estado de São Paulo em 1986: Quércia (PMDB), Maluf (PDS), Ermírio (PTB) e Suplicy (PT).

Algumas das personalidades do cenário político nacional que participaram das eleições dos parlamentares Constituintes não estão mais nesta dimensão da matéria. Seus discursos não serão mais ouvidos. Mas a memória pública de suas atuações políticas continua a ecoar, viva, nas páginas deste livro.

DIGITAÇÃO DO TEXTO REVISADO DESTE LIVRO: MARIA MARQUES DO NASCIMENTO.

PREFÁCIO DO CEZAR

A questão da memória histórica é uma das questões básicas na História de qualquer sociedade. Quantas vezes não se observam processos históricos que se frustram em função de não se levar em conta experiências passadas.

Cada indivíduo e cada geração devem passar por suas próprias experiências biográficas e históricas, mesmo repetindo erros ou equívocos da história anterior. A história da humanidade se faz e refaz nesse processo de revitalizar o velho e vivenciar o novo.

A manutenção da memória passa a ser fundamental, para que os indivíduos e as gerações possam examinar, criticamente, a sua ação de novos contextos que a história renova.

É na conjuntura que a ação se faz História. Ela não se faz apenas como o homem a quer, mas sob certas condições e circunstâncias.

As experiências conjunturais passam a ser fundamentais no que concerne à compreensão de um processo mais longo e mais profundo da própria história.

É dentro deste contexto que gostaria de enquadrar o trabalho de Decio Goodnews. Seu diário da Campanha Eleitoral de 1986 em São Paulo contribui e certamente contribuirá para que os indivíduos e, quiçá, outras gerações, venham a refletir os seus próprios caminhos, tendo por marco, a experiência de 1986: a eleição para Governador do Estado de São Paulo.

Se esta é a comunicação de mais longo prazo que o trabalho de Decio Goodnews apresenta, creio que aponta para uma questão mais conjuntural, com efeitos talvez mais pertinentes para a sociedade brasileira, ao realizar de modo enfático uma crítica profunda em relação ao processo eleitoral de 1986: a do quase completo e total descaso com a questão da eleição da Assembleia Nacional Constituinte.

Uma das questões por mim colocadas à época da campanha de 1986 (apesar de afastado das lides político-partidárias) observando-a não só em São Paulo, mas em diversos outros estados do país, é a de que a sociedade brasileira poderá pagar caro o modo pelo qual se efetuou o processo eleitoral naquele ano exatamente em função deste desprezo, que a maioria dos políticos envolvidos nas eleições, demonstraram pela questão Constituinte.

Do mesmo modo, Decio Goodnews aponta em direção a outra questão, a meu ver extremamente grave para a sociedade brasileira, representada pelo aprofundamento de sua crise moral, porque produto da "visão liliputiana" que as camadas dirigentes e as classes dominantes brasileiras têm e mantêm sobre o país e seus eleitores.

Se encontro falhas no texto de Decio Goodnews em função, sobretudo, de impossibilidade técnica quanto a editoração a rápido prazo, e a um maior tempo para a formatação editorial deste livro, as qualidades indicadas acima, superam os defeitos de caráter mais formal do que essencial.

Espero que Decio Goodnews prossiga neste objetivo político de observar e sistematizar os conhecimentos da realidade de nossa sociedade, contribuindo com sua crítica para o avanço político e as conquistas culturais da sociedade brasileira.

César Augusto Oller do Nascimento

Professor de Política da Escola de Sociologia e

Política De São Paulo. Dirigiu as Seguintes

Instituições: Fundação Escola de Sociologia e

Política de São Paulo. Associação Profissional

dos Sociólogos do Estado de São Paulo.

Instituto Brasileiro de Planejamento Urbano

de São Paulo.

OS DEGRAUS

DO BANDEIRANTES

(As Vésperas do IVº Reich)

O parágrafo a seguir, pertence originalmente a uma entrevista de Burroughs, ao repórter do The Paris Review Knickerbocker em 1965. Sua reprodução neste contexto se deve à identificação do mesmo aos propósitos literários deste Autor.

“Pretendo que aquilo que digo seja interpretado literalmente. Quero tornar as pessoas conscientes da verdadeira criminalidade dos nossos tempos. Tornar bem visíveis os sinais. Todo o meu trabalho é dirigido contra aqueles que se dispõem, por estupidez ou desígnio, a fazer o planeta explodir ou torná-lo inabitável. Estou interessado na manipulação precisa da palavra e da imagem, não para criar uma propaganda da Coca-Cola, mas para criar uma alteração na consciência do Leitor.”

William Burroughs III

OS DEGRAUS

DO BANDEIRANTES

(As Vésperas do IVº Reich)

A NOVA

REPÚBLICA DE

LILIPUT

(PREFÁCIO DO AUTOR)

Estes parágrafos foram redigidos após os eventos da eleição para Governador do Estado de São Paulo de 1986. Pretendem fornecer ao leitor, um painel da política da Nova República nos dias de hoje, que antecedem a redação da nova Constituição da República.

Interpretar essa política é sinônimo de redundância e exercício tedioso de análise. Necessário transformá-la. As liliputianas e os liliputianos (as brasileiras e os brasileiros) penso eu, devem atuar politicamente no sentido de modificar os rumos políticos da nação de Liliput. Pressões neste sentido devem partir do povo, das massas de eleitores.

Atualmente, a direita ideológica dentro do Congresso, sob a alcunha sub-reptícia de “Centrão” não faz a menor distinção entre propriedade privada e o roubo comum, que representa a posse do território nacional, por um grupo de latifundiários e oligarcas pré-históricos. Liderados pelo que se costuma conhecer por José Romão Sarney. Sua "vanguarda do atraso".

Outro grupo que não faz a menor distinção entre investimentos governamentais e o roubo do capital comum, é a patota de empreiteiros e militares gerenciados pela vaidade do presidente de Liliput, o "vanguardista" José Romão Sarney. Ele, entre outras proezas, investe bilhões de dólares numa rodovia, a Norte/Sul, apenas para encher de dólares as contas bancárias dos empreiteiros, e empanturrar de favores e presentes, seus amigos e familiares. E ter o nome numa placa de bronze no dia da inauguração.

A posse da grande maioria das propriedades rurais pelo grande latifúndio impede a grande maioria dos liliputianos de possuírem qualquer propriedade. Pergunta-se se não é chegado o momento do povo de Liliput parar pacificamente de esperar. Esperar que a classe política resolva sua situação de indigência e mediocridade cultural.

