DICIONÁRIO DE EXPRESSÕES POPULARES DA LÍNGUA PORTUGUESA
E N T R E V I S T A [EXCERTOS],
por Carolina Pezzoni
Revista PLATERO, Nº 22, AGOSTO / 2011
WMF Martins Fontes
Site da revusta: http://www.revistaplatero.com.br/n22/index.asp
ÍNTEGRA DA ENTREVISTA
Carolina Pezzoni - O que determina o surgimento de uma expressão popular? É possível identificar um terreno comum?
Gomes da Silveira- Na área da linguagem, é discutível sentenciar-se, peremptoriamente, que há uma causa única que determina o surgimento de uma expressão de cunho popular. Mais justo será dizer que há uma gama de fatores que contribui para dar origem e feitura de um acervo idiomático. E essa formação espontânea da língua vai desde os elementos de colorações ambientais, regionais, dialetais e sócio-culturais, até os fatores mais sub-reptícios da psicolinguística. Usos repetitivos de um modo de falar é que vão produzir os clichês, as ditas “frases feitas”, os quais, em definitivo, ou temporariamente, sentam a base dos linguajares de teor popularesco. Vale realçar que nem todo esse material se fixa e sobrevive; algumas expressões e termos de uso popular morrem, logo após o seu nascedouro. O “terreno comum”, sem temor de errar, diria que se fundamenta no ambiental, o campo mesológico dos falantes de um idioma, mas especialmente nas reiterações. “Água mole em pedra dura...” Veja-se, por exemplo, o farto material das gírias que se ramifica em linguajares de vernizes locais: dialeto caipira, ou rural, gírias das gangues urbanas, das cadeias, gírias profissionais, os bordões dos comunicadores, do teatro, do futebol, calões dos prostíbulos, etc. Em assim raciocinando, podemos afirmar, sim, que “é possível identificar um terreno comum” no universo das gírias, dos calões e linguagem popular, embora esta seja muita dada às práticas da emigração. Por vezes, atualmente, torna-se confuso e inviável afirmar-se, por a mais b, que este ou aquele termo, ou expressão, é um paulistês, baianês, cearês, gauchês, etc., e por aí vai a boa dúvida.
CP- Que elementos determinam a sua difusão?
GS- Um “expressionário” (assino o neologismo, a partir de nota introdutória ao nosso “Dicionário de Expressões Populares da Língua Portuguesa”, publicado pela WMF Martins Fontes, São Paulo, em agosto de 2010) – como ia ressaltando – um “expressionário” se difunde por diversos veículos e vieses. O primo processo de divulgação da expressão idiomática dá-se pela oralidade. Sua expansão segue a vereda do boca a boca, indo às conversas de pé de ouvido, e daí os linguajares passam às letras de forma. Eis que vai parar nos papéis da literatura e dos meios da comunicação escrita, sem subestimarmos a relevância da nossa impressa falada, via rádio e televisão. Os nossos “modernistas regionalistas” deram grandioso contributo aos falares do povo, a saber: José Américo de Almeida, Jorge Amado, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, no Nordeste; mas também outros escritores, de outras regiões, por exemplo, Érico Veríssimo e João Simões Lopes Neto, no Sul do País. Monteiro Lobato, em português escorreito e limpo, era useiro e vezeiro no exercício das expressões idiomáticas, e basta que lhe corramos o olho. O teatro é outro meio fabuloso para exprimir a oralidade dos mais simples. Dias Gomes, na obra que produziu, é um mestre e possui um “expressionário” popular de grande monta. O cordel (leia-se: Patativa do Assaré) e os cantadores de viola, sem exceção, estes também são um celeiro incalculável de expressões populares. Por fim, ainda no meio urbano e culto, os nossos cronistas desempenham um papel significativo, nos jornais e revistas, mormente os cronistas sociais e esportivos.
CP- Como definiria a relevância de um projeto como o “Dicionário de expressões populares da Língua Portuguesa”?
