Seção Papo-Cabeça, Coluna do Carlos Damião

SEÇÃO PAPO-CABEÇA, COLUNA DO CARLOS DAMIÃO

(O texto publicado no jornal "Notícias do Dia", de Florianópolis, na edição de 13 e 14 de agosto de 2011, foi editado para adequar-se ao espaço disponível)

1 – Quanto tempo de Florianópolis e por que vieste para cá (podes falar da questão profissional, um pouquinho da carreira)

AN – Quase sempre Florianópolis. Nasci em Tubarão, onde vivi até os 17 anos, quando terminei o curso Científico (hoje, o Ensino Médio), mas meus pais nasceram aqui, de famílias daqui. Assim, antes de ter qualquer consciência de mundo e da vida, já vinha para a Capital. Vinha pelo menos duas vezes por ano. Cheguei a fazer viagem de ônibus que durou 12 horas, com direito a pernoite de emergência na distante Palhoça. Outras vezes, viajava pela TAC, com escala em Laguna, no aeroporto do Mar Grosso. A TAC existiu, sim, chamava-se Transportes Aéreos Catarinenses e operava aviões DC-3. Lembro-me de um deles, batizado Itajaí. O outro era o Tubarão. Mudei-me para Florianópolis para fazer faculdade, na recém-criada UFSC. Publiquei muita crônica e artigo em jornais e programas de rádio estudantis em Tubarão, mas o curso superior não me deixava mais tempo para escrever. Parei por dez anos.

2 – E, sendo escritor, como é que foi essa coisa da vocação pra engenharia?

AN – Pois é, o escritor chegou antes – e continua depois.Tornei-me escritor porque gostava de ler, não era dos piores em Português e achava que podia contar alguma história como aquelas que vivia lendo. Pensava que um dia chegaria a publicar um livro de ficção, e essa seria a realização máxima na Literatura. Tornei-me engenheiro porque me dava bem com a Matemática, não fazia feio com as ciências exatas e precisava ter uma profissão que me permitisse comer, vestir e morar. Na época, acreditava que escrever não dava dinheiro, a não ser que fosse jornalista, mas não havia curso de jornalismo na Federal. Formei-me em Mecânica, fiz pós-graduação em Fabricação (faltou só a dissertação de mestrado) e fui trabalhar em Informática como analista de sistemas. Depois de dez anos, o retorno a Florianópolis (cinco anos em Curitiba e Londrina) coincide com a retomada da Literatura.

3 – O que mais gostas na cidade? E depois de tanto tempo aqui quais são tuas melhores lembranças?

AN – O que mais me atrai é justamente aquilo que é exclusivo da cidade, diferente do que existe em qualquer outro lugar do mundo. "Shoppings", cinemas comerciais, hotéis de luxo, edifícios pasteurizados e tudo que é moda, portanto cópia submissa, não tem nem confere identidade, é igual em todo lugar. Agora, o Ribeirão da Ilha com o seu "ostruário", a placidez de Santo Antônio de Lisboa e Sambaqui com vista da cidade, o Arante do Pântano do Sul, os fortes da Ilha, a majestosa Ponte Hercílio Luz, vergonhosamente abandonada por tanto tempo dando a impressão de que esperam que caia de uma vez, Avaí e Figueirense, e a gente tricentenária da terra são a personalidade de Florianópolis. O meu primeiro conto foi escrito aqui (antes foram crônicas e artigos) e retrata uma cena nos cais do porto, no Centro, quando havia mar ali, e no Mercado, e junto à Praça XV, e em torno do Miramar, e perto do La Porta Hotel.

4 – E o que falta na cidade, quais são os "defeitos" da cidade? O que é preciso fazer para melhorar?

AN – Sobra carro e falta educação aos motoristas: qualquer cidade é feita para as pessoas, os carros apenas têm permissão para circular. Faltam raízes e visão aos nossos governantes, aí incluídos vereadores e deputados: cada um faz o que quer e bem entende, sem um conhecimento da História local, sem uma valorização da personalidade da Ilha e sem um planejamento de longo prazo. Os mandatos são de quatro anos, prorrogáveis por mais quatro? Então que se dane o mundo depois disso. Foi assim quando aterraram tudo, jogando o mar lá para longe, do outro lado de pistas e mais pistas de rolamento e para trás da infame muralha formada por sambódromo, centro de convenções e usina de esgoto, tapando a vista e obstruindo o convívio do mar: era ditadura, não se dava satisfações e quanto mais cara a obra, melhor. Para melhorar? Cultura – para tentar salvar o pouco da originalidade nossa que ainda resta.

5 – Quantos livros, quantos prêmios, quantas realizações literárias, quais os próximos livros (algum lançamento previsto)?

AN – Oito livros. Para ser honesto, sete e meio. Um deles, sobre o pintor ilhéu Eduardo Dias, é coautoria com o Francisco José Pereira. São eles "O Insidioso Fato", "Dança de Fantasmas" e "Relatos de Sonhos e de Lutas", de contos; "O Tempo de Eduardo Dias" e "Se Te Castigo É Só Porque Eu Te Amo", teatro; "Movimentos Automáticos", novela; "Pai sem Computador", novela juvenil (acho que merece uma reedição imediata, para uso em escolas); e "Da Importância de Criar Mancuspias", de crônicas. São 31 participações em obras coletivas, inclusive no exterior, e 44 premiações literárias dentro e fora do país. Desconfio que está mais próximo de sair o livro "O Bronx em Primeira Pessoa (visões do Brasil)", mas tenho muita coisa pronta e premiada que gostaria de ver circulando, como os romances "Desterro, Brasil" e "O Homem que Não Tinha Fim". Pior: mesmo sem conseguir publicar, não paro de escrever...

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Amilcar Neves é escritor com oito livros de ficção publicados.

A partir de 21.09.2011, com a retirada de uma candidatura, é um dos cinco postulantes à Cadeira nº 32 da Academia Catarinense de Letras, cuja eleição, em primeiro e segundo turnos, ocorrerá na próxima segunda-feira, 26 de setembro.