Pergunta-se se não é chegada a hora do povo liliputiano parar de usar como armas, a esperança e os alfinetes, contra a prepotência e as baionetas, dos que negam aos seres humanos habitantes de Liliput, a condição de exercer seus direitos, sua humanidade. Sua cidadania.

O governo necrófilo de Romão Sarney chegou ao ponto extremo da incongruência e do erro. Romão Sarney governa para uma quadrilha de amigos, mais vorazes do que os quarenta ladrões de Ali Babá. Romão Sarney investe no desdobramento das riquezas, assim como dos recursos de sua patota, enquanto o resto da nação de Liliput vegeta na insolvência, na ignorância, na inflação e na pobreza.

É necessário que o povo de Liliput proclame sua Declaração de Independência Mental a partir da qual criem mecanismos sociais de pressão eficientes no sentido de conseguir que os governantes parem de explorar descaradamente a população de eleitores de Liliput, com seu egoísmo e sádico desprezo.

A sociedade de Liliput, excetuando a abastada e nefasta classe dirigente, é um colapso. Romão Sarney é presidente da demagogia, opressão e tirania que ele sempre representou e nunca escondeu de ninguém, quando presidente do PDS. E mordomo dos interesses da ditadura. À qual serviu sempre com exemplar subserviência. Se é que existe servilismo exemplar.

Hoje é presidente de uma política social e econômica humanicida, apesar do slogan de seu governo: “Tudo pelo Social”. Liliput carece do espírito de solidariedade objetivo, que caracterizou a atuação popular dos lideres camponeses que pregavam nas praças e nos campos, o evangelho da solidariedade que originou a revolução de 1917 na União Soviética, enquanto não descambou para o estalinismo.

Quando degenerou num regime de força aqueles ideais se dissolveram como pintos de garoa na pele de quem se bronzeia sob um sol de Rio 40 graus. Liliput está carente da liderança moral dos cidadãos norte-americanos que redigiram a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América. Que degenerou em ideologia consumista e expansão militarista. A exemplo do Complexo Industrial Militar.

O governo de Romão Sarney investiu de autoridade ministerial na área da educação um governador do Piauí. Seu governo ficou sendo conhecido, logo no primeiro período de sua gestão, e não apenas na boca do populacho, pelo slogan, afixado em outdoor da avenida que margina o Rio Parnaíba na capital Teresina: “Nunca tão poucos roubaram tanto em tão pouco tempo”. O governo de Romão Sarney, pelo visto, incorporou o "slogan" do ex-governador do Piauí e, nesse momento, Ministro. Da educação.

De Castelo a Romão Sarney, existem apenas repúblicas de ficção científica. República significa a administração de um contrato social entre as classes políticas e seus associados: os eleitores. A definição é de Rousseau, poderia ser também de Platão. Os eleitores votam nos políticos, para fazer valer e significar a palavra República, dos pontos de vista filosófico, político e social. O resultado real é a administração nacional no interesse restrito das oligarquias regionais. Em termos de administração do interesse político e social nacional, é mera ficção científica.

E a imprensa TVvisiva de Liliput? Sugere a impressão de que seus repórteres estão com medo de fazer perguntas pertinentes a seus entrevistados. Srs. Jornalistas, uma autoridade, seja ela da área militar ou civil do governo, não vai dar-lhes coice ou pontapés, se cada um de vocês saír perguntando e exigindo deles, respostas objetivas, que a sociedade de Liliput espera e precisa ouvir. A Sociedade de Liliput precisa de aliados. No jornalismo principalmente.

Grande parte dos jornalistas deste país, sempre do futuro, está de rabo preso com o empreguismo desvairado, com o medo profissional patológico, de vir a ficar desempregado, se trair os interesses dos patrões. Esses patrões que são ao mesmo tempo os donos das faculdades de jornalismo de Liliput. E suas soberbas limitações de ordem cultural.

Parte substancial dos políticos liliputianos, é de jânios quadros disfarçados de parlamentares pra lamentar. Jânio estava cheio de razão quando, como presidente de Liliput, renunciou covardemente à Presidência, pressionado pelas “forças ocultas”, que hoje assombram e perseguem os políticos ligados à área de conflito da Reforma Agrária. Da Reforma Agrária, em nome da qual a Nova República existe. Ou deveria existir. E que jamais acontece.

República, lembram Rousseau? “É o corpo político e espiritual de uma nação”. Quem diz República, afirma a vontade livre e soberana de seus eleitores. “República é um corpo político no qual o soberano é o povo”. Então, srs. políticos de Liliput, estas definições não valem nada? A nova República Pirata de Liliput dirigida por Romão Sarney age a reage conforme princípios contrários à vontade supostamente soberana do eleitor.

A cia. das forças ocultas & sociedade anônima de Liliput, que fez o Jânio renunciar num acesso de “delirium tremens”, entregando Liliput a vinte e cinco anos de ditadura militar (1964/89 considerando-se o governo títere de Romão Sarney), agora está especializada em ensinar “pássaros” a derrubar aviões. Desde que neles viajem passageiros empenhados em moralizar a política da Previdência Social, ou a política da Reforma Agrária.

O Congresso de Liliput até outro dia fazia o jogo desta criatura simbólica, metade gente, metade estátua gótica, que um dia liderou uma histérica campanha em prol das DIRETAS JÁ para presidente de Liliput e hoje garante a legitimidade do mandato político de Romão Sarney.

Notável urdidor da Nova República, Ulysses parece ter saído das páginas de um conto fantástico escrito por Edgar Alan Poe, Arthur Marchen ou H.P. Lovecraft. Ninguém em Liliput ignora que Leonel Brizola levaria fácil a Presidência em 89 se seus adversários prosseguissem cada dia mais impopulares.

Ulysses sempre temeu se candidatar a Senador, como deputado ele se garantia. Um mandato de deputado na mão é melhor do que uma eleição para senador perdida.

Quércia não conta com sequer uma das quatro partes do carisma político de Brizola, ou de sua popularidade nacional. O ex-ministro responsável pelo Plano Cruzado I, e II, ninguém nem se lembra mais do nome dele. E se lembrar, é para malhar.

Antônio Ermírio, no momento é o candidato que pode fazer frente à candidatura Brizola para Presidente. Mas, como ganhar a eleição para Governador de São Paulo? Seria preciso, primeiro, essa façanha política praticamente impossível.