GS- Se disser que o nosso projeto foi algo mirabolante, ou fora de série, levando-se em conta a minha teimosia em organizar o “Dicionário de Expressões Populares da Língua Portuguesa”, estarei sendo gabola. E a jactância não é coisa que agrade a quem tenha o mínimo de critério. Esse livro foi-se formando, pouco a pouco, ao longo de quase dez anos, tanto que tomou o corpanzil de 980 páginas. Mas ainda hoje sou um “juntador de frases”. Quem imagina que parei de colecioná-las? Já ando de namoro com um novo projeto, o qual se avoluma em cerca de umas duzentas páginas. No nosso dicionário, editado pela Martins Fontes, exploramos os sintagmas verbais, isto só, unicamente as expressões a partir de verbos. Penso que não havia algo similar, antes, nem aqui, no Brasil, nem em Portugal. Grandes tomos, no gênero de expressões populares, existem, com certeza. Mas não enfocando apenas as frases verbais. Gírias, em geral, existem à beça e aqui citaria um fabuloso volume: o livro do Sr. J. B Serra e Gurgel (ver Bibliografia do nosso dicionário), só para exemplificar.
CP- Quais são os meios de pesquisa para este projeto no Brasil?
GS- No nosso caso, fui muito às letras de forma, à busca livresca. Ou seja, visitei a literatura, amplamente (contos, romances, crônicas e poesia) e restritamente (expressões populares, propriamente ditas, em glossários, dicionários, livros de linguagem). Livros, basicamente livros, eis nosso acervo pesquisado. Tudo está registrado lá nos remissivos do dicionário. No entanto, o que nos caísse à mão, sem dúvida, era a nossa bola da vez: jornais, revistas, cordéis, ‘folders’, até alguns (poucos) CDs da MPB. Claro que, mais fôssemos escarafunchar, com outras preciosidades, em expressões idiomáticas, a gente ainda daria de testa, por aí.
CP- Existem empecilhos à sua elaboração? Quais?
GS- Não posso me queixar de que fosse inexistente a bibliografia específica no assunto ao qual me propus. Era exígua, sim, muito parca e penosa de encontrá-la, em Fortaleza. Pela própria dificuldade que temos com a distribuição e divulgação de livros, no Brasil, ainda mais aqui, no Nordeste. Por outro lado, não fui a uma única biblioteca pública. Ao longo do período da pesquisa, ainda militava como professor. Tempo mínimo para me dedicar à caça das expressões. Só dispunha de pontinhas de tempo. Eis a maior dificuldade enfrentada: o fator tempo.
CP- De onde surgiu o seu interesse pessoal pelo tema?
GS- Quando tentei estudar inglês e espanhol (que malmente deles aprendi o abecedário, rsss), achava curiosas e interessantes aquelas frases arrevesadas cuja soma das palavras não tinha uma tradução literal. O sentido que lhe davam não “batia” com o somatório literal dos vocábulos. Você lia uma coisa e elas, expressões idiomáticas, significavam outra coisa totalmente diversa. Eram difíceis, intrincadas, é verdade, porém curiosas, muito chamativas, interessantes mesmo. E fui tomando gosto pelas camaradas expressões, ditas “idiomáticas”. E duvido que – tirante na linguagem técnico-científica – todos os escritores não as tenham empregado em seus textos de ficção ou mesmo de poesia. Achei-as no Drummond, no Vinícius e no Manoel de Barros. Penso que a mania de juntá-las, agora em português, não mais expressões do espanhol e do inglês, vem-me lá dessa fase meio imemorial, oriunda dos bancos escolares.
CP- Os meios de comunicação modernos, como a internet, estimulam ou arrefecem o uso das expressões populares? É possível determinar essa influência?
