Clássicos Brasileiros ao Piano

Oi Gente...

Na véspera do recital no Clube de nossa cidade, Eudóxia de Barros, ou melhor, Eudoxia de Campos Barros Lacerda – esposa do compositor Oswaldo Lacerda - contou pra o Folha do Sul fatos de sua carreira. Ela prefere ser tratada por você, uma difícil tarefa pra quem olha e ouve alguém que transparece uma grande estatura, não só pela profissão, mas por aquela aura de elegância que nem todo mundo tem, embora a maioria se esforce. E o piano é um instrumento muito mais sensível que jamais supus: imaginem vocês que o piano, uma vez transportado antes de ser usado precisa ser afinado! E parece que o serviço não é nada barato, além de não se encontrar quem faça esse trabalho atualmente. Imagine que o afinador veio de uma das cidades do estado de São Paulo pra afinar o piano que será usado por Eudoxia amanhã a noite. Pedi ao afinador que entrasse em contato com o Jornal por e mail, pra gente saber sobre essa profissão que quase não existe. Mas este é assunto pra outra hora.

Divarrah – Por que Eudóxia?

Eudoxia – Esse é um nome comum na família. Minha tia, professora de colégio, na cidade de São Paulo era Eudóxia de Barros. Meu sobrenome é maior, mas artisticamente fiz a opção que julguei ser a mais fácil para o publico.

Divarrah – Sobre o programa do recital...

Eudoxia – com o tempo aproximado de uma hora e quinze mais ou menos. É que eu explico algumas musicas e ás vezes os comentários vão além do tempo previsto.

Divarrah - ...como assim explicar?

Eudoxia – eu faço concertos didáticos, e então uma coisinha ou outra ilustra melhor a peça que se vai tocar.

Divarrah -... você também é professora de piano...

Eudoxia – é. Eu sou formada também como normalista mas nunca lecionei.

Divarrah – porque você escolheu o piano?

Eudoxia – parece mais essa coisa de quê quis o destino. Em minha casa sempre houve o piano, que era de minha avó, esse piano eu tenho ate hoje. E havia os programas de radio de onde se ouvia muita musica boa! As musicas populares eram muito ricas e aquilo foi me contagiando de modo que, aos quatro anos, minha irmã e eu – ela é mais velha onze meses – estávamos praticamente todos os dia ao piano pra tirar alguma musica que se ouvia no radio e meus pais entenderam que tínhamos pendor para musica e contratou-se então a professora do bairro que, depois de um ano encerrou as aulas dizendo aos nossos pais que tudo o que ela sabia já havia nos ensinado. Mas indicou-nos um professor alemão, ocupadíssimo, que nos ouviu depois de muita insistência, num domingo a tarde. Depois da sabatina pela qual passamos, ele decidiu que tínhamos talento e resolveu que seria nosso professor e ficamos estudando com ele. E eu fiz varias viagens para o exterior: Paris, Alemanha e Estados Unidos, estudando. Mas eu vi que não tinha estofo pra morar sozinha num país estranho, com uma língua diferente, costumes diferentes e extremamente sozinha.Pra mim, o importante era fazer musica e tocar. Como aqui no Brasil eu já estava tocando tanto, vi que não havia porquê de tentar uma vida lá fora na base de tanto sacrifício? Então eu voltei para o Brasil e agora, esporadicamente, quando surge um concerto aqui e ali eu vou. Agora no inicio de novembro eu estive na Bolívia para dois concertos. Tenho tido pelo Brasil de mais de cinqüenta concertos por ano, tocando recitais com esse aqui....

Divarrah – Como é que você escolhe as musicas pra apresentar?

Eudoxia – o repertorio para piano é vastíssimo e não da tempo pra mostrar o que eu gostaria. Essa coisa de sempre me apresentar a noite, as pessoas querem se divertir e não se pode escolher um programa muito longo pra não ficar cansativo...Mas a gente tem que tocar e eu faço um programa novo por ano e vou apresentando ate que chega o fim do ano já estamos no ponto de gravar e isso é muito gostoso...

Divarrah - ... você toca sempre compositores brasileiros?

Eudoxia – por causa desse contato pelo radio com compositores de musica brasileira. Quando eu tinha dezesseis anos de idade, eu venci um concurso em São Paulo, para solista da Orquestra Sinfônica Brasileira, regida por Eliazar de Carvalho, com o concerto numero um de Villa Lobos. Naquela época em que os clássicos brasileiros eram abominados, combatidos.....Eu já me apresentando, apaixonada pela nossa musica. E ganhei o concurso. Ele me levou pra tocar no Rio primeiro e depois em são Paulo.

Divarrah - ... você sempre se apresenta com um repertorio de musicas de compositores brasileiros....

Eudoxia – sempre, sempre... pelo menos metade do repertório.