Há quem, e não falta quem, esteja torcendo pela vitória de Brizola. “Antes ele do que o Lula”, tal como afirmam os arapongas de bares noturnos. Enquanto a tabela Bresser cavalga os quatro Cavaleiros do Apocalipse: a Inflação, a Fome, a Tensão Social Crescente, e a Perversidade Econômica congênita da política de Liliput.

A máquina cartorial prossegue na mão dos militares. Dos militares partidários da política da radioatividade: da energia nuclear, da bomba. A escola dos militares, todos sabem, foi o Inquizismo: metade Inquisição metade Nazismo. A política cartorial-militar canaliza os recursos financeiros do mal administrado Fundo Nacional de Desenvolvimento, para seus projetos sub-reptícios.

Criado para melhorar as condições de sobrevivência da população super carente de Liliput, os recursos do FND são canalizados para a construção de aviões supersônicos.

O povo de Liliput é um dos mais tolerantes criativos do mundo, porém, a cada dia que passa, está mais passivo, violento e neurótico porque lhe foi literalmente roubada a responsabilidade na condução e participação nos eventos políticos de Liliput. Não é o interesse dos eleitores, mas os interesses das oligarquias quem governa esse país de Liliput.

As classes populares estão cada dia mais passivas, violentas e neuróticas porque lhes roubaram as ferramentas mínimas de controle de suas vidas: inclusive, neste momento, o direito inalienável de votar para Presidente. Os políticos Constituintes devem enterrar de uma vez por todas, não novos cadáveres nas mortalhas dos anos de chumbo, mas os reatores atômicos, a política de produção de armas sofisticadas, os inseticidas químicos, a demagogia de seus discursos, e a política econômica sustentada por estruturas centralizadas e autoritárias de poder.

O PMDB se transformou num PMDBêapá. Seus parlamentares sequer podem digitar o computador da Secretaria do Tesouro, com o código da revelação. Revelação das despesas inconstitucionais dos projetos militares, despesas com investimentos nucleares clandestinos.

Que há com vocês, parlamentares de Liliput? Quem lhes algema as mãos, se a legitimidade política de vossas excelências vem do voto popular? Precisam, para agir em favor dos seus eleitores de mais garantias do que o voto deles?

Vocês, ou vossas excelências, não veem que estão ridicularizando, fazendo pouco, e escarnecendo dos milhões de eleitores, das liliputianas e liliputianos que puseram vocês onde vossas excelências estão? As assombrações que eram tidas e havidas como sendo subprodutos do “delirium tremens” do ex-presidente Jânio Birita Quadros prevalecem como se fossem verdades históricas e estão ridicularizando a política da Reforma Agrária, em nome da qual foram eleitos pela soberania do voto popular.

Se Romão Ney prossegue solto na palma da mão direita dos militares empreiteiros, vai gastar e desgastar ainda mais os investimentos no campo social. Tudo pelo Social, é só um “slogan” da propaganda governamental. Consulta Rousseau, ou o Povo ou o dicionário Houaiss, oh luminar dos maribondos de fogo. Oh líder da Nova República Pirata de Liliput.

No momento em que o Senador Severo Gomes denunciava que, na Comissão de Ordem Econômica da Assembleia Nacional Constituinte, venceu uma concepção de empresa nacional que escancara Liliput, como nunca em seu passado, ao capital estrangeiro, vinte milhões de trabalhadores rurícolas não têm acesso a empregos ou à mínima condição de trabalho.

Na música popular, Milton Nascimento manda um recado aos luminares maribondos de fogo da Nova República Pirata de Romão Sarney: “Eu não posso esconder a amargura/Ao ver que o sonho anda para trás/E a mentira voltou/A esperança que a gente carrega/ É um sorvete em pleno sol”.

A Reforma Agrária regrediu, não obstante os veementes “protestos” da UDR, pra lá da lei de 1964 do “estatuto da terra”. A prosseguir aceitando provocações, tal como o leilão de capitalização ostensivo da UDR na granja do Torto, em Brasília, o governo de Romão Sarney, com ou sem Cabral, em breve implantará em Liliput, o regime das capitanias hereditárias dos sem terra. Coincidência ou não, o “Centrão” ganhou força na Constituinte, após o leilão milionário da União Democrática Rural.

Nos feudos bancários de Liliput, a taxa financeira denominada de compensação bancária é um assalto a mão desarmada, muito mais lucrativo do que os assaltos de rua, promovidos por larápios pé-de-chinelo. Assalto legal e institucionalizado é com a quadrilha do colarinho branco. Garantida pela impunidade jurídica.

Na Nova República Pirata de Liliput, os corruptos e os marajás estão acima da lei: não são processados e quando respondem a processo, não são condenados. As liliputianas e os liliputianos que denunciam a corrupção e os crimes financeiros, estes sim, respondem a processos por calúnia, injúria e difamação.

Em 1726, quando escreveu "Viagens de Gulliver" o escritor inglês Jonatham Swift criou um personagem literário: Gulliver. Após o naufrágio do navio em que viajava, Gulliver aportou extenuado numa das praias paradisíacas de Liliput. Aprisionado pelas liliputianas e pelos liliputianos observou que os habitantes da paróquia de Liliput assemelhavam-se em comportamento a seus conterrâneos de pátria: os ingleses da corte britânica e do governo.

Mediam, os habitantes de Liliput poucas polegadas de altura. Cerca de quinze centímetros de corrupção, mesquinharias, conchavos e cambalachos políticos.

Os liliputianos eram exímios criminosos do colarinho branco, do tráfico de influência, de investimentos militares clandestinos e investimentos maciços em segurança pública, ou incremento da repressão. Enquanto isso as condições responsáveis pela criação de uma sociedade marginal, aumentavam a olhos vistos.

Em Liliput, a crise econômica não tinha fim, mudava de ministro. A miséria social crescia e crescia ainda mais, apesar da demagogia do ministro da área econômica. A educação, a segurança social, o transporte, a habitação e a saúde eram mais nominais do que reais.

Em 1988 Liliput transformou-se em vã realidade, não obstante o slogan do governo de Romão Sarney: "Tudo pelo social". Na política externa, a Nova República Pirata de Liliput reverenciou o ditador do Suriname, coronel Desi Bouterse, que promoveu o extermínio de alguns de seus adversários políticos pessoalmente: o ditador matou, com as próprias mãos, dois dirigentes sindicais, após castrar sadicamente um deles. Este evento do real horror denominou-se “massacre de Forte Zeelândia”, em 1982.

