GERMANO MACHADO É ENTREVISTADO POR VALDECK ALMEIDA DE JESUS

Germano Machado é natural da Cidade do Salvador, na Rua dos Perdões, 62 (tipo chácara), em 28 de maio de 1926, portanto à beira dos 86 anos, se Deus quiser. Passou seis anos na Ordem Franciscana Capuchinha fazendo os estudos, inclusive Filosofia. De meados de 46 a 48, em São Paulo, voltou a estudar Filosofia e início de Teologia, na Ordem Dominicana, perto do Pacaembu. Deixou os estudos eclesiásticos, retornou a Salvador; em 49-52 fez o Curso de Jornalismo. O primeiro da UFBA. Em 1951, criou o CEPA, movimento educativo-cultural, com alguns amigos, como Leão Gomes Junior, Hermano Gouveia, Ático Villas-Boas da Mota, Carmem de Berlim e outros, chegando essa entidade educativo-cultural aos 60 anos em 13 de junho de 2011.

VALDECK: Quando e onde nasceu?
GERMANO MACHADO: Já detalhei sobre o nascimento. Quero distinguir o médico que fez o parto: foi o Dr. Aristides Maltez, de memória permanente na medicina baiana. De outro lado, amamentou-me a querida negra Romana que considero minha segunda mãe.

VALDECK: Já conhece o restante do Brasil? E outros países?
GERMANO MACHADO: Conheço o Brasil, do Maranhão ao Rio Grande do Sul. Mesmo em interiores como em Erechim e São Borja, terra gaúcha. Estive no Uruguai, Argentina e Paraguai. No interior da Bahia, estive em muitos municípios, em função política, nos governos Juracy Magalhães e Lomanto Junior. De Maragogipe a Ilhéus-Itabuna, Vitória da Conquista a Chapada Diamantina, até Macaúbas. Nos anos 70, fui com a família até Barreiras e daí a Brasília, retornando por Minas Gerais. Em 1977, entre fins de julho a início de setembro, a convite do movimento protestante denominado Rearmamento Moral. Estive, primeiro com a família, alguns cepistas e jovens rapazes e moças ao Sítio São Luís, em Petrópolis, onde proferi palestras e, convidado, fui a Caux, na Suíça, passando pela Holanda, e em Caux proferi a conferência: “Educação e Fronteiras”. O fundador do Rearmamento, Pastor Dr. Frank Buchman, de origem suíça-alemã, tinha prestígio em organismos internacionais, inclusive ONU. No final da Segunda Guerra, comprou em Caux, Suíça, um antigo castelo medieval, ampliando-o com novas construções e modernizações, ficando aí a sede internacional. Sua Psicologia é profunda, pois o princípio fundamental é o seguinte: “Quando o Homem escuta, Deus fala; quando o Homem obedece, Deus atua; quando o Homem muda, as Nações mudam”. Depois de Caux, onde estavam presentes o Cardeal da Áustria, padres, pastores, rabinos, maometanos, japoneses... O Rearmamento é ecumênico. De volta, estive na Espanha, inclusive Ávila, passando pelo norte de França e Espanha. Enfim, Portugal, onde estive dois meses e meio e fui até Póvoa do Varzim, perto do Porto, Norte do País. Póvoa do Varzim foi a terra onde meu pai nasceu e também o grande romancista Eça de Queiroz.

VALDECK: Como você começou a escrever? Por quê? Quando foi?
GERMANO MACHADO: Desde menino, apreciei a poesia, a música (piano), na casa de minhas tias, e de meus pais, onde havia um piano Playel. Sempre me vejo lendo, quer jornais, quer livros. Durante grande parte de minha vida, fiz diários anos por anos. Uma parte deles está hoje em mãos de Graciela Santos Elgart. O meu próprio livro “Sintetismo, Filosofia da Síntese” são trechos de dez anos de diários, o que deu 300 e poucas páginas. Escrevi em todos os jornais da Bahia e no Rio, na Tribuna da Imprensa, dirigido por Carlos Lacerda, e em outros jornais. Universitário, publiquei o jornal Ação. Com a amizade de Maneka Pedreira, vi a grandeza de Euclides da Cunha e, assim, meu primeiro livro foi “Dois Brasis: Introdução a Euclides da Cunha”. Daí em diante, escrevi cerca de doze livros. Em dezembro de 2012, na capela da Faculdade Dois de Julho, foi lançado - você presente – “Da Filosofia e do Filosofar: o sentido do viver humano”. Em breve, sairá a quinta edição, revista e ampliada, de “Tempo Decorrido e outros tempos”. Igualmente uma tese do antigo cepista, ainda frequentando, sobre CEPA e Política, Joaquim da Costa Munduruca Neto, onde naturalmente há plena identidade nossa. No CEPA publicamos, de 81 a 97, 150 textos de grande variedade, 31 números da revista CEPA Cultural. Ainda Voz do CEPA – Jornal com 50 números, até 2011 e, espero, continuá-lo adiante. Fizemos dois Concursos Internacionais em inglês, espanhol e português (82) e 83 outro, onde atuaram Graciela Santos Elgart e Roberto Leal Correia com tantos outros.