Divarrah - ... a gente tem musica clássica pra isso tudo?

Eudoxia – ah! Tem... e como não? E como não? Tem tantas sonatas de Heidell, Beetowen, de Mozart, se eu pudesse eu tocaria todas mas, não dá tempo pra gente preparar... E hoje em dia ta muito complicado porque não se tem mais o direito de preparar um repertorio muito longo. A vida é outra e isso limita muito...E tem-se material pra uma vida inteira.

Divarrah – Eudoxia você já era Artista durante o período de repressão, você já tocava e teve algum problema?

Eudoxia – época da ditadura. Houve algum problema, alguma pressão sobre a Fantasia sobre o hino Nacional Brasileiro, de um compositor norte americano que eu toco desde que tinha quatorze anos. E naquele momento, durante uma apresentação quando eu comecei a tocar, alguém da platéia gritou “não pode tocar”. Ai eu me virei na direção da voz, não vi quem gritou, sorri, e continuei a execução. Mas não houve maiores incidentes não. Mas era proibido, mesmo porque político não entende nada de musica. Acho que foi alguém querendo me alertar, ou foi uma brincadeira...

Divarrah – e também porque seu publico é mais refinado ne?

Eudoxia – hoje em dia tem de tudo e é uma coisa que me encanta muito porque a gente adoraria levar musica pra todos os níveis sociais, então tem essa historia de fazer entrada franca que facilita muito...

Divarrah - ...existem pessoas que são leigas, a gente vê isso? O que você percebe delas?

Eudoxia – e muito mais espontâneo. Há três anos atrás, quando estive aqui pela primeira vez, haviam varias crianças, todas no mais absoluto silencio, todos alunos. Eu guardei aquilo com maior carinho! Um profissional de musica, que vai assistir, ta sempre malhando o colega. Eu sei que é difícil, mas que não se deveria ter essa rivalidade. O ideal não é só a elite, é bom quando tem um pouco de cada. Quem tem assinatura na sala São Paulo esta sempre assistindo aos eventos. Dizem que é o que há de melhor, mas eu nunca toquei la, e acho a acústica é péssima.

Divarrah - ...onde é?

Eudoxia – em São Paulo, capital. Lá que a sede da Orquestra Sinfônica da cidade de São Paulo.Era uma estação de trem e foi transformada numa sala de espetáculos. Justamente por isso a acústica é muito deficiente. Eles instalaram no teto umas lajotas pra melhorar. Pra orquestra sinfônica ainda va la, mas pra recital de piano não da, ninguém escuta. Estávamos la toda a quinta feira porque temos uma assinatura – bem cara até - E íamos toda quinta feira. E publico é gente de muito dinheiro mas que vai apenas porque é um acontecimento social. Falta calor. Vai-se mais porque é chique!

Divarrah - ... você falou de coisa que a senhora ... voce não gosta. Fala uma coisa da qual você gosta.

Eudoxia – Em são Paulo? Do ambiente cultural.Cinemas, lançamentos e os teatros... agora não vou tanto porque tenho viajada muito. Mas se chega a ter de cinco a dez opções por noite.

Divarrah – a nível de musica atual, o que esta sendo produzido que você gosta?

Eudoxia – há vários bons compositores, a começar pelo meu marido, Oswaldo Lacerda....

Divarrah - ... ele é parente do político do Rio?

Eudoxia – é primo do Carlos Lacerda. Ele tem feito muita coisa, não para de trabalhar, agora a obra dele é menor que de outros compositores porque ele é mais meticuloso. Existem pessoas que escrevem assim jorrando, mas são coisas que não ficarão. Quero dizer que o melhor julgamento será o tempo. E ele esta sempre buscando coisas novas...

Divarrah – Conta uma coisa boa que aconteceu em sua carreira, que te agradou num recital?

Eudoxia - ... esse acontecimento passado aqui, há três anos atrás com as crianças todas quietinhas, assistindo ao recital! Eu sei que foi trabalho da professora, mas mesmo assim achei muito bonito.

Divarrah -... algum outro momento...

Eudoxia - ah! Acontece muito!! Pessoas que estão na platéia e sabem desenhar e fazem um desenho enquanto estou tocando, poesias... e depois me entregam. Eu guardo com o maior carinho. Eu não vou jogar fora. Tenho atualmente quarenta álbuns só de recordações. É comum haverem compositores na platéia que mandam musicas e as vezes a qualidade não é boa, mas eu não tenho coragem de jogar fora. Pra nível de concerto não da.

Divarrah – o que um musico de fora do pais tem que nos aqui não temos?