Bouterse fora recebido pelo presidente Romão Sarney. E conseguiu dos militares de Liliput, mais armas, uniformes e rações. Conseguiu também mais carros blindados e um avião Tucano. Desde 1982 os militares do Palácio do Planalto de Liliput fornecem assistência técnica ao ditador, visando afastar o Suriname da influência de Cuba. Dívida externa significa militares satélites na mão direita da política dos EUA.

No plano político interno, causa estranheza que o único acidente com vítimas do jato Hawker Siddeley 125, desde que modelos desta aeronave foram comprados na década de sessenta, tenha dizimado o ex-ministro da Reforma Agrária, Marcos Freire, o Secretário Geral do Ministério, Dirceu Pessoa, o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), José Eduardo Vieira Raduan, o chefe de Gabinete do Presidente do INCRA, Ivan Ribeiro, o Secretário particular do Ministro, José Teixeira e seu pai Amaury Teixeira:

Todos empenhados em pacificar os ânimos no setor da política da Reforma Agrária, em nome da qual a Nova República existe, ou existirá, após as DIRETAS 89. Em Liliput existem duas nações que ocupam um mesmo território, com interesses sociais divergentes: a classe "alta", os latifundiários da chamada "elite", habitantes do pico da pirâmide social, defendida pelos políticos afins, pelos “centrões” da vida e pelas forças armadas VERSUS o resto de Liliput. O povo vilipendiado e intensamente rejeitado em seu afã por mínima dignidade social, aviltado pelos governos de Liliput.

As mordomias do poder são distribuídas entre o pessoal de apoio. O resto do país é subproduto populacional da aristocracia financeira. Seus dirigentes políticos não possuem a mínima consideração para com seus eleitores. Romão Sarney sua quadrilha de empreiteiros, constroem estradas para poderem tirar o maior proveito possível de seu autoritarismo econômico e financeiro despótico. Só ele e seus empreiteiros queriam a Norte/Sul, e ninguém mais em Liliput. Considerando-se outras premências sociais, o governo de Romão Sarney na área econômica equivale ao governo Médici na repressão.

Mais do que DIRETAS 89 Liliput precisa é de SOCIALISMO JÁ. Enquanto nem DIRETAS 89 nem SOCIALISMO JÁ acontecem, o orgulho e o patriotismo do povo de Liliput vão sendo esmagados pela mão de ferro dos credores e dos devedores, das dívidas interna e externa. O orgulho e o patriotismo de um povo, esmagados pelo ideal freudiano de uma apresentadora de programa infantil na TVvisão: Xuxa canta e faz as crianças de Liliput entoarem um hino jeca, uma ode ao terrorista de direita, notabilizado pelo filme homônimo: “Rambo, Rambo, Rambo”.

Outra vez a política externa do tio Sam influindo na política interna de Liliput: segundo depoimento do cel. Oliver North, no Senado americano, uma parte substancial do dinheiro da venda de armas para o Iran (escândalo Iran/Contras e/ou Reagan e seus empreiteiros bélicos), pelos assessores diretos do presidente americano, foram investidos para eleger políticos empenhados em garantir “uma boa Constituição” para a Nova República de Liliput.

Teotônio Vilela afirmava veemente: “Há uma política contra a sociedade brasileira. Há uma trama contra a sociedade brasileira”. Esta política e trama estão a pleno vapor: a sabotagem do avião em que viajava a equipe da Reforma Agrária, chefiada pelo ex-Ministro Marcos Freire, é uma hipótese a investigar.

Logo que assumiu o Ministério da Reforma Agrária o ex-ministro Dante de Oliveira começou a receber, juntamente com membros de sua família, ameaças por telefone. Seu discurso, em defesa dos princípios do Estado Democrático de Direito era sistematicamente definido de subversivo e de esquerda. Marcos Freire afirmava que “Democracia é um contexto a partir do qual se poderá avançar no caminho da conquista social”.

“A área mais sensível, mais decisiva do governo, que é a econômica, está sob o comando do PMDB”. Do PMDB que elegeu 22 dos 23 governadores. Do PMDB que elegeu 309 dos 559 votos da Constituinte. Do PMDB com três das quatro partes do Ministério. Prossegue no grifo a fala de Marcos Freire: “O Brasil tem cinco séculos de estrutura fundiária na base do latifúndio e do escravismo. Estas raízes influenciam muito a política do Executivo do Legislativo e do Judiciário”.

E prossegue influindo. Num programa noturno de reportagem TVvisivas de uma emissora de São Paulo, o cronista social Amaury Jr., perguntou a um pai de santo se havia, para a vida política do país, alguma previsão sinistra. O Babalaorixá não se vez de rogado e vaticinou: haveria em breve um desastre aéreo no qual perderia a vida uma grande autoridade política. A entrevista aconteceu em agosto, o sinistro que vitimou Marcos Freire e sua equipe da Reforma Agrária, aconteceu no dia oito de setembro.

Estaria o pai de santo na posse de informações antecipadas sobre o dano funesto, ameaçador e terrível, que enlutou a nação liliputiana? A parte sã das liliputianas e dos liliputianos sentiu-se traída e ameaçada. E a política da Reforma Agrária voltou ao lugar de onde nunca saiu: a estaca zero. Coincidência, ou tais informações vazaram propositalmente, como uma ameaça velada, com intuito sub-reptício de coagir, subliminar e objetivamente, os mais engajados adeptos da Reforma Agrária?

É apenas uma hipótese que, se devidamente investigada, poderá ser menos surpreendente do que a realidade do evento: violação dos direitos humanos nos conflitos pela posse de terra, isto não é na novidade para ninguém. Pergunta-se: se o babalaorixá foi capaz de prevê, através do jogo de búzios, o sinistro aéreo que vitimou a equipe da Reforma Agrária do ex-ministro Marcos Freire, porque falhou numa previsão muito mais óbvia? Muito mais fácil de fazer?

Á pergunta: “quem será o campeão paulista de futebol, Corinthians ou a equipe do São Paulo?”. O pai de santo, após jogar os búzios, hesitou na resposta para concluir que o Coringão tinha tudo para vir a ser campeão da divisão “A” do futebol versão 1987. Ignorava talvez que a equipe do São Paulo, muito superior ao futebol de seu adversário, tinha o campeonato paulista em mãos.

Raciocinemos: se ele fora capaz de vaticinar um acontecimento de muito maior complexidade e de uma carga dramática mais intensa (o sinistro que vitimou Marcos Freire e sua equipe), por que falhou em afirmar o Coringa campeão?

