Álbum Niil'.

Entrevista cedida sobre o álbum.

Cinara Bruno - Escritora e promoter de artistas independentes.

Porto Alegre 23/02 conversa sobre o álbum Niil' com Ícaro Fontoura - Músico.

Em alguns momentos da conversa, o foco foi desviado, pois senti que certos assuntos pareciam não importar muito para Ícaro, mas aqui ele fala o porquê dos singles, o porquê de muitas coisas no álbum.

Nome do álbum, origem e capa:

Por que Niil'? De onde veio e por que uma mulher nua, suponho que anoréxica e fumante na capa, segurando uma guitarra?

- Bom, o nome é o mesmo da banda, justamente pelo fato de que queremos que a idéia que a banda passa, fique exposta. Niil' vem de niilismo. Mas, lógico, é um modo comercial de colocar o Niilismo na mídia. Abreviando com um apóstrofo, como no inglês.

A capa é aquela jovem, nua, e sim... com anorexia e fumante. É pra retratar a idéia do álbum, de expressar experiências que reprimem as mulheres. Machismo, violência doméstica, abandono de pai, aborto. E quanto ela ser fumante, se encaixou perfeitamente com esse feminismo do álbum. A arte da capa foi um amigo da banda (Gabriel Flag - Pintor) que me deixou usá-la como capa do álbum.

Homem pode tocar guitarra, andar sem camisa, fumar e não ser tão crucificado. Bandas de mulheres sofrem preconceitos, mulheres tocando sofrem preconceito, mulheres que fumam são julgadas "vulgares" e eu discordo disso. É um álbum feminista. E a parte da anorexia e cigarro, são pra representar meus problemas com outras coisas e com uma própria neurose minha. Todos temos.

Primeira faixa se chama "You Suck" e a última "White Flag". Quer dizer algo essa ordem?

- É um álbum onde eu falo o que as pessoas não gostam de ouvir, além de coisas ambíguas. Ao dizer que "você é um bosta" na primeira música é justamente pra quem baixar/comprar/ouvir o álbum, já na primeira música saber que é pra quem está ouvindo. Em motivo de protesto, sabe? Pessoas não prestam atenção nas letras, pessoas estão vazias de atitude, politicamente corretas e pseudo-intelectuais, cada vez mais. É uma canção pra se falar palavrão, gratuitamente, ofender alguém... é um refrão bem agressivo. Eu acho, pelo menos, e justamente pra parar de censura nas letras, o nome e o refrão é um palavrão. Se quiser censurar o álbum por julgá-lo ofensivo, só ouça a primeira faixa.

E "bandeira branca" é a última música, justamente pra dar um contraste. Não somos 100% agressão.

Eu vi que todas as músicas são escritas por você, apenas as letras?

- Sim, as letras são todas minhas. Eu não consigo cantar com sentimento, se eu não sentir o mesmo.E os arranjos, são todos compostos por mim também. Lógico, meu companheiro de banda (Jaderson Dos Santos) na hora de ensaiarmos, eu sempre pergunto se ele concorda com isso ou com aquilo.

Muitas idéias boas do álbum foram dele. Eu sempre pergunto se acho que algo deve ser mudado, ele tem bom senso. Mas todas as músicas, pelo menos desse álbum, são composições minhas.

Escolha dos singles. Por que são esses os singles?

- O primeiro single do álbum é Run Away porque eu considero uma música bem comercial e trabalhada, e a decisão de ser primeiro single veio porque já é pra deixar claro o feminismo do álbum.

Primeiras palavras da música são: "Te ver é tão constrangedor, como você pode ser meu pai? Constrangedor, covarde..." E o refrão é uma ameaça. Isso se trata de filhas que uma hora podem perder a cabeça com o pai pelos maus tratos. Mas pode ser pra qualquer um que tenha problemas com o pai, é autobiográfica também.

O segundo single é So Long. Eu tenho um problema com pílulas e não quero que pessoas que possuem esse problema se sintam sozinhas, é um problema mais comum que todos pensam. E é comercial também. Eu preferi tornar em uma música pessoal, já que soava tão comercial. Eu quero expor isso, quero que pessoas não se sintam sozinhas ao pensar que o vício pode ser algo só delas. Não, não é... o vício em drogas é um problema que a sociedade vê. Mas droga farmaceutica, todos pensam que é mais fácil de se livrar. E pelo contrário. Tu precisa de receita pra comprar crack, cocaína ou álcool? Não. Se tu quer se livrar, tu vai.

Agora com pílulas, tu precisa de receitas falsas, atuações... e tão combatendo cada vez mais quem compra remédio sem receita. Muita gente está se fodendo porque está cada vez mais rígido o controle. É um problema que eu quero que se identifique quem tem.

O terceiro é Criminal. Resumindo... criminal, quanto a letra, é nada de mais, nenhum sentido pessoal. É comercial a letra e a instrumental. Quem nunca pensou que algo "não é pra ser" que atire a primeira pedra. Mas a decisão de ser single, é porque é uma música que mostra um lado mais "sujo" da banda. Gritos e solos fora de escala. Não somos músicos perfeitos e essa coisa de rock bonitinho, eu acho que já deu. Particularmente, eu prefiro o solo de I wanna be sedated do que o de Sweet child o' mine. Técnica não é tudo.

O quarto, é Thief. Uma música que não saiu ainda, é o último single. Também é um problema pessoal/universal. É pra todo mundo que já perdeu a mãe. E quem muitas vezes já se perguntou "cadê a minha mãe?". Muita gente sente saudade da mãe, muita gente sente desespero ao ficar longe da mãe, muita gente sente saudade do que nunca teve. É pessoal a letra, mas esse problema é longe de ser pessoal.

