Belvedere entrevista Sonia Maria van Dijck Lima
Quando e como surgiu o interesse pelo universo literário?
R – Aprendi a ler e escrever muito pequena. E logo estava lendo revistas e livros infantis. Aos onze anos, li o primeiro romance. Comecei por José de Alencar, O tronco do ipê. Assim, minha iniciação literária partiu do século XIX. Alencar foi seguido por Machado de Assis, e, na poesia, como boa baiana, Castro Alves. Sempre gostei de ler, de conversar sobre leituras. Daí para escolher, intelectual e profissionalmente, dedicar-me à Literatura foi só uma questão de chegar à hora do vestibular.
Quais os métodos que utiliza na organização de suas pesquisas literárias?
R – A metodologia de pesquisa deve seguir o interesse do objetivo da investigação e a natureza do objeto investigado ou estudado. Na pesquisa em arquivos literários (quer do ponto de vista da história da Literatura, quer do ponto de vista da crítica genética), a formulação metodológica é sempre de acordo com o que se quer pesquisar. Por exemplo, quando me interessei em saber como repercutiu o aparecimento de Sagarana, usei a formulação de Jauss (Estética da recepção) como orientação básica da demanda, e os documentos estudados incluíam tanto as críticas dos periódicos, publicadas em 1946, como cartas, entrevistas e depoimento de Guimarães Rosa, também publicados.
Como se processa a crítica genética ?
R – Talvez a melhor pergunta seja: qual o interesse da crítica genética? Em crítica genética, investiga-se a construção do discurso. A partir de documentos que informam o processo de escritura, procura-se reconstituir os procedimentos autorais em demanda do texto. E não só do texto literário. É interessante retomar anotações, esquemas de textos, rascunhos, e outros documentos, que revelam tanto como o autor procedeu para escrever um conto ou um romance ou um poema, como também como um autor escreveu uma conferência ou um capítulo de livro sobre economia ou política, por exemplo. O importante é que a investigação reconstitui o trabalho do autor, muitas vezes até suas fontes de informação, seus cuidados com a linguagem, perseguindo a melhor palavra para esta ou aquela situação.
Sendo conhecedora da obra de Guimarães Rosa, acredita que ainda falte muito para que se entenda a fundo seu universo?
R – Sou leitora da obra rosiana e leitora assídua de vários estudiosos dessa obra. Minha pesquisa prende-se apenas a Sagarana, e, mesmo assim, não posso dizer que reconstituí todos os procedimentos de Rosa na escritura de cada uma das histórias desse livro. A extensão e a complexidade da obra rosiana continuam desafiando os estudiosos, seja qual for o objetivo da pesquisa ou linha teórica do estudo. Como toda obra literária, os textos de Rosa sempre despertarão novos interesses de estudo e de debate. É inevitável lembrar Shakespeare, que continua provocando novas leituras ou retomadas de leituras, dando motivo para novas teses, novos artigos, novas conferências. Pode-se dizer que a comunidade shakespeareana internacional cresce todos os dias. O mesmo ocorre com os rosianos, com os claricianos, com os joycianos e com outras comunidades de estudiosos dos fatos literários. Sempre há algum aspecto a ser analisado; um novo olhar sobre algum aspecto da obra.
Entre as atividades literárias, qual a que proporciona a você maior prazer?
R – Todas. Gosto de narrativa, de poesia e de texto dramático. Gosto de ler a obra e de ler sobre a obra. Gosto de escrever crítica literária ou apresentar conclusões (parciais) de pesquisa. Gosto de falar sobre Literatura e de ir a uma boa conferência sobre Literatura. Quando faço literatura, a forma narrativa ou a forma de poema depende da temática que queira desenvolver. Há coisas que devem ser ditas em alguns versos. Há coisas que precisam ser contadas com mais vagar ou com o esclarecimento de alguma circunstância e, aí, essa temática não cabe em uns poucos versos; meu caminho será a narrativa. Mas, gosto tanto de escrever poemas como minhas histórias curtas. Cabe a meus leitores gostar mais ou menos de uma ou de outra de minhas expressões na literatura. Gosto de Literatura.
Pelo que entendo, você se dedicou à Literatura. Há alguma coisa ou fato que lhe cause desagrado em se tratando de Literatura?
R – Claro que sim. O texto medíocre, que se pretende literário, é muito desagradável. Mas não só o texto de criação medíocre é desagradável. A crítica literária cheia de proparoxítonas (fenomenológico, ontológico, dialético, por exemplo), que nem o autor entende o sentido, e só emprega para tomar ares de erudição, é muito chata; e não cumpre o seu papel, que é o de ligar o leitor à obra. O leitor comum, para o qual se faz Literatura e para quem se escreve crítica literária, não está nada interessado nessa linguagem para iniciados. Como fui e sou professora, não aprecio críticos que habitam o Nirvana. Crítica literária não é texto de tese acadêmica, destinada aos pares da academia.
Como encara o papel da web?
R – A web é o espaço do máximo de informação, com o máximo de rapidez e com máximo de economia (de tempo, principalmente). Mas, antes de tudo, é espaço da liberdade de expressão e de opinião. As pessoas são livres para navegar ou não nesse ou naquele site ou blog ou manter página de relacionamento.
No caso de crianças e adolescentes, cabe aos pais e à escola a orientação da viagem.
No que se refere à produção contemporânea de textos literários na web e para a web, é preciso considerar a natureza do suporte e as regras (implícitas) de sua nova linguagem: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade (para lembrar Ítalo Calvino) e concisão (proposta por mim formulada). Estamos no novo milênio. Precisamos conquistar e ter proficiência em uma nova linguagem – e a web é um novo suporte do discurso contemporâneo. Não dá para pensar, hoje, como produção na web, em versos alexandrinos, ou em narrativas ou em textos dramáticos nos moldes do realismo socialista. Se a web deve ser registro da memória cultural e científica e fonte de informação do passado da humanidade, deve ser vista, por outro lado, como novo suporte, com novas regras, para a produção artística e literária do milênio em que vivemos.
Você é também militante da web?
R – Claro que sim. Vivo meu tempo. Meu tempo é o da internet. Mantenho meu site, onde reservo espaço para os amigos. Meu site tem compromisso com a memória cultural e, no que se refere à criação contemporânea, procura o exercício de uma linguagem deste milênio – por exemplo: em meus textos de criação literária, procuro o exercício da concisão. Os amigos que participam de meu site alguns estão comprometidos com a memória cultural e outros com a conquista de uma nova linguagem de criação literária para a web (com leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e concisão). Mas, tudo isso é processo, e só estou tentando contribuir. Quem quiser colaborar com críticas e comentários pode ir em http://www.soniavandijck,com
[*Sonia Maria van Dijck Lima-Brasileira nascida na Bahia, é professora de Literatura Brasileira, crítica literária, pesquisadora de arquivos, poeta e contista (nas horas vagas... – como costuma dizer). Lecionou na Universidade Federal de Sergipe e na Universidade Federal da Paraíba, na qual se aposentou. Como professora visitante, lecionou na Universidade Federal da Bahia e na Universidade Estadual de Londrina; como professora convidada lecionou na Universidade Paris X – Nanterre (atual Univ. Paris Ouest Nanterre La Défense). É doutora em Letras (USP, 1989), com pós-doutorado em Literatura Brasileira. Tem trabalhos publicados no Brasil e exterior. Em sua produção intelectual, registra-se a formulação da concisão como procedimento do discurso para este milênio, lançada em Paris, em novembro de 2008.]
*Belvedere Bruno é escritora e articulista do Jornal Santa Rosa- Niterói.