Eudoxia – mais a estrutura da profissão de músico. Eu trabalho mais com secretarias de cultura. Eu tive um namorado, romeno, psicólogo, que adorava que eu fosse pianista mas não me deixava estudar. Ele queria que eu vivesse dependente das idéias dele. Então ele, pra fazer pouco de mim, disse: Ah! Pianista de dez concertos... você é muito mais professora que concertista! Eu paro pra pensar quando ouço uma critica e ai pensei o que poderia fazer pra tocar mais. Naquele tempo, fim da década de setenta, eu entrei em contato com as secretarias de culturas, que existem uma em cada cidade do Brasil. E ai não foi difícil, porque hoje o meu cadastro tem mais de mil nomes! So falta me apresentar no estado do Tocantins, que é um estado novo, mas em Roraima, já estive no Acre pela quarta vez, eles tem um piano belíssimo, Yamaha... Mas voltando ao caso, dei tratos a bola e quase não haviam concertos nas outras cidades, apenas no eixo rio são paulo. Naquela época era mais favorável e eu poderia ter dado mais concerto que dei. Mas teve uma ano em que dei cinqüenta e seis concertos. Eu dava aulas no primeiro semestres enquanto preparava o repertorio para começa a me apresentar em fins de agosto eu estaria excursionando, viajando pelo Brasil todo. Muita gente me fala que estou errada em dizer isso, mas tenho certeza contribui pra essa irradiação de concertos pelos Brasil. Nada mais natural que as pessoas começaram a fazer o que eu faço.

Divarrah – você não trabalha com agente?

Eudoxia – não, trabalho sozinha. E agora a concorrência é muito maior. E agora, existem um grande numero de prefeitura regidas pelo PT. E eles acham que essa é uma musica de elite e abominam. Eles gostam de musica sertaneja. Ele gostam de muito espetáculo que tenha muita gente no palco, que faz mais vista e eles não entendem como uma pessoa pode fazer o espetáculo...

Divarrah – pra variar, pelo menos....

Eudoxia - ... houve uma prefeita, eleita em Santos que uma das primeiras providencias que ela tomou foi a de compra um piano de calda. Depois, parece que foi eleita deputada e agora desapareceu. Não sei o que houve, todo mundo falou bem dela mas eu não sei o que houve....Em Criciúma, no Paraná, numa festa tradicional em que eles insistiram com a secretaria de São Paulo para que o concerto fosse em praça publica, ao meio dia. E a secretaria ponderou que a acústica não ajuda, não houve jeito. Eu cheguei na véspera, vi Florianópolis estava um dia maravilhoso e eu rezava pra Pde. Silvo, que foi canonizado. E ai eu rezei pra ele pedindo pra chover. E não deu outra! No dia seguinte, sete da manha, quando acordei, tudo escuro... Ai pensou-se em cancelar o concerto e disse que não, que eu queria me apresentar. Vamos transferir pra um colégio em outro lugar.E como havia tempo, transferiu-se o concerto para a Igreja de lá. Foi muito agradável....Eu tenho tido muita atividade, este ano eu estou com mais de quarenta concertos. Mas lá fora, existe a estrutura, a profissão de musico, mas a concorrência é muito maior...É gente do mundo inteiro e fica muito mais difícil Eu fiz minha escolha, sou feliz em minha terra, e cada lugar lindo que a gente vai...Agora tenho um concerto na Romênia.

Divarrah - ...sempre tocando clássicos brasileiros...

Eudoxia – veja bem: la fora, o repertorio é muito vasto, mas já esta muito batido. Acho que a eles estão ansiosos pra escutar qualquer coisa nova. Acho que esse seria o momento de estudar piano la fora e tentar me estabelecer la....

Divarrah – então você diria as pessoas que estudam piano...que estao começando agora...

Eudoxia – é, tocar muita musica brasileira porque acho que esse é momento.

Divarrah – e os cds?

Eudoxia – Por muito favor, consegui que as Editoras Paulinas vendesse meus cds. E me desgosta muito essa divulgação que quase não existe, fora as lojas. Mas eu não tenho muito tempo pra cuidar disso. Eu trouxe os cds pra vender. Do contrario não vende porque não tem propaganda.

Divarrah – alguma coisa que você gostaria de dizer pra gente?

Eudoxia – Gostaria de fazer um alerta para que as Casas de Cultura porque a cultura hoje só se faz opera. Eu não tenho nada contra opera, mas os recitais também fazem parte da cultura. Eu pediria que os governantes dessem mais atenção porque tudo é importante.

Divarrah ... pra entrar em contato com você....

Eudoxiaeudoxia@eudoxiadebarros.com.brSitewww.eudoxicadebarros.com.brE para compra dos cds www.correiomusical.com.br.Tem também o meu livro, editado pelo Record 011 3331 6766 sobre técnicas no estudo de piano. Um aperfeiçoamento de uma obra da década de setenta, pra quem estuda piano. Um livro base. A partir de março de 2006.