GS - Ora, mais acima falamos da importância dos meios de comunicação na difusão da coisa idiomática – as chamadas expressões populares. Esqueceu-me de tocar na internet, pois não. Esta, com toda a ênfase e certeza, também é um fantástico meio para a disseminação dos modismos linguísticos. Gírias, neologismos, etc., etc. E como não? A gente vê, com clareza, nos sítios sociais as pessoas utilizando as tais expressões. E a quantidade de ‘blogs’ e ‘sites’ que apresentam termos e locuções de cunho popular? Hoje é incontável o acervo. Pessoalmente, com a corda solta, eu as uso no FaceBook, no Orkut, no Twitter, nos ‘e-mails’, e também nos t e x t í c u l o s marruás que deixo em um sítio coletivo, o “Recanto das Letras”. Tirante os perigos que da internet advêm, viva, pois, a mesma internet. E viva o uso adequado das nossas expressões populares no grandioso e caudal rio do idioma camoniano. FIM
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E-MAILS TROCADOS
(13 Jul 2011) [1]
Caro João, como vai?
Recebi indicação do Felipe Teixeira para entrevistá-lo para uma matéria que será publicada na revista “Platero”, da Livraria Martins Fontes.
O assunto é a origem de ditados e expressões populares, e gostaria de saber se tem interesse em participar. O ideal seria fazer por e-mail para que não se perca a linha de pensamento, mas também poderíamos conversar por telefone se achar mais prático. Felipe me passou um número: (...), mas por enquanto não consegui alcançá-lo.
De toda forma, envio as perguntas em seguida para que tenha uma ideia da abordagem. E, caso tenha essa disponibilidade, fique à vontade para fazer alterações e responder somente o que achar mais relevante.
Aguardo o seu retorno.
Muito obrigada,
Carolina
Tel.: (...)
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(13 Jul 2011) [I]
Bom dia, prezada Carolina Pezzoni!
Em princípio, é um prazer tentar lhe dar as respostas deque a sra. necessita para a sua matéria.
Ora, ainda mais tendo sido por indicação do nosso comum amigo Felipe, da Martins Fontes.
O caso é que estou saindo de uma encrenca grave, na córnea do olho esquerdo; um corte de 4 mm, feito com uma haste de ferro. Acidente doméstico.
(...)
Ao seu inteiro dispor, um abraço,
João Gomes da Silveira
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(13 Jul 2011) [II]
Sra. Carolina Pezzoni, boa tarde.
Fiz uma extravagância, decidi realizar a tarefa que a sra. nos solicitou, de um fôlego.
Estão a me apertar para ir ao almoço, nem sequer vou revisar os erros e as incoerências ditas. O olho ainda anda ruim, fui extravagante mesmo, em ficando quase toda a manhã no PC.
Posso, ‘a posteriori’, amanhã, que hoje vou repousar a vista, dar uma olhada nos desatinos que cometi no texto. Uma revisão é sempre necessária. Contudo, já lhe estou enviando o que pude, a fim de que a sra. diga se algo é aproveitável, em parte ou no todo.
Caso publique na revista da Martins, por favor, peça ao Felipe que me envie um número, aliás, já até deveria ter assinado a revista PLATERO.
(...)
Um abraço, bons tempos para a senhora e os seus,
João Gomes da Silveira
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(14/07/2011) (2)
Caro Sr. João Gomes,
Tenho que dizer que poucas vezes na vida tive o prazer de respostas tão ricas e atenciosas.
Ainda mais diante de seu olho ruim, que esperamos logo irá melhorar.
Todo o seu trabalho será sem dúvida muito aproveitável. Se não no todo apenas por uma questão de espaço.
Mas verei o que posso combinar com a minha editora.
Estudarei a matéria e, com sorte, voltamos a nos falar em breve.
Cuidaremos para que a revista pronta chegue até o senhor.
Abraços sinceros e cordiais,
Carolina
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(14/07/2011) [III]
Boa noite, prezada jornalista Carolina!
A sra. é tão gentil e generosa que me faz elogio imerecido, rsss.
Sem lambança, penso que com o olho em forma saria menos ruim.
Estou bem melhor, o corte na córnea já cicatrizou, apenas vêm os "efeitos colaterais", né, rsss?
Pode ou ligar ou mandar e-mails, estou às suas ordens.
Ah, a revisão que prometi!...
Meu defeito é que, se pegar de novo, no texto, vou deletar tudo e querer inovar, rsss.
Mas confio no seu pente fino, qualquer coisa me aperte por redação mais clara.
Um abraço,
João Gomes da Silveira
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Fort., 05/08/2011.