Tem canções tão importantes quanto essas que não são singles, é difícil escolher. Em White Flag e Day By Day eu me coloco muito mais nas letras do que em Run Away. Mas é uma escolha coerente, ao meu ver. Não somos uma banda que sobrevive de baladas tristes e nem queremos ser.

Período de composições, estúdio, e futuro da banda.

- O periodo de composições é muito variado. É meio a meio, músicas foram feitas uma semana antes de entrar em estúdio, So Long foi escrita no estúdio, junto com algumas outras. O primeiro single, não foi feito em nem um mês antes de entrarmos em estúdio. As músicas, metade foram feitas semanas antes de gravar e outras foram semanas depois de que aprendi a tocar violão. Thief é minha terceira música composta. Se eu tivesse 4 meses de violão era muito.

No estúdio, foi um período muito cansativo pra mim. Eu tinha que dirigir muito no sol, até chegar ao estúdio. E voltar na hora do rush pra casa. Eram 3 horas dirigindo pra cada 4 no estúdio. Onde o clima foi perfeito com o produtor (Sebástian Carsín) e com o Jaderson. Mas foi muito cansativo para nós, pela distância, sol e por outros afazeres tirando o estúdio. Somos independentes, não vivemos só disso. Tinhamos shows, trabalho, tinhamos que ensaiar ao mesmo tempo, eu tinha que compor.

Falando por mim mesmo, foi bem depressivo, eu voltei usar cocaína depois de dois anos só pra me sentir mais enérgico ao gravar, pra encarar tudo aquilo de mixagem. Porque não é só gravar e pronto, pelo menos eu, no papel de compositor da banda, vocalista e guitarrista. Eu quero que as coisas soem como tem que soar, e nunca é o bastante. O trânsito me destruia, e eu precisava estar dentro das canções o tempo inteiro, então a própria cocaína foi um membro da banda durante esse tempo. O que foi bom. Porque eu tomo há 5 anos anfetaminas e há 6 pílulas pra dormir. Só que a anfetamina que eu tomava, foi perdendo o efeito, e ano passado eu achei outra, mas era com receita ilegal que eu obtia. Aí tive que recorrer a cocaína pra me sentir acordado. Não é uma desculpa, é um hábito (julgue como quiser) que eu tenho para me sentir acordado. A insônia é um problema pra mim, eu a combato com remédios pra dormir. Mas eu não quero passar o dia que acordo, como um zombie. Então balanceava com anfetaminas, meu médico recomendou anfetaminas. Mas como eu disse, elas perderam o efeito. Achei outras por minha conta, sou dependente químico. E herdei do meu pai a dependência química. A genética é responsável por 50% a 60% da tendência ao alcoolismo tanto em mulheres quanto em homens, segundo Patricia Hochgraf. Tudo começou com álcool, com cigarros, depois remédios, e assim foi indo. Não é algo do qual eu me orgulho, mas ao decorrer do álbum eu tive que me afundar muito em anfetaminas e cocaína porque era muito trabalho... e ainda é.

Futuro da banda? Eu não comecei uma banda pra desistir dela. Esse álbum não é metade do nosso material, e não é o nosso melhor material também o melhor está guardado. Só quis fazer um álbum onde tu toca a primeira música, que te leva pra segunda, que te leva pra terceira e assim vai. E quanto a shows, vamos lançar o álbum dia 7 de abril em Florianópolis, a princípio é só. Parece que vai ter outros dois shows para fazermos lá. Mas nada é certo ainda, estou focado em terminar algumas canções e ir divulgando as já disponíveis na internet.

Eu considero, sem ter escutado inteiro um dos melhores álbuns de rock alternativo dos últimos anos. Por mais que você tenha dito que as músicas são comerciais, os assuntos não são. Você considera um bom trabalho?

- Eu considero um ótimo trabalho. Só acho muito comercial, de padrão internacional as mixagens. Mas tem que ser assim hoje em dia. As pessoas tem ouvidos sensíveis e querem coisas extremamente limpas nos seus estéreos. Mas como tu mesma disse, os assuntos não são. Pelo menos eu quero dar um contraste. Fazer um álbum com qualidade pra tocar na rádio onde se fala de aborto, violência doméstica, pílulas, onde se fala palavrões? É um contraste. É como fazer uma música feliz em lá menor. Contrastes me atraem, controvérsia me atrai. As porras das bandas na minha volta, e no mundo inteiro são uma merda, eu acho. Não vejo rock 'n' roll faz tempo. Eu tô pouco me fodendo, mesmo, pra caralho, mas eu acho meu álbum de rock bem mais inteligente que o álbum que ganhou o Grammy esse ano. Eu acho melhor, eu acho que o Radiohead merecia ter ganho mais prêmios também. Rock não é só tocar bem e ter cabelos grandes, é atitude e conteúdo. E, sim, meu álbum tem muito mais atitude e conteúdo do que o álbum de rock mais premiado esse ano. Considero dele um ótimo álbum, mas não é o nosso melhor. É só o primeiro. Estamos perdendo a virgindade, é nossa primeira vez. E, já aviso, esse é só o primeiro álbum, longe de ser o melhor.

Muito obrigada pelas informações, Ícaro Fontoura.

Cinara Bruno 23/02.

Fica aqui um preview do álbum.

http://soundcloud.com/niil/niil-lbum-preview-niil

Icaro Fontoura
Enviado por Icaro Fontoura em 26/02/2012
Código do texto: T3521397
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