VALDECK: Você escreve ficção ou sobre a realidade? Suas obras são mais poesias ou prosa? O que mais você gosta de escrever? Quais os temas?
GERMANO MACHADO: O fundo de todos os meus livros é de Filosofia entremeado com Teologia, às vezes Sociologia e Psicologia. Publiquei e tenho inéditas, talvez um dia publique, poesias de cunho mais filosófico.


VALDECK: Qual o compromisso que você tem com o leitor, ou você não pensa em quem vai ler seus textos quando está escrevendo?
GERMANO MACHADO: Tenho total interesse no que o provável leitor vai pensar do que escrevo e me preocupo com detalhes. Temo contradizer ideias que não fiquem esclarecidas no leitor. Daí tento ser objetivo, é uma tentativa. Quando participei de “Cinco contistas da Bahia” e “Contos que a Bahia conta”, Editoração CEPA, prefácio de Wilson Lins, lia e relia o que colocava. Por quê? Porque não sou tipicamente contista. Nesses livros de contos e um chamado “Cinco Solitários”, que teve duas edições, Editora Mensageiro da Fé, prefácio de Marcos Santarrita. Tive grande escrúpulo de publicá-lo.

VALDECK: O que mais gosta de escrever?
GERMANO MACHADO: Sou mais um ensaísta com tendências filosóficas.

VALDECK: Como nascem seus textos? De onde vem a inspiração? E você escreve em qualquer hora, em qualquer lugar ou tem um ritual, um ambiente?

GERMANO MACHADO: Há livros que nasceram da necessidade de quem sempre foi, desde a juventude, até mesmo na infância, um participante. Por exemplo, “A Verdadeira Revolução”, publicado no sétimo mês da chamada Revolução de 64, foi um alerta, pois escrevi sem modificações, que, sem uma visão de juventude compreendida, de política sem corrupção e visando modificar o país, e sem o espírito do Evangelho, a Revolução, chamada de 64, fracassaria. O que ocorreu, com o Ato V, em 68. Um jornalista, do Jornal da Bahia, comentou mais ou menos o seguinte: “A Verdadeira Revolução? E a outra não é?” Com o ato V, achei eu e os elementos do CEPA de então, que não teríamos a liberdade de atuar e, assim, de 68 a 81, o CEPA como que se fechou. Havia apenas reuniões dentro de minha casa, sem nenhuma repercussão pública. Reabrimos em 81, inclusive com o apoio do saudoso e querido Damário da Cruz. Deixo a análise de outros livros, pois seria incomodar demais. Um detalhe: muitas poesias minhas, longas, provêm do sentido onirista. Podiam chamar-se poesias oníricas. Outro detalhe: alguns textos de “Da Física da matéria à metafísica do Espírito”, tiveram inspiração a partir de sonhos e do que ouvia falar na Universidade Católica do Salvador, onde ensinei estética. Evidentemente seguindo os textos do grande Romano Galeffi, hoje esquecido.

VALDECK: Qual a obra predileta de sua autoria? Você lembra um trecho?
GERMANO MACHADO: Minha obra preferida é “Sinterismo, Filosofia da Síntese”. Há três textos diferentes, escritos a partir da mesma pergunta: “A pedra pensa?”, apenas para provocar o pensamento do leitor. Recebi, nessa época, uma carta anônima em que o sujeito dizia que ao ter eu usado “pensamental”, mostrava-me um “metido”... Entretanto, acho que a palavra “pensamental” faz pensar muito, não só em Filosofia, mas sobre qualquer assunto, inclusive sobre si mesmo. Outro texto, no livro, que aprecio é o que comenta: “Quem pensa quando você pensa?”.