Se os militares forem os únicos a investigar, os resultados de investigação será outro e exemplar Riocentro. As evidências eram tão flagrantes, na época do atentado terrorista do Riocentro, que todos os liliputianos sabiam, antes de qualquer inquérito, quem eram os terroristas vítimas da explosão provocada por eles mesmos, no interior do Puma. Até este momento, só mesmo a comunidade militar se omite de conduzi-los ao banco dos réus.

Até mesmo “o satânico Dr. Go” (Golbery do Couto e Silva) manifestou sua opinião sobre o evento terrorista do Riocentro: “Verdade indiscutível é que um grupo radical irresponsável e adepto de práticas terroristas, se não domina ou controla, pelo menos infiltra os órgãos vulgarmente chamados DOI-CODI e valendo-se de grande facilidade e larga soma de poder, desencadeou ações terroristas múltiplas, obedecendo linhas hierárquicas distintas das legais e legítimas e que se estendem não se sabe até que níveis superiores dos escalões governamentais”.

Se até o general Golbery do Couto e Silva não conseguiu convencer o então presidente Figueiredo a instaurar inquérito contra este comando terrorista, é porque ele conta com o aval da instituição que ainda hoje não fora capaz de puni-lo pública e exemplarmente. Tal impunidade serve apenas para encorajá-lo cada vez mais. Rambo deve ser o herói predileto não apenas da Xuxa, mas desse grupo, que deveria estar atrás das grades de um manicômio judiciário.

Que os eleitores de Liliput não se surpreendam se os militares liliputianos aparecem em público afirmando enfaticamente: “Yes, não apenas bananas, agora temos também a bomba”. Os militares podem tudo, neste país moralmente insignificante de Liliput. Em 1891 Liliput tratava constitucionalmente os militares. O Exército era parte do serviço público federal, e os militares conheciam seu lugar Constitucional.

Getúlio Vargas enfraqueceu esse posicionamento constitucional dos militares quando, a partir de 1934, começou a bajular as forças armadas, interessado que estava em promover um golpe de Estado. Não imaginava talvez, o ditador do Estado Novo, que estava a abrir caminho para o golpe militar que originou a Nova República Pirata de Liliput. A partir de 1934, os militares liliputianos, nunca mais reassumiram seu papel constitucional.

A Democracia, segundo eles, não pode nem deve prevalecer, em detrimento do raciocínio reacionário e antidemocrático, de que eles, mais do que ninguém, estão melhor preparados para assumir, política e belicamente, a gerência institucional das liliputianas e dos liliputianos. Segundo eles, o povo de Liliput está preparado apenas para sofrer os rigores da inflação e para fazer sacrifícios pela causa dos interesses das oligarquias regionais burguesas de Liliput.

No artigo nº 111 da Constituição de 1891, lê-se: "Todo brasileiro é soldado para sustentar a independência e a integridade da Pátria. E defendê-la de seus inimigos interno e externo". Acontece que, para a UDR e para os militares, os inimigos da nação de Liliput são as liliputianas e os liliputianos que querem a Reforma Agrária operacional. Democracia, para os militares de Liliput e para a UDR, não é a mesma coisa que Democracia em sentido jurídico, político, filosófico. E popular.

Evidente que o poder político que define democracia não está em mãos dos eleitores. Se estivesse seus filhos, sua descendência, não estariam sendo criados e educados para ser futuros marginais, criminosos a serviço do crime organizado. Prostitutas e travestis migrando para países europeus, americanos e asiáticos em busca de um lugar ao sol dos faturamento iníquo com a venda ou o aluguel de seus corpos. Seus filhos e filhas não estariam sendo educados para a prostituição e tráfico de entorpecentes.

Para eles é mais importante investir em armas, em urânio, em estradas de ferro da vaidade (a Alemanha nazista investiu muito nelas), em armamentos e aviões supersônicos... do que investir na legítima vontade do voto popular: no Plano Social da Reforma Agrária. No plano Social e na Reforma Agrária que eles desfalcam enquanto podem.

Ninguém de Liliput é contra a Democracia ou contra a Reforma Agrária. Porém não existem nem Democracia nem Reforma Agrária. Isto é muito ao estilo de "l984" em que George Orwell retrata o cotidiano de um regime político totalitário. No qual "O Olho de RA" está em todos os lugares.

A democracia do deboche vale pra todo mundo. O cidadão comum, o eleitor de classe média, o eleitor da classe trabalhadora, você, pode confiar em políticos oportunistas, ameaçadores e debochados? Não, certo que não. O líder do PFL na câmara dos deputados, José Lourenço, do grupo suprapartidário “Centrão”, fez gestos obscenos para a galera do Plenário, e ameaçou: tivesse armado teria atirados nos eleitores, representantes, ao vivo, do Povo.

Se a Voz do Povo é a Voz de Deus, ele teria atirado no Divino. Para o deputado, líder do PFL, a Voz do Povo é a Voz da Plebe. E o Plenário da Câmara é o Pavilhão dos Cancerosos da sociedade capitalista, exceto quando recebe os leiloeiros da UDR. José Lourenço está na Câmara para defender, não os interesses da galera do Plenário, em nome da qual exerce seu mandato, mas os interesses dos banqueiros de seu partido.

O plenário da Câmara está ameaçado pela classe patronal e pelo deboche de seus representantes. A exemplo da declaração do deputado Roberto Cardoso Alves, do PMDB-SP sobre os objetivos do “Centrão” no congresso Constituinte: “Só queremos substituir alguns títulos, seções, capítulos, artigos, parágrafos, alíneas e incisos. Só isso”.

É brincadeira, cidadão eleitor da Nova República Pirata de Liliput? Um parlamentar do "Centrão" do retrocesso, da ameaça, do deboche, do oportunismo, da venalidade. Como afirmou o poeta Drummond de Andrade: “Democracia é a forma de governo em que o povo imagina estar no poder”. O mau parlamentar jamais será o pior de todos e isto deve servir de consolo para os parlamentares do PMDB, habitantes do “Centrão”.

Essa política legitima a lei do eterno retorno da mesmice. É sinônimo de redundância, exercício de análise tediosa da falta de caráter e da anarquia. Anarquia significa “sem governo”. Ou, por extensão, governo desgovernado.

