ENTREVISTA DE ANDRÉIA MARQUEZ COM O ESCRITOR LEANDRO GOULART

Araxá, 26 de fevereiro de 2011

Visando o sucesso do seu romance “TONY PINTA ROXA” e levando em consideração o disse-não-disse sobre a vida e personalidade do escritor Leandro Goulart procurei o mesmo para uma entrevista informal. Pelo telefone, com uma voz levemente rouca devida a um resfriado, mas que mesmo assim denunciou sua altivez e determinação ao falar, Leandro Goulart marcou o dia e local onde se daria a entrevista. Montei uma seção de perguntas que entravam de forma indiscreta na vida do escritor. E não posso deixar de mencionar que ele tirou de letra minha entrevista.

Encontrei o escritor sentado com as pernas cruzadas em um banco de mais um dos jardins do parque hidro mineral do Barreiro. Pela inquietude de seus olhos e a forma ansiosa em que segurava um cigarro, percebi que era uma pessoa realmente atraente em todos os aspectos.

Andréia Marquez: Porque escolheu o parque do Barreiro para nossa entrevista?

Leandro Goulart: Uai, você mesma me disse que era uma entrevista informal, também pelo fato que gosto de lugares bonitos e que tenham forte presença da natureza ao seu redor. Eles me inspiram.

Andréia Marquez: Leandro, como descobriu sua homossexualidade?

Leandro Goulart: Não descobri, ela nasceu comigo. Ninguém vira gay minha querida. Nascemos gay, só que uns não se aceitam ou demoram muito para descobrirem seus verdadeiros eu.

Andréia Marquez: Como foi a aceitação por parte de sua família?

Leandro Goulart: No começo todos assustaram, nunca dei um sinal sequer da minha opção, foi um choque, mas aceitaram e me apoiaram numa boa.

Andréia Marquez: Você sofreu ou sofre algum tipo de preconceito?

Leandro Goulart: No começo sim, até pelo fato de ter sido um dos primeiros gay de Araxá a morar junto com seu parceiro em uma espécie de casamento. Foi barra. Hoje não sofro mais, a cabeça das pessoas mudou, cresceu. Também não abaixo a minha pra ninguém, não aceito que me rotulem, mando ir à merda o que pensam de mim.

Andréia Marquez: Já que você falou do seu antigo parceiro, roda muitos comentários sobre essa sua antiga relação amorosa, dizem que era envolta por escândalos, agressões, boletins policiais, você confirmas os boatos?

Leandro Goulart: Sim, foi uma relação um tanto turbulenta, mais que só os que presenciaram podem dizer o que realmente acontecia entre nós, o povo tem um péssimo habito de transformar um cão da raça micro em um pastor alemão.

Andréia Marquez: Então qual é a verdadeira versão?

Leandro Goulart: Nós dois éramos muito jovens, não possuíamos ainda estrutura para viver um relacionamento tão complicado como os homossexuais, sentíamos muito ciúmes um do outro e isso complicou as coisas. Mas não me arrependo de ter vivido tudo que vivi, sempre digo que não errei e sim que amei.

Andréia Marquez: E você ainda nutre algum sentimento por esse antigo parceiro?

Leandro Goulart: Sim, sinto pena -Riu- ele é uma pessoa muito estourada, vai ser difícil se arranjar com alguém e isso o faz sofrer muito. No mais vivemos quase dez anos juntos, estaria mentindo se falasse que não sinto nada, sinto vários sentimentos em relação a nós dois, mas te garanto que estão longe de ser amor e saudades.

Andréia Marquez: O personagem “Antony Pessona” do seu romance se envolve em vários escândalos amorosos, você usou muito de sua relação com esse rapaz no seu personagem?

Leandro Goulart: Sim , muito. Coloquei lá parte das minhas dores, magoas e lagrimas que derramei sem recurso, os escândalos do Tony é uma versão aumentada dos meus.

Andréia Marquez: TONY PINTA ROXA esta ganhando a admiração de todos, mas você já confirmou em outras entrevistas que ele não é você e que é real, ele é seu muso inspirador?

Leandro Goulart: Em alguns pontos de minha vida sim, o Tony me ajuda muito, quando sinto medo, o que é raro em mim, penso na coragem dele, na forma que agia, isso me inspira muito.

Andréia Marquez: Numa coisa vocês dois são muitos parecidos, Tony é muito polêmico no presídio onde se passa toda história e você hoje em Araxá também é, o fato de hoje ser uma pessoa polêmica aqui na cidade te incomoda?

Leandro Goulart: Não, em nada pra falar a verdade. Não me considero uma pessoa polêmica, apenas digo o que penso doa a quem doer. E costumo agir de acordo com o que acho certo, não vivo de aparências, muito menos para agradar ninguém.

Andréia Marquez: Muitas pessoas se incomodam com sua presença, desculpe-me, mais muitos gays de Araxá te acham antipático e superior. Você concorda?