VALDECK: Seus textos são escritos com facilidade ou você demora muito produzindo, reescrevendo?
GERMANO MACHADO: Não reescrevo, escrevo os trechos como que na mente, pensamento íntimo. E raras vezes refaço e modifico. Vai saindo como que em sequência, que vou acompanhando, quase uma espécie de musicalidade no interior da cabeça ou da mente... É estranho, não é? É 90% assim. Só há uma exceção: a obra que demorei mais tempo em escrever foi “Da Física da matéria à metafísica do espírito”, porque tinha de ler livros outros, procurar trechos em trabalhos de vários escritores, de filósofos e assim por diante. Apresentando o texto ao Professor Doutor Francisco Pinheiro Lima Junior, ele, no prefácio, escreveu mais ou menos, não tenho decorado, que não era um filósofo de profissão que escrevia, mas um jornalista. Entretanto, apresentava uma espécie de piada, mais ou menos assim: “Não há divergência entre o jornalista filósofo e um filósofo profissional, da mesma forma entre loucos. Muitos que são, não estão. Muitos que não são, estão. É o papel do jornalista filósofo no seu caso. Não é filósofo, é jornalista, mas é filósofo...”

VALDECK: Qual foi a obra que demorou mais tempo a escrever? Por quê?
GERMANO MACHADO: Item respondido na questão acima.

 
VALDECK: Concluiu a faculdade? Pretende seguir carreira na literatura?
GERMANO MACHADO: Estudei com Capuchinhos e Dominicanos. Inclusive, o Frei Romeu Dale OP, conhecidíssimo nos movimentos católicos e não-católicos dentro do combate à Ditadura Militar. O Frei Sebastião Tausin OP, eminentíssimo filósofo e teólogo, formado em Roma e na sua pátria, a França. Não paro de ler e escrever. Escreverei sempre, penso. Com 86 anos, a fazer em 28 de maio, queira Deus, leio os jornais do dia, participo do CEPA, das Academias Baiana de Educação, Mater Salvatoris e Letras e Artes do Salvador. Dei, no ano passado e retrasado, e neste ano também espero, aulas de Filosofia e de Filosofia das Religiões, agora na Faculdade Dois de Julho. No Barbalho, hoje sede administrativa, não deixo de trabalhar com outros em derredor da nossa biblioteca, livros, dicionários, o Grupo de Estudos em Fenomenologia e Psicologia, coordenado por Elder Carlos dos Santos, universitário estudante de Psicologia. Nos anos 81 a 97, dei mais de 20 cursos de Filosofia Integrativa, cujo texto, com umas dez páginas, ainda tentarei publicar. Fui assessor parlamentar, na Assembleia Legislativa, ensinei na UFBA e UCSal.

 
VALDECK: Qual o escritor ou artista que mais admira e que tenha servido como fonte de inspiração ou motivação para seu trabalho?
GERMANO MACHADO: Na juventude, o pensador que muito me determinou, até na vida, foi Jacques Maritain e sua esposa Raíssa Maritain, cujas obras li e nelas achei as respostas que procurava. Também Alceu Amoroso Lima, Gustavo Corção, Jackson de Figueiredo, o grande sergipano. Trechos de vários livros de Bergson em um livro da Editora Agir com o título: “Pensador nas ciências exatas e humanas”. Li com encanto e releio “A Vida de Jesus”, de Plínio Salgado, que é uma estupidez de tantíssimos que não leem essa obra-prima da literatura portuguesa e brasileira. Já saíram, apesar do silêncio, 22 edições. Inclusive a edição Munumental da Editora Americana, de Belo Horizonte, Minas Gerais, em 1965. Li vidas de Jesus como a de Renan e de Papini. Não se comparam com a de Plínio. Não ler esta obra por preconceito ideológico ou político, na minha linguagem, é estupidez, preconceito.

VALDECK: O que você acha imprescindível para um autor escrever bem?
GERMANO MACHADO: Ler e pensar sobre o que lê. Ter tendência para a literatura. Por isso, quanto à poesia, me chamo um poeta bissexto, embora aprecie a prosa poética como que ritmada. Lendo, na juventude, um livro de Unamuno, grande pensador espanhol e poeta, através do amigo Ático Vilas-Boas da Mota, fiquei impressionado quando Unamuno disseca o pensamento europeu com profundidade. Nós esquecemos que a hispanidade produziu D. Quixote de La Mancha, o livro mais fundamental para entender-se a latinidade, deduzindo-se que Unamuno é uma sequência de Dante, cujo “Inferno” é de uma beleza fantástica, mas Dante é a sequência de Virgílio e de outros latinos. Li também a obra de Pound que é uma sequência desses citados. Querer mais?

 
VALDECK: Você usa o nome verdadeiro nos textos, não gostaria de usar um pseudônimo?
GERMANO MACHADO: Não aprecio pseudônimos. Tiro só o Dias do nome para o nome ficar direto.
 
