Entrevista à Revista Esfera
ENTREVISTA: GOULART GOMES
ESFERA: O que é o poetrix?
GOULART GOMES: Poetrix vem de poe: poesia, e trix: três. É uma forma poética composta de uma única estrofe de três versos. Até aí, nenhuma novidade, você diria: Dante Alighieri já fazia terzetos no século XIII e os japoneses fazem hai-kais, também, há centenas de anos. Mas, o poetrix é contemporâneo; livre de algumas amarras antigas, ele é uma forma poética “amigável”, dialogando bem com o concretismo, a arte visual e as mídias virtuais. Ele é a forma poética do nosso tempo: objetivo, dinâmico, conciso, urbano, tecnológico e universal.
ESFERA: Você não acha demasiado ambicioso tentar iniciar um gênero literário sozinho? Ou a ousadia deve sempre fazer parte da alma poética?
GG: Em verdade, eu não diria que estou “iniciando” um gênero literário, muito menos sozinho. O que estou fazendo é “batizar” um gênero que já existe e é praticado por muitos poetas. O que devemos observar é que muita gente escreve “tercetos” e os chama de hai-kais, o que não é a mesma coisa. O poeta Argemiro Garcia, por exemplo, que havia parado de escrevê-los quando descobriu que o que fazia não era haiku, agora faz poetrix; o poeta Luiz Flávio chamava aos seus de hai-kuases, agora deriu ao poetrix. Te,m um poeta que os chama de poemicros, outros de micropoemas, e por aí vai. A minha “ousadia”, se é que podemos chamá-la assim, foi analisar o universo de “tercetos” que são feitos hoje, identificar as características principais comuns à maior parte deles e propor um único nome que os defina: poetrix. Mas a ousadia deve, sim, fazer parte da alma do artista. Picasso é o pai do cubismo; André Breton, do Surrealismo; Tristan Tzara, do Dadaísmo. A turma de 22 ousou o Modernismo. Ousar é preciso.
ESFERA: Quais as diferenças práticas entre o poetrix e o haiku?
GG: O hai-kai (ou haiku) tem como características principais: 17 sílabas; a Natureza como tema; relata o tempo presente; não admite título, metáforas nem figuras de linguagem; é classificado em kigôs (relação entre as estações do ano e as emoções). Como diz o estudioso Aníbal Beça, ele é de um ascetismo espartano. Mas, para mim, o hai-kai é sagrado. Ele é praticado há séculos em inúmeros países, respeitando-se a sua forma original. Há quem os compare com os koan do zen-budismo; há quem o julgue um Do, um caminho de conhecimento, como a ikebana, o origami, o bonsai. Não acho justo que queiramos, agora, modificá-lo. Suco de uva sem açúcar não é vinho. Daí o poetrix. Não pretendo criar uma celeuma sobre qual é mais ou menos importante: apesar de semelhantes na forma, são diferentes, e devemos saber respeitar nossas diferenças. Não quero dizer que o poetrix tenha regras, porque as regras, se não revistas periodicamente, tornam-se algemas no tempo. O poetrix tem algumas características, às quais podem vir a somarem-se outras:
1. No POETRIX, o título é desejável, mas não exigível. Ele exerceria uma função de complementaridade ao texto, definindo-o ou sendo por ele definido.
2. Não existe rigor quanto ao número de sílabas, métrica ou rimas no POETRIX, mas o uso do ritmo e da similaridade sonora das palavras, sim.
3. O uso de metáforas e outras figuras de linguagem são uma constante no POETRIX, assim como a criação de neologismos.
4. A interação autor/leitor deve ser provocada através da subliminaridade do POETRIX.
5. O POETRIX é necessariamente uma arte minimalista, ou seja, ele procura transmitir a mais completa mensagem com o menor número de palavras.
6. O POETRIX considera Passado, Presente e Futuro como uma só dimensão: TEMPO, podendo ser utilizado indistintamente.
7. No POETRIX o observador (autor), as personagens e o fato observado podem interagir, criando condições suprarreais ou ilógicas ("non sense").
O POETRIX é tipicamente urbano. Ele também aproxima-se das leituras visuais, concretas, do epigrama e do caligrama, podendo ganhar formas animadas. Junto com meu novo livro, TRIX, é oferecido um disquete com alguns poetrix apresentados com animações em Power Point. Sei de poetas que já estão elaborando poetrix com Shockwave, para disponibilização em homepage e outros com efeitos sonoros. É a palavra ganhando som e movimento. O futuro chegou.
ESFERA: Como você explicaria a longevidade de um gênero como o haiku, que atravessou barreiras culturais e idiomáticas e até hoje continua tão vivo?
GG: Primeiro devo dizer que não sou um expert em hai-kais. O crítico literário Adinoel Motta Maia, certa vez me disse: “Sua poesia comunica. Não acredito em arte que não comunica.” Isso foi muito importante para mim. Não apenas pelo que diz respeito ao meu trabalho, mas observação quando à arte como importante meio de comunicação. E comunicação requer um emissor, um receptor, um canal e uma mensagem numa linguagem compreensível por ambos. Para mim este é o segredo não apenas do hai-kai, mas de várias outras artes que se eternizaram: a capacidade de transmitir uma mensagem inteligível a diferentes povos em diferentes épocas. E para isto duas coisas são imprescindíveis: simplicidade e beleza, características universais do hai-kai.
ESFERA: Você poderia explicar a utilização do tempo no poetrix?
