DYE KASSEMBE É ENTREVISTADA POR VALDECK ALMEIDA DE JESUS

Ela chama-se Amélia de Fátima Cardoso e nasceu em Angola, numa Sanzala que resistiu ao colono português até 1922. Essa Sanzala chama-se Mumbondo e faz parte do reino da Kissama, onde seu avô foi um dos sobas (rei). Ela viveu duas guerras: a colonial, que durou 14 anos e a civil, que durou 31 anos; Conhece quase toda Angola por causa de seu pai enfermeiro encarregado da campanha de vacinas junto das populações. É licenciada em filosofia, e tem o curso geral de enfermagem. Em Angola, país de origem, foi funcionária pública e professora. Em França foi enfermeira durante mais de vinte anos. Começou a escrever nos anos 70 poemas; o seu primeiro livro foi publicado em francês, em Paris, onde ela tinha se refugiado durante a guerra civil. É mãe de duas filhas e avó de cinco netos. Usa o nome do avô (Kassembe) como pseudônimo literário. Foto: Dye Kassembe e Valdeck Almeida de Jesus.

VALDECK: Quando e onde nasceu?
KASSEMBE: Nasci no Mumbondo, em Angola a 10 de Setembro.

VALDECK: Como você começou a escrever? Por quê? Quando foi?

KASSEMBE: Creio que nasci com veia de escritor, escrevo por intuição e instinto; não posso explicar... É uma necessidade interior que transborda, comecei escrever muito nova adolescente.

VALDECK: Você escreve ficção ou sobre a realidade? Suas obras são mais poesias ou prosa? O que mais você gosta de escrever? Quais os temas?
KASSEMBE: Gosto de escrever sobre a realidade da vida; escrevo ensaios. Os especialistas analisam a minha obra como sendo de um sociólogo ou antropólogo, mas eu não estudei para isso. Sou filósofa...


VALDECK: Qual o compromisso que você tem com o leitor, ou você não pensa em quem vai ler seus textos quando está escrevendo?
KASSEMBE: A minha primeira preocupação para com o leitor é fazer-lhe refletir sobre o quotidiano da existência e convidá-lo a participar no debate.

VALDECK: O que mais gosta de escrever?
KASSEMBE: Sobre a vida humana.

VALDECK: Como nascem seus textos? De onde vem a inspiração? E você escreve em qualquer hora, em qualquer lugar ou tem um ritual, um ambiente?
KASSEMBE: Os meus textos nascem com a observação e a escuta do outro, e escrevo especialmente de madrugada na aurora e no crepúsculo.

VALDECK: Qual a obra predileta de sua autoria? Você lembra um trecho?
KASSEMBE: Eu escrevi "A Estupidez Codificada", uma obra que para mim é profunda. Ali dispo o humano e, sobretudo, o negro angolano, eis uma passagem à página 25:

...é nossa miséria, esses bairros de lixo, onde o ar, a luz do sol e da razão mal penetram mas os vícios gozam de plenitude eterna. Encontra-se ali uma miséria que se ignora, que cobre a consciência de nebulosos reflexos de sonhos débeis e desumanizados, mas extasiantes e deliciosos... miséria é também aquela de um povo que permanece no estatuto de víctima exuberante de uma causa, justificada e injustificada resultante de uma sábia propaganda sempre igual, mas nunca denunciada...

VALDECK: Seus textos são escritos com facilidade ou você demora muito produzindo, reescrevendo?
KASSEMBE: Quando escolho um tema é com muita paixão que o escrevo. Eu não demoro a escrever, os editores é que demoram a publicar e, às vezes, o tema fica fora do contexto do momento.

VALDECK: Concluiu a faculdade? Pretende seguir carreira na literatura?
KASSEMBE: Concluir a faculdade quereria dizer que já se aprendeu tudo. Ora, a existência do homem é uma aprendizagem permanente. Vivemos tão pouco e há tanta coisa por aprender... Uma coisa é ter um diploma, outra é aprender... Eu tenho diplomas, mas não sei nada...


VALDECK: Qual o escritor ou artista que mais admira e que tenha servido como fonte de inspiração ou motivação para seu trabalho?
KASSEMBE: Um escritor angolano que hoje tem quase 90 anos, reteu a minha atenção porque quando o descobri vi que escrevia como eu, pela observação. Chama-se Mendes de Carvalho. Normalmente em cada livro que leio encontro-me. Por exemplo, me encontrei no seu livro “Memórias do Inferno do Brasileiro”, Valdeck.

VALDECK: O que você acha imprescindível para um autor escrever bem?
KASSEMBE: O talento nasce com a pessoa, não é preciso ser altamente diplomado para escrever, É preciso ter sensibilidade...


VALDECK: Como foi a tua infância?
KASSEMBE: Quase que não tive infância... Aos três anos fui tirada, arrancada do seio materno e levada para longe dela, qualificada como indígena iletrada. Não podia educar-me, morri aos três anos....

VALDECK: Você se preocupa em passar alguma mensagem através dos textos que cria? Qual?
KASSEMBE: Mensagem de serenidade amor e paz, dialogar e conhecer o outro, julgar-se antes de julgar eis as mensagens que tento passar nas minhas obras.

VALDECK: Qual sua Religião?
KASSEMBE: Não sei dizer. Admiro todas e não pratico nenhuma.

VALDECK: Quais seus planos como escritora?
KASSEMBE: Os meus planos como escritora é escrever um Best-seller.

(*) Valdeck Almeida de Jesus é escritor, poeta e editor, jornalista formado pela Faculdade da Cidade do Salvador. Autor do livro “Memorial do Inferno: A Saga da Família Almeida no Jardim do Éden”, já traduzido para o inglês. Seus trabalhos são divulgados no site www.galinhapulando.com
 
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 07/01/2013
Código do texto: T4072056
Classificação de conteúdo: seguro