VALDECK: Como foi a tua infância?
GERMANO MACHADO: Minha infância foi de criança doente, mas, mesmo assim, reunia em nossa residência, tanto no Passo e no Carmo, coleguinhas e até adultos para ler e estudava como iria responder ou dissertar. Uma vez, como era hábito na época, na casa de minha tia Cira, ela tocando ao piano e eu recitando por designação dela um poema chamado “Antônio Raposo, o bandeirante”. Enorme. Quando acabou a poesia e, portanto, o piano parou, minha tia disse, com muita alegria: “Muito bem! Muito bem!” e eu respondi: “Uma merda!”. Uma vez, tendo ido a alguma reunião ou algum lugar, no retorno, minha mãe me perguntou: “Onde você estava, Maninho?” Eu respondi: “Com um grupo de coleguinhas, rapazinhos, mocinhas, fazendo palestras sobre histórias, contando casos, etc.” Hoje penso: não seria já uma ideia do CEPA? Pode ser fantasia, não sei ao certo, mas é o que penso.

VALDECK: Você gasta mais tempo com diversão ou reserva um tempo para o trabalho artístico?
GERMANO MACHADO: Minha diversão é ver bons filmes, ler bastante, ir à missa aos domingos, os trabalhos semanais no CEPA. Quando jovem, adorava a praia. Sinto, aos quase 86 anos, que preciso ser mais moderado no agir, no falar, no determinar. Sou francamente um impulsivo, embora seja um sensível...

VALDECK: Tem um texto que te deu muito prazer ao ver publicado? Quando foi e onde?
GERMANO MACHADO: Ter publicado no centenário de Alceu Amoroso Lima que abrangia o de Martin Heidegger, o de Maneka Pedreira, Presidente de Honra do CEPA, pelos jornais A Tarde e Tribuna da Bahia, em página inteira. Outro texto informativo não vi meu nome publicado, uma vez que Dr. Jorge Calmon, de A Tarde, me solicitou uma análise do que eu soubesse sobre o Concílio Vaticano II que se iniciava. Como eu lia, e li até muitos anos depois, o Mensageiro do Coração de Jesus, dos padres jesuítas, havia três ou quatro páginas sobre o Concílio que ia se iniciar, isso por volta de 62. Mandei para A Tarde, aliás entreguei, e vi no dia seguinte, escrito: “Fontes do Vaticano informam sobre o Concílio...” Gostei, mas não havia meu nome. Quando o Papa João Paulo II chegou em visita a Salvador, novamente Jorge Calmon me pediu um texto sobre ele e pediu que não fizesse um texto pequeno, porém grande. No outro dia, A Tarde colocou uma página inteira, mas aí havia meu nome.

VALDECK: Você tem outra atividade, além de escritor?
GERMANO MACHADO: Escritor em mim não é propriamente uma atividade. É uma decorrência da vida, da participação. É uma mensagem, um trabalho mais da educação e de cultura. Como outras atividades, há aquelas desempenhadas pelo CEPA, atividades culturais, reuniões de academias.

VALDECK: Você se preocupa em passar alguma mensagem através dos textos que cria? Qual?
GERMANO MACHADO: Evidentemente. Os livros já citados e outros visaram uma mensagem, uma perspectiva, um horizonte, que me dava, dando. Não há separação entre o que escrevo e para quem escrevo. Mesmo nos discursos ou palestras, estou pensando em quem me ouve. A mensagem é a transformação, modificação, novos horizontes que me dou, dando, portanto. Não é uma mensagem que se possa dizer: “é isso ou aquilo”. É uma mensagem que visa não informar, mas formar, No caso específico, transmitir e ensinar. Por isso é que sou professor: professo, creio naquilo que professo...

VALDECK: Qual sua Religião?
GERMANO MACHADO: Minha religião é, como está no Credo que é repetido em todas as missas no mundo inteiro: “Creio na Igreja Católica” e o Concílio de Nicéia chama Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica, embora também santa e pecadora.

VALDECK: Quais seus planos como escritor?
GERMANO MACHADO: Meus planos como escritor já foram ditos acima, nas respostas: livros publicados, artigos disseminados e aproveitando os meios de comunicação. Obrigado a você, Valdeck Almeida de Jesus, e ao seu site www.galinhapulando.com. O CEPA tem as portas inteiramente abertas para você e espero vê-lo como um dos seus mantenedores quando eu estiver noutro tempo e noutro espaço! É um convite inspirado que lhe faço, intuitivo...

CEPA – site: www.cepabrasilba.org.br
CEPA – e-mail: cepaadmin@gmail.com
E-mail pessoal: germanomachado83@gmail.com
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(*) Valdeck Almeida de Jesus é escritor, poeta e editor, jornalista formado pela Faculdade da Cidade do Salvador. Autor do livro “Memorial do Inferno: A Saga da Família Almeida no Jardim do Éden”, já traduzido para o inglês. Seus trabalhos são divulgados no site www.galinhapulando.com
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 01/03/2012
Reeditado em 01/03/2012
Código do texto: T3529904
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