A República de Liliput há muito está desgovernada. Liliput não poderá ser poupada, ou redimida, de um destino social mais trágico e mais violento do que sua destinação dos dias de agora. A Nova República Pirata do Crioulo Doido de Liliput deve acabar. DIRETAS-89: quem sabe, a partir daí uma forma, ainda que rota dessa Democracia possa começar. E começou, realmente, com os governos "democráticos" da República do Rei Mulatinho e de seu sucessor: o Lulla Bolsa-Bufa.

OS DEGRAUS

DO BANDEIRANTES

(As Vésperas do IVº Reich)

Os grandes acontecimentos políticos de nosso tempo são tão desanimadores, que em nossa geração a gente se sente bastante só. É como se as pessoas houvessem perdido a paixão pela justiça e pela dignidade. E não prezassem mais o que outras gerações conseguiram com sacrifícios extraordinários: a base

de todos os valores humanos é a moral.

Albert Einstein

(Agosto de 1935, Vigência do III° Reich)

ABRIL DE 1986

A ARGUMENTAÇÃO POLÍTICA deste livro começa hoje, 1º de abril de 1986, e, podem acreditar, de mentira jornalística não tem nada. Por mais contraditórias e bizarras que tenham sido as opiniões dos candidatos sobre os mais diversos argumentos eleitorais de interesse pessoal, ele retrata passo a passo, sem mais distorções, como aconteceram os eventos.

Candidato acima de qualquer intriga interna, Quércia, não atiça a fogueira da divisão dentro do PMDB, por grupos que apoiam sua candidatura, contra outros que brigam para vê-lo fora da disputa. Antônio Ermírio de Moraes, o empresário, e Almir Pazzianotto, ministro do Trabalho, compunham a cabeça de chapa criada pela facção dos descontentes. A executiva regional do PMDB, reunida as nove horas do dia 1º de abril, objetiva definir a estratégia a seguir, no sentido de consolidar a candidatura Quércia, o atual vice-governador do Estado de São Paulo.

A briga promete ser acirrada: Antônio Ermírio afirma afastar qualquer hipótese de coligação com Quércia, mas não com o PMDB. A socióloga Marilena Chauí, em artigo publicado em jornal, garante que o produto das horas de trabalho de Antônio Ermírio, fica no bolso dele mesmo, enquanto o produto das horas de trabalho dos assalariados vai também para o bolso de empresário, e só pequeníssima parcela do esforço e do desgaste do trabalhador, volta em forma de minguado salário.

A deputada federal pelo PMDB/SP, Ruth Escobar, emitiu opinião sobre a candidatura do vice-governador, que estaria melhor numa coluna do Festival de Asneiras que assola o PMDB: segundo Ruth, “se Quércia insistir, o PT vai ganhar”. Falou em tom de deliberada e assanhada acusação, esquecida de que, se o PT vencesse, não teria como gerir São Paulo pior do que as últimas administrações governamentais. Mesmo que se esforçasse muito para isto.

Outro político peemedebista, vice-líder do partido na Câmara, acusa, não sem motivação pertinente, seus correligionários de envelhecimento precoce, próximo da senilidade, e prossegue afirmado: “um partido de homens maduros e idosos, dignos, mas com discurso careta e ultrapassado”. Maurílio Ferreira Lima acrescenta que o discurso ideológico e a face histórica do PMDB não são suficientes para fazer a sigla digerível para a juventude. Opinião sensata, deputado.

Ruth Escobar posiciona-se como ermirista fanática, e pretende esconder este compromisso com a preocupação de que Quércia fará o PT ganhar. Aí tem coisa. Durma-se com um nó górdio desses: ela tem medinho do PT. Gente fina tem horror de trabalhador. E a deputada faz questão de mostrar que não é, absolutamente, uma exceção.

Antônio Ermírio agradeceu o convite de Franco Montoro para disputar um espaço dentro do partido para sua candidatura. E agradeceu respondendo, não sem razão e ironia que, não obstante estivesse começando em política, a universidade da vida já havia lhe ensinado que um convite desses estaria melhor se feito pelo “amigo da onça”. Referia-se ao fato consumado da candidatura Quércia.

Seria uma perda de tempo buscar ganhar um espaço que havia sido ocupado de maneira definitiva pelo candidato do PMDB. Para Ermírio, poderia sobrar quando muito, uma vaga na chapa enquanto vice-governador. As dissidências começam a manifestar-se: o Diretório Municipal da Araçatuba, em carta ao presidente do PMDB paulista, Almino Affonso, comunicou apoio irrestrito à candidatura de Antônio Ermírio, em carta dirigida também ao presidente nacional do partido, deputado Ulysses Guimarães.

Está decidido: a Executiva do PMDB agora vai convidar o empresário para dialogar e não mais para disputar a convenção dentro do partido. Ermírio reafirmou sua posição anterior ao responder que, se disputasse a convenção, esta seria a melhor forma de esmagar sua candidatura. “Será que eles pensam que sou idiota?”. Concluiu o empresário. Não sem razão, à pergunta.

Márcio Moreira Alves, em telegrama endereçado a Quércia, afirma que “entre os três milionários que disputam o governo de São Paulo” (Ermírio, Maluf e Suplicy), “contra o filho de imigrantes formado na luta partidária, fico com Quércia”. Esta campanha não teve nenhum D. Pedro I candidato, mas teve um “dia do fico”:

O Empresário Antônio Ermírio, reagindo a um pronunciamento do deputado Maluf, que chamava sua campanha de “ariana”, retrucou: “Ariana é a campanha dele. Eu nunca fui nomeado por general, não tenho pose de Hitler, nem nunca andei posando de açucareiro. Maluf não vai faturar nas minhas costas”. Maluf açucareiro, menção a um candidato que, durante os “anos de chumbo” não parava de endossar e adoçar tudo o que os militares faziam.

Ermírio, empresário e candidato do governo de São Paulo, ganhou, gratuita e rapidamente, o apoio de vastas parcelas da classe média com alto poder aquisitivo e maior escolaridade. As pesquisas revelariam a permanência desta tendência do eleitorado: apoiar Antônio Ermírio.

Os paulistanos com renda mensal superior a dez salários mínimos estão canalizando seu apoio ao empresário. Ele obteve nada menos do que 41% das indicações nas pesquisas. As preferências do eleitor diminuem gradativamente à proporção que se reduz o poder aquisitivo do eleitor. Escolhido por 48% dos universitários desce para 29% e 17% respectivamente entre os eleitores de gabarito secundário e os de primeiro grau.