Leandro Goulart: O povo daqui fala demais e eu falo de menos o que faço muito bem. Quem me conhece sabe que não sou antipático, metido, superior ou nada do que as pessoas pensam. Sou muito na minha, de pouca conversa e poucas aparições em publico, mas quando saiu é pra valer à pena, apronto bastante farra nessas minhas saídas e isso incomoda.

Andréia Marquez: Muitos te chamam de debochado por você falar muitos palavrões, uma espécie de Dercy Gonçalves dentre os gays, o que acha?

Leandro Goulart: Estou me lixando para o pensam de mim, falo sim muitos e inúmeros palavrões, mas quem não fala, apenas tenho coragem de falá-los em publico. Mais estou longe de ser uma Dercy, quem me dera igualar a ela. Palavrão é tudo o que sentimos porra, por que não colocar pra fora. Agora deboche é o que os políticos vêm fazendo com nosso Brasil. (risos)

Andréia Marquez: Dizem que você não freqüenta muito o meio GLS de Araxá e que em certa ocasião disse em uma festa odiar “viado”, o que quis dizer com isso?

Leandro Goulart: Olha, não freqüento muito mesmo não, mas pelo fato de ainda não ter sido promovido eventos que me agradem. Em relação de ter dito em uma festa que detesto “viado”, não quis dizer o que muitos interpretaram. Afinal sou um viado, caralho. Disse que não suporto esses tipos que ficam meio caminho andado, acho que pra ser homossexual não precisa querer aparecer e tentar imitar uma mulher, pra mim ou vira transexual de uma vez ou se porta de forma masculina, acho esses gays muito afeminados uma sátira desrespeitosa a um ser tão sublime como a mulher. Me incomodo com isso e não consigo ficar perto desses tipos, isso vem de mim e não consigo mudar.

Andréia Marquez: Sim, entendo! Obrigado pela defesa a nós mulheres, olhando pra você não consigo te ver como gay, você é muito masculinizado, você é assim mesmo ou se mantém assim para agradar os olhos da sociedade?

Leandro Goulart: Sempre fui assim, nunca fui afeminado, esse é meu jeito e como já te disse não faço nada pra causar boa impressão. Mas também acho que devemos respeitar os outros da forma que são, se não me simpatizo por tipos escandalosos, não é sinal que devo maltratá-los, apenas não fico a redor deles. E acho que muitos héteros metidos a besta também deviam pensar e agir assim ao invés de ficar criando piadinhas de mau gosto.

Andréia Marquez: Certa vez também disse não acreditar no amor, isso é verdade?

Leandro Goulart: É sim, olha, já sofri demais com esse tal de amor, com o sofrimento me desiludi desse sentimento, talvez um dia isso mude, mas por hora não acredito nele não, deixo pra depositar minha confiança no amor apenas em meus livros.

Andréia Marquez: Se você não acredita em amor porquê está noivo de uma pessoal de prestigio na cidade, ou esse noivado é apenas boatos?

Leandro Goulart: Estou sim, olha a aliança aqui no meu dedo. Gosto muito dele e ele sabe disso, mas também tenho meus medos. Ele é um rapaz de mente muito aberta e entende o que quer dizer meu não acreditar no amor. Também casar é preciso, não quero ficar uma bicha velha, careca e sozinha. Porra, ia morrer se isso acontecesse. (risos novamente)

Andréia Marquez: Há pouco tempo, certo repórter que cobria um evento promovido pelo seu noivo lhe acusou de ter o ofendido em publico, o que realmente aconteceu?

Leandro Goulart: Minha cara, tal repórter é um fresco. Fez insinuações que eu estava casando por dinheiro e ficou todo ofendido por eu ter me chateado e ter-lhe mandado ir à puta que lhe pariu!

Andréia Marquez: Você é mesmo impulsivo ou é apenas impressão minha?

Leandro Goulart: Nossa, sou demais, falo e faço o que vem na cabeça, ajo sim por impulso, pela emoção do momento. Isso às vezes nem sempre é bom.

Andréia Marquez: E se arrepende de alguma vez ter agido da forma que julgou ser certa?

Leandro Goulart: Nunca, só me arrependo do que não faço.

Andréia Marquez: Todos sabem sua paixão pela dança, o que você ama mais, escrever ou dançar?

Leandro Goulart: Amo igualmente os dois, tudo que envolve arte, tudo que se tem que dar sua alma para que fique bom e perfeito me fascina.

Andréia Marquez: O segundo livro que está escrevendo aborda qual tema, seguirá o padrão sensual de TONY PINTA ROXA?

Leandro Goulart: Preconceito e aceitação de uma mãe á seu filho gay é o tema desse segundo livro, caminha em direção oposta do meu primeiro. Não é sensual nem cheio de romances surreais como o TONY, é um drama pra falar verdade. Tenho certeza que será de grande valia para muitos que ainda não aceitaram a homossexualidade de alguém do seu convívio.

Andréia Marquez: Com certeza, mas você confirma ser sua mãe a personagem?

Leandro Goulart: Minha mãe é um dos personagens sim, é ela que ajuda Lídia à personagem principal a aceitar seu filho como ele é, mas ela não é a personagem principal embora dedique o livro a ela.