GG: No livro Mãos de Luz, a Dra. Ann Brennan nos fala de como os aborígenes australianos classificam o tempo em Tempo Grande e Tempo Presente. No Tempo Grande estariam o passado e o futuro. Várias outras tribos indígenas tem interpretações e contagens diferentes para o Tempo. A nossa classificação – passado/presente/futuro – é apenas uma das possíveis. Se observarmos como algumas lembranças são nítidas em nossa memória, como temos a capacidade de reviver situações já ocorridas, podemos nos perguntar: o passado realmente passa? Ou o que muda é a nossa relação com o acontecido? Quando ao futuro, então, fica mais fácil ainda: como falar de algo que ainda não existe? Como se não bastasse, para nós que temos a língua portuguesa como ofício, ainda existe um tempo chamado “futuro do pretérito”, um meio termo, um hiato entre o possível e o desejado. Nós, escritores, através da ficção, sempre fizemos um bom uso desta compreensão diferente de Tempo (ver O Retrato de Dorian Gray, Orlando, Dracula, Memórias Póstumas de Brás Cubas). Esta é mais uma característica do poetrix: trazer para este instante, o passado, o presente e o futuro, indistintamente (Ex.: FUTURO: apenas o presente / que o dia nos dá / passado a limpo – ÁGUA: a água furou a pedra / moinhos de amsterdã / a manhã será mais bela).
ESFERA: TRIX – Poemetos Tropi-Kais é o quinto livro de sua carreira poética de 15 anos. Você consegue viver de literatura ou é inevitável que a poesia nunca passe de hobby?
GG: Não, eu não vivo de literatura: vivo para a literatura. Trabalho em uma das assessorias de comunicação da Petrobras, na Bahia. Viver de literatura nunca foi o meu objetivo. Para mim, ela sempre foi um hobby muito prazeroso. É difícil, sim, viver de literatura. Para isto é preciso ser muito bom e ter muita sorte. O importante, mesmo, é fazer tudo bem feito, com amor, com doação ou, como diria Rilke, fazer poesia por necessidade (da alma). O resto é consequência.
ESFERA: O livro vem acompanhado de um disquete onde alguns poemas são apresentados com efeitos visuais. Qual a importância da multimídia no poetrix?
GG: A tecnologia permite-nos sempre dar mais um passo adiante. Ela é a propulsora do desenvolvimento em todos os ramos do conhecimento. Não seria diferente com a literatura. Os Irmãos Campos já realizaram alguns experimentalismos muito válidos utilizando novas mídias. A informática abre novos caminhos, através dos sites, dos softwares, do CD, do DVD, do meio digital. Fala-se muito no fim do papel, no monopólio da forma virtual. Eu não creio nisto, acredito que ambas as formas deverão conviver pacificamente. Continuamos usando esferográficas (a forma moderna de criar manuscritos), apesar do surgimento da prensa, da máquina de escrever, do computador... é uma questão de praticidade, como prático é portar um livro. Mas tem coisas que são impraticáveis em um livro: dançar as letras, mover imagens, adicionar sons e outros efeitos. E estas são coisas muito fáceis de se fazer com os poetrix, como eu demonstro em TRIX. Nele, os poetrix tanto estão lá, impressos no papel, estanques, em preto e branco, quanto em disquete, prontos para serem exibidos na tela do computador. Os poetrix estão plenamente adaptados a este ponto de mutação que vivemos, entre o papel e o silício.
ESFERA: Quem são seus autores preferidos e quais considera como influência no seu trabalho?
GG: São di-versos. Os preferidos são Cummings, Fernando Pessoa e García Lorca, no exterior; Manoel de Barros, Ferreira Gullar e João Cabral, no Brasil. Meu próximo livro, que está prontinho, tem uma forte influência dos escritores regionalistas nordestinos, de Guimarães Rosa e de Manoel de Barros. Estou aprendendo a “botar defeito” nas frases.
ESFERA: O poetrix é, sem dúvida, um gênero minimalista. Como você explicaria o avanço do minimalismo em todas as formas artísticas dos nossos tempos?
GG: O Homem dos tempos modernos sofre o assédio de centenas de informações diariamente: o rádio, o out-door, o panfleto na sinaleira, a TV, o display eletrônico, o jornal, as revistas (cada vez mais especializadas), o vizinho, a internet, o livro, o cinema, etc, etc, etc. É informação demais para pouco tempo, pouco espaço. Minimalizar é o downsizing da arte. Nós sempre queremos o máximo com o mínimo: o máximo de produção com o mínimo de custos; o máximo de lucro com o mínimo de investimento; o máximo de realização com o mínimo de esforço (esta última, por sinal, não foi inventada por nós, baianos, ao contrário do que se pensa). O homem urbano não “tem tempo” nem para ele mesmo. E como o microcosmo é uma réplica do macrocosmo, como cada semente esconde uma árvore e o ADN contém todo um código genético, nada mais natural que a arte, que imita a vida, siga este caminho. Não que seja o único, mas mais um deles. Eu tenho um poema chamado Beatitude que tem mais de 100 versos, e um poetrix de mesmo nome (BEATITUDE: descansar na tua paz / (é tudo azul no infinito) / um tombo para o precipício). Você pode até não ter tempo para ler o poema, mas acabou de ler o poetrix! Só não costumo minimalizar entrevistas (risos!). Gostaria de acrescentar que a partir de outubro estaremos lançando o I Concurso Internacional de Poetrix, como forma de divulgação do gênero e conquista de novos adeptos. Também estarei lançando TRIX – Poemetos Tropi-Kais em algumas capitais brasileiras. Muito obrigado pelo espaço concedido pela ESFERA e parabéns a vocês pelo belo trabalho que tem realizado.