Configura-se não apenas, mais do que isto, afirma-se de maneira expressiva, o apoio das elites ao empresário nº 1 do consórcio de empresas brasileiras liderado pelo Grupo Votorantim. Ermírio posiciona-se como sendo a única alternativa a se contrapor à imagem tradicional do político de modo geral, tido popularmente como sendo um cidadão ocioso, oportunista e aproveitador. Ele, novo no ramo, estaria provisoriamente livre dessas pechas.

José Maria Marin, presidente do PFL e presidente da Federação Paulista de Futebol, não escondia a ninguém sua preferência pelo candidato Jânio Quadros ao governo de São Paulo. Seu discurso previsível convenceu a não poucos segmentos de militares do partido que sempre avalizou a opinião de Marin, qualquer que seja ela. Nas bases e na direção do PFL, o que não falta é o aplauso à política partidária tipo Maria vai com as outras.

Observemos os desdobramentos dos acontecimentos no jogo de farpas e da falta do que melhor fazer, de que parecem padecer os políticos paulistas, nos dias festivos e memoráveis deste carnaval de meias palavras, meias verdades, agressões verbais e desmentidas: tudo caracteriza o clima de conflito das campanhas. Não poucas vezes, confetes e serpentinas, se jogaram mutuamente Montoro e Antônio Ermírio, quando este visava uma composição com o PMDB, na possibilidade de descartar a candidatura (triunfante) de Quércia.

Farpas sobravam também para os jornalistas: após ter cancelado um encontro no palácio dos Bandeirantes, às 10h30m de ontem, quinta-feira, três de abril, Ermírio irritado com as perguntas dos repórteres sobre suas declarações, que criticavam Franco Motoro, insinuou que os jornalistas estavam se esforçando para jogar mais "fogo em cima da coisa”.

Ermírio alegou que os profissionais da imprensa deviam se preocupar em fazer “um jornalismo elevado e não um jornalismo de casa de comadre”.

—Vocês querem saber, perguntou o empresário, como é que eu me relaciono com minha senhora também? “Tenham a santa paciência, já-já vão querer saber também quantas vezes vou ao toalete por dia”. Ermírio definitivamente não possui condições emocionais de encarar uma campanha política a longo prazo. Forçar uma incompatibilidade com jornalistas é uma espécie de suicídio eleitoral. A mídia jornal contribui decisivamente para a formação da opinião pública a propósito dos candidatos.

Ermírio havia afirmado que o governo de São Paulo estava sem comando. Montoro, por sua vez, disse que o empresário ao telefonar cancelando o encontro entre ambos, havia dito que seu governo fora um dos mais realizadores que São Paulo já teve. Nesta falta do que fazer de produtivo, que caracteriza o comportamento público e eleitoral dos políticos, entre um diz-que-me-disse e outro, que não é nada disso, Ermírio retrucou que havia dito ao governador considerá-lo um homem respeitável, porém, “acho que é preciso assumir realmente o governo de São Paulo”.

Ao emitir opinião sobre o partido dos trabalhadores, o empresário, candidato sem partido, reagiu a uma representação no TRE, movida contra ele pelo PT, por abuso do poder econômico na campanha.

— De onde sai o dinheiro do PT? Perguntou. Vocês já indagaram de onde saem os recursos deles? Neste comentário, Ermírio ignorou deliberadamente que as campanhas políticas do PT, são feitas a partir do entusiasmo gratuito, e da fé numa representatividade democrática, que o Partido dos Trabalhadores confia poder manter firme e atuante, em favor dos interesses políticos de sobrevivência de seus eleitores. Para não falar dos financiamentos secretos de interessados na ascensão política desse partido político. Independente de sua ideologia.

Popularmente, os recursos das campanhas do PT são conseguidos através do sorteio, brindes, festas nos clubes da esquina, promoções tipo jantar, rifas. E é claro, de doações de instituições que não vêm a público e que ele, PT, não possui interesse em divulgar. O maior capital dos petistas, segundo ingênuos partidários do partido dos trabalhadores, é a espontaneidade com que superam as dificuldades da falta de recursos.

Considerando-se o investimento do PT em suas campanhas eleitorais, há uma desproporção flagrante, com os recursos das demais campanhas partidárias. Tanto que se pode afirmar, sem receio de desmentidos, que há realmente abuso de poder econômico, e que as eleições democráticas não são tão democráticas assim, devido aos intensos desníveis existentes entre os investimentos dos candidatos dos partidos economicamente majoritários, e os magros e suados investimentos do PT. Nesse momento de sua militância. Política.

MALUF NÃO DEIXA por menos: em um de seus ímpetos demagógicos, motivado por suas pulsões verborrágicas, acusa os grandes empresários de remunerarem mal seus funcionários, esquecendo-se de olhar para o próprio rabo, quando fora governador ou interventor de São Paulo, foi quem pior remunerou o funcionalismo público do Estado.

Falácia por falácia, Ermírio deve filiar-se a um partido pequeno, porque, segundo sua avaliação e depoimento, os partidos grandes estão ocupados. Elogia o PL por ter características de simplicidade e de deficiência, e diz que a diferença entre um grande e um pequeno partido, é a mesma entre trabalhar quarenta ou oitenta horas por semana. Conclui peremptório seu raciocínio, dizendo que, num grande partido, “precisamos trabalhar menos”.

Daí a razão por que substituiu o pequeno PL pelo PTB, ao final das negociações e badalações com a patota da executiva da escola de samba das demais siglas. Na passarela das siglas partidárias, o empresário mostrou-se muito à vontade, afirmando não aceitar pressões, e ter partido na hora que quisesse.

Ermírio buscava uma maneira de se posicionar publicamente usando dos mesmos chavões demagógicos, presentes nos discursos das velhas raposas da UDN e do nacionalismo violeiro do antigo PSD, a exemplo de quando, enfático, pronuncia-se dizendo ser preciso substituir a incompetência pela eficiência, pelo trabalho, sinceridade e honestidade. O empresário tem de participar deste processo. Demagógico! E sobressair-se nele. Sabe-se que ele é característico de qualquer candidato em todas as siglas partidárias.

Apesar das siglas partidárias que julga poder escolher na hora que bem entender, Antônio Ermírio não esqueceu que o PTB e o PFL estavam na palma da mão direita do prefeito recém-eleito, Jânio Quadros, chegando mesmo, no período em que jogou todos os trunfos para conseguir apoio do PFL, a dizer que Jânio seria presidente da República, opinião também compartilhada enfaticamente por José Maria Marin, que promoveria uma campanha pré-eleição ao governo de São Paulo do ex-presidente (por renúncia) Jânio Quadros.