Andréia Marquez: E sua personagem Lídia é real?

Leandro Goulart: Claro que sim, existem inúmeras Lídias por ai que não aceitam seus filhos como eles são, sofrendo com isso e os fazendo sofrer ainda mais.

Andréia Marquez: Há pouco tempo você invadiu um julgamento e de forma espontânea deu seu depoimento de vida em defesa á um amigo seu, comovendo o juiz e jurados, como se deu isso?

Leandro Goulart: Olha, sou muito amigo de certa pessoa que foi vítima de homofobia por parte de um mauricinho filho da puta, no decorrer do processo de julgamento percebi que o agressor ia sair ileso da história, me ofendi em nome de todos homossexuais, como pode isso, o cara espanca um ser apenas por sacanagem, só por ele ser diferente, e por ser rico ou filho de um empresario sai de boa na história, nunca deixaria isso acontecer. Invadi sim o fórum e dei meu depoimento de vida. Ao fim muitos estavam comovidos assim como eu, esse depoimento mudou todo o percurso da história e hoje o agressor está pagando pelo crime cometido.

Andréia Marquez: Impressionante sua coragem e determinação, de onde ela vem?

Leandro Goulart: Sofri muito nessa vida minha cara, vi coisa que até o Diabo duvidaria se visse, com os anos, com os tombos que levei, as coisas que passei fui me tornando no que sou hoje.

Andréia Marquez: Sabe-se que você passou uma fase difícil em sua vida, onde a depressão quase lhe consumiu, me fale sobre isso.

Leandro Goulart: Foi há certo tempo, quando ainda estava casado assim digamos. Um emaranhado de acontecimentos desagradáveis desencadeou essa terrível doença em mim, no inicio não aceitei, achava que depressão era doença de gente fresca, mas com o passar do tempo e à medida que meu estado ia se agravando, acabei aceitando e me tratando. Sofri muito e fiz muita gente sofrer junto.

Andréia Marquez: É difícil acreditar que uma pessoa forte como você teve tal doença, é verdade que tentou suicídio?

Leandro Goulart: Infelizmente sou obrigado a confirmar que sim, só quem teve depressão sabe o quão desesperadora é essa doença. Mas digo que vaso ruim não quebra, tentei, tentei e estou aqui vivinho da Silva.

Andréia Marquez: Isso confirma a resposta que deu a um jornalista recentemente sobre suas tentativas de suicídio?

Leandro Goulart: (risos novamente) Confirma sim, cheguei a uma festa GLS e o jornalista viado tava lá, quando passei por ele, o mesmo disse que eu tinha sete vidas, que tentava morrer e não conseguia, mais que ele tinha fé que uma hora ou outra dava certo. Virei pra ele e disse: Nada, ainda vou viver bons anos pra ter o prazer de ir a seu enterro seu filho de uma rapariga.

Andréia Marquez: E você pensa em chegar a sua velhice sendo essa pessoa polêmica e irreverente que é ou acha que com a idade sua personalidade vai mudar?

Leandro Goulart: Acredito que com o decorrer dos anos, vou passar por muitas coisas e aprender com elas. Mas minha personalidade creio que não mude, sempre fui de falar o que penso, de gritar e ser extressadinho. Gosto de bater a cara na parede pra ver se dou conta de levantar depois. Se me mudar, me mato de vez e é isso que esse povo falador quer, pois o que me mantém na boca deles é meu jeito de ser e agir que desafia a todos, sou aquilo que muitos queriam ser e não tem coragem ou a sociedade em que vivem não deixa. Já ouviu o ditado que diz que ou você pisa ou será o tapete de quem vem atrás. Esse sou eu e não creio que mude, gosto de ser assim. (dessa vez gargalhadas)

Andréia Marquez: Para finalizar nossa entrevista o que diria para todos que ler ela?

Leandro Goulart: Diria que devemos parar de colocar mascaras de certinhos ou pessoas perfeitas, hoje em dia não existe mais isso, no mundo de hoje ou mata ou morre. Se cheguei onde estou foi porque assumi o que sou sem medo de agradar ninguém, vivo o que quero e o que sou, e tenho certeza que se todas as pessoas fossem assim teríamos um mundo mais sincero e melhor. Também digo sempre que aos que me amam mando um beijo e aos que me odeiam mando dois.

Terminamos nossa entrevista caminhando pelo o parque enquanto discutimos sobre vários assuntos. Leandro Goulart sempre com uma opinião formada e resposta pronta na língua afiada me surpreendeu a cada segundo de nossa tarde juntos. Sem duvidas além de um grande escritor é um ser de indiscutível fascínio.

Observação:

Essa entrevista foi cedida pelo escritor Leandro Goulart a estudante de jornalismo Andréia Marquez para um trabalho universitário sem fins lucrativos para ambas as partes.

Leandro Goulart
Enviado por Leandro Goulart em 29/02/2012
Reeditado em 01/03/2012
Código do texto: T3527381
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