O PTB dizia não aceitar coligações, agora diz que “a adesão do partido à candidatura do empresário se dará até mesmo através de uma coligação com outros partidos”, nas palavras do deputado federal constituinte Gastone Righi, do PTB de São Paulo.

Pedroso Júnior, secretário-geral da Executiva, discursa dizendo que seu partido “em nenhuma hipótese pode apoiar a candidatura Jânio Quadros, desde que, o apoio concedido a Ermírio, é do conhecimento prévio de Jânio e com seu apoio tácito e inequívoco”. Gastone Righ confirmou, ao dizer que Jânio manifestou opinião favorável, e concedeu seu apoio pessoal a Antônio Ermírio, num almoço na casa do deputado Fauze Carlos.

O PTB tem como certo que Antônio Ermírio se filiará ao partido, até o final deste mês de abril, quando o empresário poderá participar da gravação do programa nacional de rádio e televisão que vai ao ar dia trinta.

Alguns comentários tidos como malevolentes, emitem a opinião de que Ermírio representa um movimento do empresariado que quer garantir uma participação na eleição de governos estaduais para, através deles, exercer o controle da classe empresarial sobre a Constituinte. Até este momento a Constituinte à qual mencionam brevemente os políticos em seus discursos, reporta-se, não à Assembleia Constituinte, mas ao xarope constituinte vendido em farmácias.

Haveria um movimento muito dinamizado no sentido de enfraquecer o PMDB, movimento inspirado por alguns ministros do Planalto entre estes, Marco Maciel, que estariam pressionando setores importantes da influência política, econômica e social, no sentido de fazer emergir o PFL como a grande força política dos próximos anos, garantindo dessa forma, a eleição do próximo presidente pefelista. O grupo de sustentação política do presidente José Romão Sarney, passaria do PMDB fisiologista para as mãos do fisiologismo, extenuado e elitista, dos membros da seita política do PFL.

Antônio Ermírio seria para este grupo do Planalto, a salvação de sua lavoura de batatas. E as baratas da burocracia do partido, teriam sua chance de brilhar socialmente, aumentando demasiado sua participação nas áreas de influência sócio-político-econômica. E os que seriam baratas de uma burocracia kafkiana, entrariam no supercongestionado trem da alegria do empreguismo maquiavélico, tutelado pela central pefelista do planalto. Empreguismo e nepotismo que, futuramente, o muitas vezes presidente do Senado, Romão Sarney, abusaria via "atos secretos".

A demanda dessa influência estaria sendo exercida por liderança de Marco Maciel no episódio do campeonato brasileiro de futebol. Clubes de futebol são celeiros de votos. E estariam sendo beneficiados, por sugestão pessoal do ministro Maciel, conivente com este tipo de interferência de poder dos cartolas, visando com isto tirar proveito da situação para favorecer os atletas de futebol que fazem parte dos clubes pelos quais torce o ministro, e os respectivos cartolas de apoio.

A estrela Bete Mendes sobe dentro do PMDB. A indicação da deputada seria do agrado da área progressista do partido, e ampliaria as possibilidades de votação, altamente expressiva do eleitorado feminino. A deputada aceitou, demasiado rápida e incondicionalmente, sua inclusão da chapa com Quércia. Quércia em nome da prudência pediu tempo para pensar se aceitaria a sugestão, e as motivações de ordem ideológica e política.

Porém, e mui precipitadamente, a deputada dizia-se orgulhosa com a lembrança de seu nome e mostra-se rendida incondicionalmente à possibilidade. Ela mostrou-se demasiadamente oferecida. Quércia, cauteloso, apressou-se em dizer que a escolha não será dele, mas da convenção, e que o partido deverá fazer a campanha eleitoral com a mobilização popular, em defesa dos avanços da política social e econômica do governo, enfatizando o plano de estabilização econômica.

Admitiu o vice-governador ter havido uma quase imperceptível restrição à sua indicação para candidato ao Governo, produto de influências da cúpula partidária. Problema superado pelo entendimento, nas conversações com seus correligionários dissidentes. Alegou que na base partidária sempre foi majoritário. Afirmação confirmada por outros membros do partido. PMDB.

O prefeito de Campinas, cognome “Grama”, disse a Quércia, que sua hegemonia dentro do partido foi muito boa para os tempos da ditadura, mas para as eleições de 86 não funcionava, e que, se ele quisesse ser governador, não deveria fazer como Rogê Ferreira, que não passou de candidato. O prefeito sugeriu a Quércia, ceder seu posto de candidato ao ministro Almir Pazzianoto. Até parece que este apelido justifica-se na prática desse cidadão gostar de comer grama mesmo. Literalmente. Mas fazer o Quércia pastar, isso ele não vai conseguir. O vice-governador não vai ser visto e fotografado comendo grama nos jardins do Palácio dos Bandeirantes.

A sugestão do “Grama”, lembra a ocasião em que, do então candidato à Presidência, Tancredo Neves, aproximou-se um importante político mineiro. Após sentar-se à mesa do café da Câmara, onde estava Tancredo, tentou convencê-lo a nomear um político de sua área de influência, logo após assumisse a presidência. Para reforçar sua argumentação, insistiu no fato de que seu candidato “fala corretamente quatro idiomas”. E Tancredo respondeu “mas, o que ele fala em quatro idiomas?” O que Pazzianotto faria em quatro anos de governo que Quércia não poderia fazer?

Para tentar desestabilizar a candidatura do vice-governador, um grupo de pressão começou a trabalhar como agitadores da ideia de que Montoro deveria ser candidato ao Congresso Constituinte. Quércia teria de assumir o governo do Estado (após renunciar a sua candidatura), e o Palácio dos Bandeirantes seria invadido pelas baionetas caladas do colarinho branco, incrustadas igual fossem fósseis do autoritarismo, num governo que não seria do PMDB.

O cambalacho estava armado. Montoro Constituinte, Quércia governador provisório, e Pazzianotto, candidato do PMDB. Os políticos pefelistas esqueceram de que sua Aliança era apenas nominal, entre interesses sociais conflitantes, na área das reformas agrária e econômica, inconciliáveis. Aliança PMDB/PFL não poderia dar certo. Exceto se os peemedebistas se dispusessem a comer grama.

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 27/03/2013
Reeditado em 26/02/2015
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